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3 CRIMINALÍSTICA NO SISTEMA JURÍDICO-PROCESSUAL-PENAL BRASILEIRO

3.2 PROVA PERICIAL CRIMINAL E GARANTIAS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

3.2.4 Motivação das decisões judiciais

A Constituição Federal exige, como requisito de validade, que as decisões judiciais sejam devidamente fundamentadas (CF/88, art. 93, inc. IX).

Em relação ao acertamento dos fatos em julgamento, naturalmente, essa fundamentação pressupõe a análise das provas produzidas em contraditório judicial (CPPB, art. 155).

No tocante à apreciação da prova, adota-se no Brasil o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional. Por tal princípio, o julgador tem liberdade para valorar as provas reunidas no curso do processo, devendo, contudo, expor os motivos pelos quais chegou à determinada conclusão.

Trata-se, pois, de uma garantia bivalente: primeiro, uma garantia para o exercício autônomo da função judicante, na medida em que confere ao juiz a possibilidade de produzir

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No âmbito do Setor Técnico-Científico da Superintendência da Polícia Federal na Bahia, não há um ambiente especificamente preparado para conceder ao assistente técnico o acesso ao material que serviu de base ao exame pericial.

a solução processualmente mais justa, tendo em vista as condições probatórias reveladas em cada caso; segundo, uma garantia individual no sentido de que a prestação jurisdicional não será fruto de manifestações arbitrárias, tendo em vista que a exigência de motivação favorece o controle da atividade jurisdicional, seja pela instancia superior, seja pela própria sociedade, que pode ter acesso às razões (ou motivações) da decisão tomada.

Vale destacar que, em matéria de prova pericial, como corolário do princípio da persuasão racional, vigora no Brasil o princípio liberatório, mediante o qual o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte (CPPB, art. 182).

Em que pese essa condição liberatória, que, aliás, reforça também a ideia de inexistência de hierarquia entre os diversos meios de prova, soa um tanto paradoxal a ideia do juiz se contrapor à opinião do expert, principalmente, se for considerado que a prova pericial tem cabimento justamente em face da necessidade de conhecimento técnico-científico (especializado), cujo domínio escapa ao julgador.

Nesse sentido, cumpridos os requisitos de admissibilidade da prova pericial criminal22, a rejeição das conclusões científicas define uma hipótese naturalmente improvável, a exigir, em tese, um esforço intelectual extraordinário do juiz para fundamentar a sua decisão23.

Ainda que para o magistrado afigure-se difícil a refutação de conclusões científicas admitida no processo, em função da cláusula liberatória, a doutrina jurídica também reconhece a existência de ampla discricionariedade judicial na valoração da prova científica24, resultando, muitas vezes, em subjetividades e arbitrariedades no exercício do jus puniedi.

Vale ressaltar, no entanto, que o próprio CPPB define como obrigatória a produção de prova pericial nas infrações que deixam vestígios (art. 158), indicando que ela só poderá ser suprida por prova testemunhal na hipótese de desaparecimento dos vestígios vinculados ao fato investigado (art. 167).

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Mais adiante, na Seção 2.2.5 e também na Seção 3, serão analisados os requisitos admissibilidade da prova pericial criminal.

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Essa limitação intelectual do juiz quanto à matéria técnico-científica induz o compartilhamento da responsabilidade decisória com perito criminal, tal qual pretendido pelos médicos que, pioneiramente, conforme descrito na Seção I.3, iniciaram uma disputa com os operadores do Direito pelo poder político exercido através da persecução penal.

24 Nesse sentido: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado, v. 1. Saraiva,

São Paulo: 1996, p. 38. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. Atlas, São Paulo: 1997, p. 268. CAMARGO ARANHA, Adalberto José Q. T. Da prova no processo penal, 6. Ed. Saraíva, São Paulo: 2004, p.191-192.

Além disso, o CPPB define como causa de nulidade a ausência do exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígio (art. 564, III, b).

Desta forma, como bem adverte Capez, a obrigatoriedade na produção de prova pericial – no caso de infrações que deixam vestígio – configura verdadeira ―adoção excepcional do sistema de prova legal‖, relativizando o princípio da livre apreciação da prova (CAPEZ, 2016, p. 420).

Assim, há de se compreender que, apesar da adoção do princípio da livre convencimento motivado, na dinâmica da persecução penal, a prova pericial criminal figura em posição de destaque, na medida em que o próprio legislador lhe define como obrigatória (quando a infração apurada tenha deixado vestígios, o que, diante da evolução tecnológica hoje verificada, define uma possiblidade deveras abrangente).

A doutrina jurídica segue no mesmo sentido do legislador:

A perícia está colocada em nossa legislação como um meio de prova, à qual se atribui um valor especial (está em uma posição intermediária entre a prova e a sentença). Representa um plus em relação à prova e um minus em relação à sentença. É também chamada de prova crítica (CAPAZ, 2015, p. 414).

Nesse sentido, tanto por disposição legal como por orientação doutrinária, a prova pericial se estabelece no ordenamento jurídico brasileiro como o meio hábil para comprovar crimes que deixam vestígios relacionados a fatos apurados numa persecução criminal.

Nessa condição, a atividade de Criminalística (da qual resulta a prova pericial) confere ao juiz a oportunidade de constituir decisões amplamente fundamentadas e, dessa forma, constitucionalmente legitimadas.

No âmbito da Ação Penal 470, por exemplo, a prova pericial criminal cumpriu satisfatoriamente essa função legitimadora da decisão judicial de mérito, na medida em que, em seus votos, os ministros definiram diversos fatos em julgamentos tendo por base as conclusões manifestadas nos laudos periciais produzidos por Peritos Criminais Federais entrevistados nessa pesquisa.

A propósito da relevância que a prova pericial contábil teve para o desfecho do chamado Caso Mensalão, em pesquisa recém-publicada, sua autora esclarece que:

Foram reunidos elementos de análise, com relação aos Laudos de Exame Contábil que permitem afirma sobre a relevância e robustez dos exames pericias contábeis no contexto investigativo do Caso Mensalão. Esses resultados somente foram alcançados em função da inteligência contábil

aplicada ao conjunto de provas colhidas nas investigações e ao conhecimento multidisciplinar que forma o processo judicial e pode ser colocado à disposição da esfera decisória para seu julgamento. Nesse sentido, entende-se que estão confirmados os subitens 2.2.1 e item 2.3 da teoria indicada, que sustentam esta pesquisa científica quanto à impotência que vem sendo dada ao desempenho da função pericial no âmbito criminal e da atividade intelectual de um Perito contador diante das diferentes vertentes de análise patrimonial. Confirma-se o entendimento de Espíndola (2013) que o perito para trazer materialidade aos crimes, além de olhar os elementos de prova colocados à disposição, necessita enxergar os resultados de sua observação metodológica. Esta pesquisa evidenciou como os Peritos Oficiais lograram afirmar que foram cometidos crimes de fraudes contábeis, por meio de técnicas de tratamento de dados e análises revestidas de conhecimento contábil, mantendo foco no escopo da Perícia, dentro das limitações técnicas, ou seja, tendo como objeto os fatos ou provas e não o Direito. (VOLEJNIK, 2017, p.103)

Essa condição de efetividade da prova pericial contábil-financeira na Ação Penal 470 será objeto de especiais considerações no Capítulo 6.