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3 CRIMINALÍSTICA NO SISTEMA JURÍDICO-PROCESSUAL-PENAL BRASILEIRO

3.3 ATIVIDADE DE CRIMINALÍSTICA NA PERSECUÇÃO PENAL

3.3.3 Perícia Criminal na fase acusatória

A fase processual da persecução criminal ocorre no curso de uma ação penal, que corresponde ao direito de provocar a jurisdição no intuito de fazer aplicar da lei penal.

Diante da proibição da autotutela da pretensão punitiva, tendo em vista o princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF/88, art. 5º, XXXV), resta aos interessados (legitimados) recorrer ao Poder Judiciário no sentido garantir a satisfação de seu interesse punitivo.

Anunciando a proteção de bens jurídicos normalmente definidos no âmbito do interesse público, o processo penal promove exercício do direito de punir, sob a garantia da dignidade da pessoa do acusado, via de regra, por ação (penal) intentada pelo Ministério Público e, apenas excepcionalmente34, pela vítima do delito ou seu representante.

Como típico ato de força, em consonância com as garantias democráticas, o regular exercício do direito de ação pressupõe a caracterização de justa causa para constituição do processo, o que torna imprescindível a demonstração de existência de indícios mínimos de materialidade e autoria, além da constatação da ocorrência da infração penal em tese.

[...] o só ajuizamento da ação penal condenatória já seria suficiente para atingir o estado de dignidade do acusado, de modo a provocar graves repercussões na órbita de seu patrimônio moral, partilhado socialmente com a comunidade em que desenvolve as suas atividades. Por isso, a peça acusatória deve vir acompanhada de suporte mínimo de prova, sem os quais a acusação careceria de admissibilidade (OLIVEIRA, 2004, p. 80).

Nesse sentido, há de se reconhecer a importância da atividade de investigação criminal científica desenvolvida ainda na fase pré-processual, sem a qual, muitas vezes, não se logra êxito na reunião de mínimos elementos de convicção a configurar justa causa para admissibilidade a ação penal.

Restando configurada, no entanto, a reunião de mínimos elementos de convicção acerca da materialidade e autoria delitivas e, ademais, justificada35 a admissibilidade da ação penal correspondente, está aberta a possibilidade de instauração da fase processual da persecução penal.

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Trata-se de exceções normalmente estabelecidas em defesa da intimidade e da privacidade das relações pessoais do ofendido, como no caso de crimes contra a honra ou contra a liberdade sexual, por exemplo, em que a ação penal se diz de iniciativa privada.

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A justificação aqui deve ser admitida em sentido amplo, envolvendo, além da justa causa, o suprimento das condições da ação (interesse de agir, legitimidade e possibilidade jurídica do pedido) e dos pressupostos processuais (capacidade processual e competência do juízo).

Instaurado o processo penal, já sob a garantia da presunção de inocência, do pleno contraditório e da ampla defesa, a atividade de Criminalística passa agora da condição de investigação criminal científica para condição de prova técnico-científica processualmente estabelecida.

Enquanto, na fase de investigação criminal, o que se produz por meio da atividade de Criminalística são elementos de informação voltados à formulação da opinio delicti do titular da ação penal, na instrução criminal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, o que se produz é prova técnico-científica, destinada à formação da persuasão racional do juiz (Manzano, 2011, p. 151).

Como modalidade probatória, em regra, a perícia desenvolvida na segunda fase da persecução penal destina-se à formação do convencimento judicial e, por conseguinte, à constituição de uma legítima decisão de mérito.

No processo penal, sob o paradigma epistêmico da presunção de inocência, no qual a condição duvidosa se resolve em favor do réu, busca-se fazer a reconstrução aproximativa de um fato passado por meio dos elementos de prova. Nesse sentido a instrução probatória visa criar condições para que a autoridade judicial exerça sua atividade recognitiva, a partir da qual se reproduzirá o convencimento externado na sentença.

É a prova que torna possível a atividade de recognição da autoridade judicial, em relação ao fato histórico narrado na peça acusatória. O processo penal e a prova nele admitida definem o que se pode chamar de modos de construção do convencimento do julgador, que formará sua convicção e legitimará o poder contido na sentença (LOPES JR., 2008, p. 490).

Desta forma, no curso do processo penal, revestida por garantias adicionais de índole constitucional, a atividade de Criminalística firma-se como qualificado meio de prova processual, destinando-se, agora, à construção tanto do convencimento judicial como do fundamento da decisão assumida, por meio da admissão do conhecimento técnico-científico, tido e havido como essencial para o acertamento do fato em julgamento.

Objetivamente, Manzano (2011, p. 8) propõe uma definição que se destaca pela completude:

Perícia é um meio de prova técnica ou científica, que tem por objetivo a obtenção de certo conhecimento relevante para o acertamento do fato (elemento de prova), a partir de um procedimento técnico realizado sobre pessoa ou coisa (fonte de prova). A conclusão do técnico ou profissional (conclusão probatória) é expressa num laudo (elemento de prova), que tem por

finalidade (finalidade da prova) influir na formação da persuasão racional do juiz, em seu processo cognitivo de valoração (valoração da prova).

Nesse sentido, além do reconhecimento da obrigatoriedade do exame de corpo de delito (art. 158, do CPPB), no curso da instrução processual, a autoridade judicial deve deferir ou mesmo determinar de ofício a realização da prova pericial que se mostre necessária ao esclarecimento das circunstâncias que envolvem o fato em julgamento (art. 184, do CPPB).

Dispensáveis seriam, portanto, apenas aquelas perícias que, recaindo sobre elementos diversos do corpo de delito, configurassem medidas meramente protelatórias ou inúteis, tendo em vista a clarividência da fonte sobre a qual recairia o exame pericial eventualmente cogitado.

Nesse sentido, durante a instrução processual, seja a requerimento ou de ofício, constatada a necessidade de produção de prova pericial para o esclarecimento dos fatos, a autoridade judicial determinará tanto a produção de exames periciais inéditos como a repetição de perícia eventualmente já realizada na investigação criminal (neste último caso, desde que os vestígios tenham sido preservados, ou seja, desde que se trate de perícia repetível).

Em se tratando de perícia já realizada na investigação criminal, mas impossível de ser repetida por causa da instabilidade dos vestígios, restará à autoridade judicial apenas submeter as conclusões técnico-científicas assim produzidas ao contraditório diferido, para, então, demonstrada sua confiabilidade, poder aproveitá-las na formação de sua convicção e na fundamentação de sua decisão (CPPB, art. 155).

Tratando genericamente da prova pericial produzida na instrução processual, Lopes Jr (2014, p. 635) assevera que, com a garantia do contraditório e da ampla defesa, as partes possuem os seguintes direitos: a) requerer a produção da prova pericial; b) apresentar quesitos, com antecedência de 10 dias da realização dos exames; c) acompanhar a colheita de vestígios do fato em apuração (substâncias químicas e biológicas, armamentos e munições, mercadoras, livros e documentos contábeis, fiscais ou bancários), se a natureza do ato permitir; d) manifestar-se sobre a prova, podendo requerer sua complementação, esclarecimentos ou nova perícia; e) indicar assistente técnico, que terá acesso ao material probatório utilizado pelos peritos oficiais; f) obter uma manifestação do juiz sobre a prova pericial realizada.

No curso da Ação Penal 470 (fase processual), conforme se verá adiante, a pesquisa documental revelou que a defesa exerceu seu direito de requer a prova pericial, apresentar quesitos e confrontar peritos em juízo, além de manifestar considerações sobre a prova e requer nova perícia. Não foram, entretanto, identificadas decisões judiciais referentes à indicação ou atuação de assistentes técnicos, nem relativos ao acompanhamento de colheita de vestígios ou referente a acesso ao material probatório que serviu de base para os exames.