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3. METODOLOGIA

3.2. A MOTOCICLETA

A motocicleta foi inventada no início do século 19 com o objetivo de atender à demanda crescente de veículos automotores. Se considerado o início do ciclo de vida da motocicleta, o seu valor estava ligado principalmente a questões utilitaristas do bem, ou seja, o valor percebido pelo seu público consumidor e fator primordial para a sua compra estava intrinsicamente ligado à razão de transporte e locomoção

(CIDADE, 1979). Porém como todo objeto de consumo, a motocicleta passou por um longo processo histórico de mudanças, envolvendo questões políticas, econômicas, culturais, sociais e psicológicas. Com a crescente demanda e desenvolvimento das necessidades e desejos dos consumidores, o mercado de motocicletas passou por um contínuo processo de reestruturação, agregando utilidades e valores ao produto de modo a atender às mudanças tecnológicas e aos novos públicos de consumidores. Levy (1959) destaca essa evolução como natural:

‘’…are underlying trends that affect and are affected by the spirit of the times. Every so often there comes along a new symbol, one that makes a leap from the past into the present and that has power because it captures the spirit of the present and makes other on-going symbols old-fashioned’’ (LEVY, 1959, p. 124).

A segunda etapa do ciclo de vida da motocicleta se iniciou quando esta passou a ser utilizada como um símbolo daqueles que desafiavam a sociedade, através de sua utilização em protestos, dado que o baixo custo, velocidade e barulho permitiam tais atividades de maneira mais eficiente e eficaz. De acordo com Cidade (1979), essa foi a primeira grande mudança na imagem da motocicleta, onde seus usuários eram considerados ‘’homens maus’’ e eram vendidas como um produto que servia o propósito de ‘’extravasar instintos de agressividade’’. As empresas rapidamente apelaram à imagem da força, de poder, e outros valores demandados por um mercado consumidor composto por indivíduos que tentavam compensar seu complexo de inferioridade através da construção de uma superioridade imaginária baseada em violência e força física (CIDADE, 1979). Foi nesse momento em que os primeiros grupos de motociclistas foram formados. A motocicleta nesta etapa do ciclo de vida já possuía a capacidade de fornecer valores utilitários além da locomoção, e também valores sociais e psicológicos aos seus usuários, uma forma de expressão do ‘’eu social’’.

Com a influência da indústria cinematográfica de Hollywood, aproveitando-se das minorias que não se ajustavam às normas da sociedade, iniciou-se a era glamorosa da motocicleta. Nesta época ‘’surgia um novo ídolo (James Dean) para a juventude, que apesar de rebelde, era charmoso e atraente a virtualmente todos os tipos de jovens, não apenas àqueles que queriam agredir a sociedade’’ (CIDADE, 1979, p. 7). Assim como ocorre nos dias de hoje em diferentes setores da economia, seguindo o

modismo hollywoodiano, a figura do ídolo criou um novo segmento no mercado de motocicletas. Seus consumidores queriam se espelhar nos astros hollywoodianos referente às roupas, modo de vida, e também modelos de motocicletas como, por exemplo, as Vespas e as Lambretas. Através da representação social de um indivíduo, um novo grupo de consumidor e uma nova segmentação do mercado foi criada, permitindo o desenvolvimento de novos bens e serviços.

Através do crescente desenvolvimento dos grupos de motocicletas, a imagem dominante de ‘’arruaceiro’’ e de ‘’play boy’’ deixou espaço para união de seus usuários com o objetivo de dar vazão aos seus anseios (CIDADE, 1979). Ou seja, as pessoas começaram a comprar motocicletas para se ligarem a grupos de referência que possuíam necessidades, desejos e ideais similares. Na década hippie dos anos 60 a motocicleta foi amplamente utilizada para fugir das cidades, pois sua praticidade e economia permitiam que seus usuários buscassem aventuras, novas experiências e amizades (CIDADE, 1979) em locais, muitas vezes, inacessíveis por carro ou ônibus. Nesta fase do ciclo de vida, a motocicleta se tornou um símbolo de liberdade e cultura ao invés de poder e prestígio. Hollywood entrou em cena novamente com o sucesso cinematográfico – Easy Rider, popularizando uma nova tendência no consumo de motocicletas, onde o conforto e o fácil manejo também eram valorizados.

Com a crescente preocupação com a idade e a aparência física da sociedade moderna viu-se uma busca constante da sociedade pela juventude (CIDADE, 1979). Os bens de consumo que ofereciam essa sensação de estima ganharam espaço, inclusive no mercado de motocicletas. Viu-se, com isso, a expansão das motocicletas para um público mais velho, com idades entre 34 e 43 anos, que buscavam fugir da ansiedade do envelhecimento. Partindo do pressuposto que este grupo já está posicionado na sociedade, o status perde parcialmente o lugar para o prestígio no momento da escolha da compra. O estilo de vida e o valor monetário passaram a ganhar espaço na segmentação e diferenciação do mercado e, novamente, um novo tipo de motocicleta foi criada para um novo público – ‘’aquela que é poderosa como um símbolo de status’’ (CIDADE, 1979). O dinheiro, através da motocicleta, permitiu o acesso de novas experiências e aventuras.

As tendências ecológicas e tecnológicas, os congestionamentos nas grandes cidades, os crescentes movimentos feministas e as questões de segurança no transporte vem, recentemente, criando novos públicos de consumidores. Em diversas etapas do ciclo de vida apresentadas, vimos que a motocicleta é utilizada não somente como um meio de transporte, mas também como uma extensão da personalidade pessoal, sendo uma forma com que o consumidor possa expressar os seus sentimentos e desejos pessoais e sociais. Os atributos de necessidade e de superficialidade estão cada vez mais misturados, onde as dimensões utilitárias, expressivas e emotivas são mutuamente valorizadas pelos consumidores. O peso de cada uma dessas esferas dependerá de indivíduo para indivíduo. Alguns comprarão por questões puramente utilitárias e econômicas, enquanto outras valorizarão mais o prazer imaginativo e as sensações oferecidas pelo produto.

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