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Mover-se é preciso: sertão, espacialidade, experiências e expectativas

2 UM SERTÃO EM MOVIMENTO, UM LUGAR DE FRONTEIRA

2.1 Mover-se é preciso: sertão, espacialidade, experiências e expectativas

A mobilidade espacial dos sujeitos, bem como a mobilidade dentro de cargos administrativos, e posições políticas e sociais faziam parte do contexto da colonização da América, e isto não deixou de ser retransmitido aos múltiplos processos de colonização e conquistas dos subespaços que esquadrinhavam as colônias, inclusive, perpassando o processo de conquista das terras da Capitania da Paraíba do Norte e seus sertões, do qual fazia parte o Sertão do Rio Piranhas. Este fato é compreensível, já que, mesmo com as suas diferenças e incrementos, os sujeitos da colônia acabavam tendo a metrópole como referência para as suas práticas.

Assim, a história do Sertão é um ambiente adequado para se colocar em foco as noções de espaço e mobilidade e, principalmente, como estas noções se tornaram bases para o desenlace de modos de agir de sujeitos que se opunham em um jogo de forças que lutavam pelo controle do lugar em questão. Para tratar sobre a noção de movimento e mobilidade, que é algo pulsante em um lugar de fronteira e, além do mais, móvel, como era o Sertão do Rio Piranhas, algumas categorias conceituais de Michel de Certeau29 foram úteis, dado que ele lançou o olhar sobre a construção de espaço dos sujeitos, e isto perpassava toda a extensão do seu trabalho, quando analisava as práticas cotidianas dos sujeitos e os seus modos de fazer e agir. Desta forma, o seu estudo trouxe contribuições para se pensar a dinâmica territorialidade e espaço e os atores sociais com suas estratégias, táticas e modos de agir. Tais idéias podiam ser também pensadas para o tempo da formação social e territorial do Sertão do Rio Piranhas que se arquitetou a partir da década de 70 do século dezessete. Para o mesmo, “existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidades de velocidade e a variável tempo”. Ou seja, “o espaço é um cruzamento de móveis”. Logo, a mobilidade dos sujeitos constrói o espaço, fazem-no praticar o espaço30.

Existem objetos naturais que formam o lugar, como os rios, as serras, os boqueirões. E são as experiências que os sujeitos vivenciam com esses objetos que trazem como resultado a construção de um espaço. Esses objetos passam para a

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CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano, 1: artes de fazer. 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005 [1994]. v. 1.

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dimensão da História. Pode-se usar, como exemplo, o rio, neste caso, o Rio Piranhas. Ele é um elemento de um lugar que pode ser descrito, geograficamente, entretanto os usos que fazem dele, as relações sociais e culturais que se efetivam por meio dele, fazem-no inseri-lo na dinâmica de um espaço construído, vivido, praticado, experimentado pelos sujeitos. Os espaços formam-se, inclusive, dentro de um mesmo lugar, nesse caso, no Sertão do Rio Piranhas, a partir das práticas e experiências vividas pelos sujeitos e suas mobilidades que se encontravam inseridas nele.

Outras categorias utilizadas por Certeau, em seu estudo, e que chamam a atenção para detalhes que são preciosos no transcorrer desta pesquisa, atenta à relação espaço/mobilidade, são “estratégias” e “táticas” que remetem a trajetórias engendradas pelos sujeitos e suas mobilidades nos espaços em que estavam inseridos e nos jogos que faziam parte do mesmo. Esta realidade permite pensar as “trilhas” produzidas pelos sujeitos e que, diante das imposições do sistema vigente, deixam transparecer os desejos e astúcias dos atores sociais, mediante “movimentos diferentes, utilizando os elementos do terreno”31.

Estratégia é entendida como o “cálculo (ou a manipulação) das forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado”32. Assim, a estratégia constrói um lugar próprio do sujeito, para que possa agir diante de seus alvos com autonomia. Já a tática é uma ação que tem como base o lugar do outro, ou seja, o sujeito joga “com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. [...] a tática é movimento ‘dentro do campo de visão do inimigo’”33. Esta “arte do fraco” aproveita as oportunidades, os instantes, o improviso, a caça, a astúcia. Tira proveito dos mais fortes, por intermédio de suas astúcias e ações táticas de golpes e resistência diante do campo do conquistador.

Por esta perspectiva, pode-se observar a formação do Sertão do Rio Piranhas, tanto no domínio social como territorial, compreendendo que as ações do avanço colonizador, sendo seus líderes e representantes principais os mais fortes, estavam amparadas em uma visibilidade e embasadas em um lugar próprio, de 31 Ibidem., p. 97-98. 32 Ibidem., p. 99. 33 Ibidem., p. 100.

onde podiam acompanhar e agir contra seus alvos por atos estratégicos; enquanto que os mais “fracos” nesse processo, sejam sujeitos forâneos (de fora), sejam indígenas pré-existentes, buscavam agir dentro do campo de ação dos mais fortes, evocando suas astúcias, engendrando suas táticas, enganando os olhos dos mais fortes.

Destarte, a história social do sertão está entrelaçada pela prática de organização do espaço, a partir da chegada de novos sujeitos, advindos do avanço colonizador europeu, português, sobre a América. O espaço é o resultado de diferentes vetores, ou seja, sujeitos que se movem para diferentes direções e que se relacionam. Logo, a mobilidade dos sujeitos engendram experiências e expectativas que contribuem para a construção do espaço, assim, esse espaço passava a fazer parte de um tempo, de uma história.

Diante da questão das mobilidades e disputas que perpassaram o processo colonizatório do litoral da América Portuguesa, de suas Capitanias do Norte, e que, também, se fizeram presentes no processo de interiorização por meio da colonização territorial dos seus sertões “ermos e indômitos”, nos quais estava o Sertão do Rio Piranhas, é possível reconhecer duas categorias formais que possibilitam mergulhar no universo dos sujeitos que nele estavam engajados: “experiência” e “expectativa”. Estas expressões permitem pensar a história social dos sujeitos que se lançaram aos sertões vastos, a partir de uma abordagem de produção histórica, que leva em consideração os fatos vividos possíveis.

Segundo Koselleck, “experiência” e “expectativa” são “categorias do conhecimento capazes de fundamentar a possibilidade de uma história”, pois “em outras palavras: todas as histórias foram constituídas pelas experiências vividas e pelas expectativas das pessoas que atuam ou que sofrem”34.

Lançado um olhar sobre a história colonial do sertão, vê-se que ela estava envolvida com a tessitura das experiências portuguesas de lidar com crises e conquistar novas terras, como meio de acumular riquezas e poder; resolver questões de poder de seus membros dentro e fora da própria nação; mas, especialmente, como alternativa para crises financeiras e sociais, pois de alguma

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KOSELLECK, Reinhart. "Espaço de experiência" e "horizonte de expectativa": duas categorias históricas. In: ______. Futuro passado: contribuições à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006. p. 306.

maneira faziam parte da história constituinte dos sujeitos que lançaram seus olhares sobre o litoral e o sertão da América Portuguesa, de modo que tais experiências foram estimuladoras das expectativas desses mesmos sujeitos em relação aos sertões, enquanto novas terras a serem dominadas e exploradas. Desta forma, os sertões representavam um vasto horizonte de expectativas, com possibilidades de um futuro melhor, diante das condições adversas que os seus habitantes enfrentavam.

Francisco Werffort chama a atenção para esses aspectos do desejo e da “cobiça” que envolviam as práticas dos forasteiros reinóis que se lançaram na América, ao afirmar que “também aqui foram as lendas e os mitos que, primeiro, moveram os conquistadores. Mais do que por projetos ou objetivos definidos, eles se orientavam em suas marchas por sonhos e crenças, além de muita ambição e coragem”35.

Sérgio Buarque de Holanda36, em Visão do Paraíso, traz à tona as informações e testemunhas produzidas por cronistas, aventureiros e religiosos em torno das “descobertas” ibéricas que exaltavam a presença do “Paraíso Terreal” e das “serras resplandecentes”, das quais se extrairiam fortunas em pedras preciosas e “fabulosas minas do sertão”. Esse “paraíso” sempre estava para além da fronteira conhecida, era um paraíso móvel.

Tornava-se, então, instigador ouvir falar que nos sertões havia minas de metais preciosos, e estas informações também circulavam em torno dos interiores da Capitania da Paraíba. Tanto que o seu Capitão-Mor, João da Maia da Gama, escreveu uma carta ao Conselho Ultramarino de Vossa Majestade, pedindo provisão sobre a permissão de se ir averiguar a realidade das informações da existência de riquezes no sertão.

Aqui se falla e se assenta q há Minas de ouro e de prata nos certões desta capitania e como não sey se isto impugna as ordens de V.Mag.e me não tenho resolvido a mandar fazer toda a deligencia por descobrillos e se VMag.e me premetir essa licença com ordem de V.Mag.e mandarey fazer toda a delig.a por averiguar se as há ou não; para o q me pareceo representa lo a V. Mag.e e esperar a

35

WEFFORT, Francisco. Espada, cobiça e fé: as origens do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. p. 89.

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HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1996 [1959].

resolução vossa q.e mandará o q for servido. Parahiba 20 de julho de 1710. João da Maya da Gama37.

Acreditavam muitos dos entrantes que talvez as riquezas se avolumassem mais, quando se ia em direção ao poente, e tais mitos ruíam de acordo com o avanço das experiências dentro das novas terras, de modo que “experiência e fantasia” envolviam-se nas configurações de desejos e visões sobre o “Novo Mundo”.

Atrelado a isto, é importante frisar que os sujeitos envolvidos no processo de colonização dos sertões, sejam conquistadores ou nativos, passavam por reelaborações de desejos e entendimentos, conforme o que iam vivenciando na experiência dos contatos interétnicos que se davam naquela temporalidade, e na sua conivência com a natureza e com a paisagem daquele lugar. Assim, deslocar-se para o interior, implicava a realização de uma “viagem ao desconhecido” que trazia, no seu percurso, novos conhecimentos, aprendizagens e, portanto, novas experiências sobre o lugar.

Para os colonizadores chegantes, voltar-se para os interiores conhecidos ou não, a partir de suas experiências, significava abrir-se para um horizonte amplo de expectativas e, ao mesmo tempo, a cada nova experiência, dava-se uma reformulação dessas expectativas, bem como o entendimento sobre o sertão e seus elementos. Esta espacialidade indicava possibilidades de exploração, de liberdade, de conquistas, de ampliação de bens e propriedades, de conversão de pagãos em novos cristãos e de conquista de novos súditos para a Coroa. O mesmo acontecia com os povos nativos, indígenas, desses interiores que, diante de sua convivência com os espaços naturais do sertão e com outros que ali habitavam, traziam consigo suas próprias experiências e teciam seu horizonte de expectativa, e esses elementos foram reelaborados, de forma mais profunda, com a chegada das levas colonizadoras forasteiras.

Desta forma, experiências e expectativas relacionavam-se, dinamicamente, a partir dos sujeitos que participaram do processo de colonização dos interiores da

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“CARTA dos oficiais da Câmara de Natal ao rei [D. João V] informando que vários grupos indígenas das Ribeiras do Apodi, Piranhas, Piancó e Açu e alguns índios aldeados estavam inquietos; e pedindo que não se desfizessem as duas companhias do Terço dos Paulistas estacionadas no Rio Grande do Norte, mas ao contrário que aumentassem os seus contingentes.” (1710, julho, 20, Paraíba; PROJETO RESGATE - AHU - Paraíba, n. 318).

América Portuguesa, na passagem dos séculos XVII para o XVIII, fazendo com que conquistadores e indígenas nativos desenvolvessem soluções novas, direcionadas para o sertão do período colonial, para a sociedade que nele se formava e para a natureza que o cercava. Mas, a experiência estava envolvida com o processo de revisão sobre o que se conhecia e sobre acreditava. Ou seja, além de alterar a relação dos atores com o seu “futuro”, modificando possivelmente seus desejos e sonhos, também movia as suas visões sobre o passado, sobre a sua formação, inclusive a sua fé, possibilitando até a coexistência de formas diversas de pensar, de modo que velhas tradições podiam conviver com novas práticas.

Em torno desta dinâmica do encontro (e do desencontro) de diferentes camadas sociais e grupos étnicos, no Sertão do Rio Piranhas, bem como em tantos outros sertões coloniais, no aspecto social e espacial, formou-se em uma pulsação causada pelas mais variadas experiências, advindas de culturas e acontecimentos vividos, diversificados, assim como da busca de alcançar projeções de futuro também variados. Nesse aspecto, a perspectiva de avançar em busca da conquista de um sertão pleno de horizontes de expectativas e possibilidades de ampliação de forças política, econômica e, consequentemente, social, engendrara uma cultura estimuladora do “movimento” em diferentes sentidos: desde o mover-se, ascendendo socialmente, até o mover-se, literalmente no sentido espacial, no ato de ir em direção aos interiores para expandir fronteiras, delimitar territórios ou ascender dentro de uma trajetória política e social que estava pautada no domínio da natureza e dos seus habitantes. Uma fluidez dos sujeitos pelos meandros e veredas dos sertões.

Entendendo fronteira enquanto lugar que marca o limite de territórios dos colonos-conquistadores e dos indígenas nativos, portanto, um ponto de contato, esse lugar surge a partir da ação expansionista europeia sobre os interiores da América, nesse caso, América Lusa, na direção do oeste. Era, deste modo, um lugar de fortes embates em torno de uma definição ou redefinição dos poderes sobre ele próprios, logo, gerando conflitos, a partir de processos de desterritorialização e reterritorialização38.

38

Cf. MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012; LEONARDI, Victor. Entre árvores e esquecimentos: história social nos sertões do Brasil. Brasília, DF: Paralelo 15; UnB, 1996.

Para José de Souza Martins, “a fronteira é, na verdade, ponto limite de territórios que se redefinem, continuamente, disputados de diferentes modos por diferentes grupos humanos”39.

Com suas particularidades, o avanço sobre as fronteiras que marcavam os limites culturais e espaciais do sertão, colocava os sujeitos, envolvidos nesse processo, diante de elementos que também estavam imersos nas práticas e experiências multi-continentais engendradas pela metrópole, conectando diferentes centros, pois isto implicava tanto na conectividade dos interiores aos centros, como dos centros de poder e economia do Brasil com os exteriores, envolvendo mobilidade de pessoas, mercadorias, ideias, interesses, expectativas, noções de status sociais etc.

Pode-se dizer que o sentido de mobilidade conferia à Coroa, a exploração dos espaços interiores, ampliando seus domínios e súditos através do deslocamento de um contingente populacional, lançando mão de uma visão de que os sertões prometiam progresso, na acepção de possibilidade de melhoria de vida. Assim, o poder régio também deslocava os conflitos dos centros e os empurrava para os interiores.

Capistrano de Abreu em 1907, já chamava a atenção da historiografia brasileira para o estudo histórico dos espaços sertanejos, e inicia o capítulo sobre “O Sertão”, em “Capítulos de História Colonial”, afirmando que “a invasão flamenga constitui mero episódio da ocupação da costa. Deixa-a na sombra, a todos os respeitos, o povoamento do sertão, iniciado em épocas diversas, de pontos apartados, até formar-se uma corrente interior, mais volumosa e mais fertilizante que tênue fio litorâneo”40. Ele percorre, então, as veredas que imbricavam diferentes sertões, desde o Amazonas, Maranhão até Goiás e a configuração dos limites entre Portugal e Espanha além Tordesilhas.

Quantas tramas e conflitos, formações militares e bandeiras se lançaram nos indômitos sertões. Quantas tensões se empreenderam, fruto das migrações populacionais em busca do ouro, onde emboabas, pernambucanos, paulistas ou baianos confrontavam-se com a população mestiça que se formara na região de

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MARTINS, Op. Cit., p. 10.

40

ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial: 1500-1800 e Os caminhos antigos e o povoamento do Brasil. Brasília: UnB, 1982 [1907]. p. 113.

minas. Além disso, Capistrano atentava para os caminhos que se formavam através das incursões colonizadoras europeias e como as estradas terrestres eram testadas, buscadas, registradas, e essas, para serem sedimentadas, apresentavam as grandes dificuldades impostas pela própria natureza41.

Anos depois de Capistrano, em sua obra “Entre Árvores e Esquecimentos”, Victor Leonardi adverte para a necessidade de a historiografia se debruçar sobre os sertões, trazendo à tona questões de alteridades que se configuraram em seus espaços, pois os sertões possuíam particularidades que diferenciavam a sociedade que nele se constituia. Para ele,

O sertão – terreno distante do litoral, coberto de capoeiras e cerrados, ou mato e caatinga – foi o cenário que condicionou uma parte da vida dos homens em terras do Brasil. Não condicionou de forma determinista, evidentemente, mas no sentido literal: forneceu as condições nas quais a história do homem se desenvolveu. Viver no “sertão bruto” (sertão sem moradores, completamente desabitado, ou pouco habitado) não é o mesmo do que morar nas zonas rurais próximas de Salvador, de Recife e do Rio de Janeiro. No Sertão, a criação de gado, o extrativismo e a mineração prevaleciam sobre a agricultura, que quase sempre era uma agricultura de subsistência. No sertão perduram tradições e costumes antigos. O Brasil teria hoje o perfil cultural que tem se suas dimensões fossem bem menores e em sua história não tivesse entre seus vários sertões (do Mato Grosso, do Nordeste, de Minas Gerais, de Goiás, da Amazônia) como componentes socioculturais significativos. E, no entanto, o tema do sertão ainda não é bem estudado em nossa historiografia. Como se sertão fosse um simples sinônimo da palavra ‘campo’. [...] Na verdade, o cotidiano desses homens só foi o que foi por terem eles vivido longe do poder efetivo do aparelho de Estado (da Justiça, do fisco, da política e da lei), distantes do clero, das letras e ‘das luzes’, ou seja: por terem eles vivido no sertão, parte integrante mas diferenciada da realidade histórica do Brasil42.

O sertão, enquanto lugar íntimo, ou seja, de interior, implicava localizar-se em oposição ao litoral, a espacialidade que possuía as maiores concentrações demográficas durante o período colonial, e que era reconhecida como o centro da civilidade, já que, inicialmente, nesse espaço, surgiram centros de poder da colônia. Por outro lado, o sertão ainda carregava a imagem do lugar distante e vazio, que precisava ser povoado e ajustado aos padrões e normas, tido como civilizado pelos lusos, sem contar que, diante deste antagonismo, outros elementos destacam-se

41

Ibidem.

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como sendo intrínsecos aos sertões, a barbárie e a rudeza daqueles que para lá afluíam ou já nele viviam.

Destarte, os sertões ganhavam o sentido de periferia, em relação ao centro (o litoral) e, consequentemente, passavam a carregar em si o sentido de lugar de fronteira, de modo que também inspirava àqueles que para eles fluíam, um sentimento de liberdade, dado à distância dos centros, locais de exercício de maior controle da Coroa.

Diga-se de passagem que, com maior autonomia, os membros das elites que se compunham nos sertões, conseguiam exercer poder de barganha com o poder Real, no esforço de terem atingido seus objetivos nos interiores, sendo que, nas relações entre a Coroa e as sociedades mais distantes a ela subordinadas, aplicava-se a dinâmica de uma “autoridade negociada”, pois a Monarquia Lusa levava, em conta, as múltiplas resistências locais à sua autoridade, devido o costume de liberdade que os sertões distantes e “indômitos” possibilitavam aos seus súditos43.

O que se pode notar é que, para aqueles que constituíam as frentes pastoris de ocupação, os sertões ganharam vários sentidos. Eram os sertões vazios, indômitos, tenebrosos. Eram os sertões dos rios: Sertão do Rio Piranhas, Sertão do Rio São Francisco. Sertões de Dentro, Sertões de Fora. Era o oposto do litoral.

Nesse sentido, no afã de compreender a formação do Sertão do Rio