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3. O ENFOQUE CTS (CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE) NO ENSINO DE

3.1 O MOVIMENTO CTS

A influência marcante do desenvolvimento científico e tecnológico já se faz presente na vida da humanidade. Estamos envoltos por aparatos tecnológicos que facilitam nosso dia a dia, tornando a nossa estadia mais cômoda. Mas essa comodidade, reflexo do avanço tecnológico, pode se tornar uma ameaça se não fizermos escolhas e reflexões conscientes em relação às questões sociais do desenvolvimento científico e tecnológico.

Bazzo, Pereira e Bazzo (2014, p.62) contribuem:

A cada dia são lançados novos produtos em um mercado de consumo desenfreado, e pesquisas por novos materiais, artefatos e fontes de energia têm seu desenvolvimento acelerado. Se por um lado esse quadro se configura por uma busca de progresso para a melhoria de vida de um crescente contingente humano – o que em si gera suficiente polêmica para discussão -, por outro lado aquilo que consideramos resíduos produzidos por esse processo – que resulta em poluição ambiental, problemas de urbanização, de saúde pública...- tem suscitado inúmeros debates sobre o tema.

O avanço das tecnologias acaba trazendo consequências nem sempre proveitosas para os cidadãos, sendo que, muitas vezes, os resultados acabam sendo prejudiciais. Bazzo (2010, p.113) argumenta que, “na realidade, a ciência e a tecnologia não estão apenas conformando as nossas vidas para melhor, mas também, em muitas situações, fazendo-as mais perigosas”.

O movimento CTS teve suas origens no início dos anos 1960 e 1970 causando profundas mudanças nos países europeus e da América do Norte, refletindo mais tarde no mundo de forma geral. (PINHEIRO; SILVEIRA; BAZZO, 2007). Duas obras publicadas em 1962 se tornaram um marco para o movimento CTS. Uma delas foi o livro Silent Spring (Primavera Silenciosa) de Rachel Carson e a Estrutura das Revoluções Científicas de Thomas Kuhn. (LINSINGEN, 2007)

Nesse período, prevalecia um clima de tensão gerado pelas guerras, tanto pela do Vietnã quanto pela Guerra Fria. Os horrores provocados pelos aparatos tecnológicos a serviço da morte, armas químicas, biológicas e nucleares, movimentos ambientalistas, crítica acadêmica da tradição positivista da filosofia e da sociologia da ciência, acabaram possibilitando novas formas de ver as interações entre ciência, tecnologia e sociedade. (LINSINGEN, 2007).

Devido à sucessão de catástrofes envolvendo a ciência e as tecnologias surgem os estudos CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), que emergem da necessidade de uma revisão científico-tecnológica e sua relação com a sociedade.

O que prevalecia antes disso era uma concepção essencialista em que se acreditava que o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia gerava riqueza e, consequentemente, mais bem- estar social. (SILVEIRA; BAZZO. 2009). Diante desse cenário, o modelo tradicional prevalecia e questionamentos começaram a surgir, pois nem sempre os resultados das pesquisas em Ciência e Tecnologia se revertiam em benefícios econômicos e sociais.

A riqueza e o bem-estar social esperado pelo avanço da Ciência e da Tecnologia não se concretizou, emergiram muitas situações catastróficas como a explosão de bombas atômicas, a criação de armas militares, químicas, a poluição, vazamentos de óleo no mar, a utilização indevida do DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano) como inseticida na lavoura, o qual foi proibido a sua utilização em países mais desenvolvidos, mas infelizmente o seu uso continuou nos países em desenvolvimento. (CACHAPUZ, et.al. 2005)

Importante ressaltar que a batalha contra o uso desse inseticida, alertando sobre os perigos do mesmo só foi possível, segundo os autores, devido à intervenção realizada pela bióloga Rachel Carson e cidadãos que se mostraram sensíveis aos argumentos apresentados por ela.

Roso e Auler (2013, p.5) contribuem quando colocam que:

Em síntese, o papel exercido por Carson, possivelmente decorrente de sua sensibilidade socioambiental, foi de fornecer informações relevantes, muitas dessas não consideradas pela comunidade de pesquisa da época, as quais foram compreendidas por segmentos da sociedade, propiciando o engajamento social à causa. Foi a participação da sociedade que propiciou a proibição da substância.

Tal ação acabou originando, mais tarde, o movimento CTS. De acordo com Gordilho (2001), juntamente com a melhoria na qualidade de vida, o avanço da Ciência e da Tecnologia desencadeou consequências adversas, tanto para as pessoas como para o ambiente.

Apesar das repercussões negativas durante a Segunda Guerra Mundial com as bombas atômicas, em 1940, somente em 1960 se iniciou, nos Estados Unidos, movimentos “[...] para

estabelecer alguns estudos interdisciplinares para decifrar as relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade, chamados, na época, STS – Science, Technology and Society”. (BAZZO, 2010, p.178)

Segundo Manassero, Díaz e Alonso (2001, p.3) a:

A educação CTS pretende também uma melhor compreensão da ciência e tecnologia no seu contexto social, concentrando nas inter-relações entre desenvolvimentos científicos e tecnológicos e os processos sociais. Assim, os estudantes deverão adquirir durante a sua escolaridade algumas capacidades para ajudá-los a interpretar, pelo menos de forma geral, questões controversas relacionadas com os impactos sociais da ciência e da tecnologia e com a qualidade das condições de vida em uma sociedade cada vez mais impregnada de ciência, sobretudo, de tecnologia7. (Tradução

nossa)

A partir do momento que os alunos conseguem ter uma participação na sociedade se posicionando frente às questões referentes à ciência e a tecnologia, estarão contribuindo para que tal avanço seja repensado e reavaliado.

Cachapuz et al. (2005) reforçam e citam exemplos da importância na participação dos cidadãos na tomada de decisões, ao analisarem fertilizantes químicos e pesticidas produzidos a partir da Segunda Guerra Mundial. Estes se constituíram numa revolução agrícola, mas, alguns anos depois, foram advertidos quanto ao uso dos mesmos, devido aos problemas de saúde que estavam provocando.

Tal participação, temos que insistir, reclamam um mínimo de formação científica que torne possível a compreensão dos problemas e das opções – que se podem e devem expressar com uma linguagem acessível – e não há-de-ver-se afastada com o argumento de que problemas como a mudança climática ou a manipulação genética sejam uma grande complexidade. Naturalmente são precisos estudos científicos rigorosos, mas tão pouco eles, por si só, chegam para adoptar decisões adequadas, posto que, frequentemente, a dificuldade fundamenta-se não na falta de conhecimentos, mas sim na ausência de uma abordagem global que avalie os riscos e contemple as possíveis consequências a médio e longo prazo. (CACHAPUZ et al. 2005, p.29)

Só será possível tornar cidadãos responsáveis e conscientes, com habilidades para analisarem os problemas que emergem em seu entorno se forem criadas possibilidades para

7 “la educación CTS pretende también una mejor comprensión de la ciencia y la tecnología en su contexto

social, incidiendo en las interrelaciones entre los desarrollos científico y tecnológico y los procesos sociales. Así pues, los estudiantes deberán adquirir durante su escolarización algunas capacidades para ayudarles a interpretar, al menos de forma general, cuestiones controvertidas relacionadas con los impactos sociales de la ciencia y la tecnología y con la calidad de las condiciones de vida en una sociedad cada vez más impregnada de ciencia y, sobre todo, de tecnologia”. (MANASSERO;DÍAZ; ALONSO.2001)

isso. Auler (2011, p.94) contribui nesse sentido reforçando que se faz necessária uma reinvenção CTS assim como o currículo:

Reinventar CTS implica em reinventar o currículo. Currículo como uma construção marcada por intencionalidades, não por um espaço neutro. Currículo significando caminho, trajetória. Um novo currículo articulado, potencializador de um novo caminho, de um novo modelo de desenvolvimento social. Um currículo que busque a constituição ou o resgate de valores alternativos, democráticos e sustentáveis em oposição aos tecnocráticos/consumistas.

Entende-se que a partir do momento que esse novo currículo seja efetivado, professores e alunos poderão atuar de maneira crítica, reflexiva e atuante em relação ao avanço científico e tecnológico.

Os estudos CTS podem contribuir para isso. Bazzo, (2010) apresenta também que são reconhecidas duas tradições distintas em relação aos estudos CTS, a norte-americana e a europeia, que serão descritas a seguir.