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5. UMA VIAGEM PELA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL

5.2 Ideias e políticas da reforma Capanema

5.2.1 Movimento da Escola Nova

O “Movimento da Escola Nova” constituía-se em um projeto educacional em defesa de uma escola pública, universal e gratuita que deveria dar a todos o mesmo tipo de educação proporcionando igualdade de oportunidades. A atividade educativa deveria ser um processo em que o indivíduo pudesse se libertar e demonstrar todo seu potencial na sociedade da qual faz parte, reconstruindo e reorganizando suas experiências (SCHWARTZMAN, 2000 p. 70).

Esta proposta foi inspirada em novos ideais para a educação e gerou no Brasil, o movimento de reconstrução educacional que, reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu, um grupo de educadores, transferir do terreno administrativo para os planos político-sociais a solução dos problemas escolares. Este era o esboço de um programa educacional extraído do Manifesto de 32:

I. Estabelecimento de um sistema completo, com uma estrutura orgânica, conforme as necessidades brasileiras, as novas diretrizes econômicas e sociais da civilização atual e os seguintes princípios gerais:

a) A educação é considerada em todos os seus graus como uma função social e um serviço essencialmente político que o estado é chamado a realizar com a cooperação de todas as instituições sociais;

b) Cabe aos estados federados organizar, custear e ministrar o ensino em todos os graus, de acordo com os princípios e as normas gerais estabelecidos na Constituição e EME leis ordinárias pela União, a quem compete a educação de meios e a ação fiscalizadora, coordenadora e estimuladora pelo Ministério da Educação;

c) O sistema escolar deve ser estabelecido nas bases de uma educação integral; em comum para os alunos de um e outro sexo e de acordo com suas aptidões naturais; única para todos e leiga, sendo a educação primária (7 a 12 anos) gratuita e obrigatória; o ensino deve tender progressivamente à obrigatoriedade até 18 anos e à gratuidade em todos os graus.

II. Organização da escola secundária (12 a 18 anos) em tipo flexível de nítida finalidade social, como escola para o povo, não preposta e preservar e a transmitir as culturas clássicas, mas destinada, pela sua estrutura democrática, a ser acessível e proporcionar as mesmas oportunidades para todos, tendo, sobre a base de uma cultura geral comum (3 anos), as seções de especialização para as atividades de preferência intelectual (humanidades e ciências) ou de preferência manual e mecânica (cursos de caráter técnico) (grifo nosso).

III. Desenvolvimento da escola técnica profissional, de nível secundário e superior, como base da economia nacional, com a necessária variedade de tipos e escolas: a) De agricultura, de minas e de pesca (extração de matérias-primas);

b) Industriais e profissionais (elaboração de matérias-primas);

c) De transportes e comércio (distribuição de produtos elaborados); e segundo métodos e diretrizes que possam formar técnicos e operários capazes em todos os graus da hierarquia industrial.

IV. Organização de medidas e instituições de psicotécnica e orientação profissional para o estudo prático do problema de orientação e seleção profissional e adaptação científica do trabalho às aptidões naturais.

V. Criação de Universidades, de tal maneira organizadas e aparelhadas que possam exercer a tríplice função que lhes é essencial, elaborar e criar a ciência, transferi-la e vulgarizá-la, e sirvam, portanto, na variedade de seus institutos:

b) À formação do professorado para as escolas primárias, secundárias, profissionais e superiores (unidade na preparação do pessoal do ensino);

c) À formação de profissionais em todas as profissões de base científica;

à vulgarização ou popularização científica e artística, por todos os meios de extensão universitária.

VI. Criação e desenvolvimento da educação em todos os graus e constituídos, além de outras rendas e recursos especiais, de uma porcentagem das rendas pela União, pelos Estados e pelos Municípios.

VII. Fiscalização de todas as instituições particulares de ensino que cooperarão com o Estado, na obra de educação e cultura, já com função supletiva, em qualquer dos graus de ensino, de acordo com as normas básicas estabelecidas em leis ordinárias, já como campos de ensaios e experimentação pedagógica.

VIII. Desenvolvimento das instituições de educação e de assistência física e psíquica á criança na idade pré-escolar (creches, escolas maternais e jardins de infância) e de todas as instituições complementares pré-escolares e pós-escolares:

a) Para a defesa da saúde dos escolares, como os serviços médico e dentário escolares (com função preventiva, educativa ou formadora de hábitos sanitários, e clínicas escolares, colônias de férias e escola para débeis), e para a prática de educação física (praças de jogos para crianças, praças de esportes, piscinas e estádios);

b) para a criação de um meio escolar natural e social e o desenvolvimento do espírito de solidariedade e cooperação social (como as caixas escolares, cooperativas escolares, etc.)

c) para a articulação da escola com o meio social (círculos de pais e professores, conselhos escolares) e intercâmbio interestadual e internacional de alunos e professores;

d) e para a intensificação e extensão da obra de educação e cultura (bibliotecas escolares fixas e circulares, museus escolares, rádio e cinema educativo).

IX. Reorganização da administração escolar e dos serviços técnicos de ensino, em todos os departamentos, de tal maneira que todos esses serviços possam ser:

a) Executados com rapidez e eficiência, tendo em vista o máximo de resultado com o mínimo de despesa;

b) Estudados, analisados e medidos cientificamente, e, portanto, rigorosamente controlados no seu resultado;

c) E constantemente estimulados e revistos, renovados e aperfeiçoados por corpo técnico de analistas e investigadores pedagógicos e sociais por meio de pesquisas, inquéritos, estatísticas e experiências.

X. Reconstrução do sistema educacional em bases que possam contribuir para a interpenetração das classes sociais e formação de uma escola unificada, desde o Jardim da Infância à Universidade, “em vista da seleção dos melhores”, e, portanto, o máximo desenvolvimento dos normais (escola comum), como o tratamento especial de anormais, subnormais (classes diferenciais e escolas especiais) (AZEVEDO, s.d.: p.88-90 apud RIBEIRO, 1995: p. 108-110).

Como é possível observar, nos itens III e IV do manifesto (grifo da autora), já havia o pensamento nos intelectuais escolanovistas por um ensino destinado a formação para o trabalho, cuja tarefa seria de retirar o povo brasileiro da necessidade e da pobreza, através da valorização da atividade produtiva, transformando o trabalho numa atividade central na vida do homem e não pura e simplesmente um meio de ganhar sua vida.

Na visão dos defensores dessa escola, por causa da sua complexidade e tamanho, caberia ao setor público, e não a grupos particulares a tarefa de ensinar. Esta educação seria leiga e teria como principal função, formar o cidadão livre e consciente que pudesse incorporar-se ao Estado Nacional, que o Brasil estava se transformando. Além disso, seus

métodos deveriam ser criativos, afastando-se do modo repetitivo e autoritário que eram utilizados naquela época.

As ideias encampadas por Anísio Teixeira na elaboração do manifesto foram inspiradas na experiência que acumulou em cursos de educação nos Estados Unidos, onde foi aluno de John Dewey, o grande idealizador do movimento da Escola Nova norte-americana (SCHWARTZMAN, 2000 p. 71). A teoria de Dewey defende

que a educação é uma contínua reconstrução da experiência, individual ou social, que somente pode ser aceita e conscientemente buscada, por uma sociedade progressiva e democrática, que vise, não a simples preservação dos costumes estabelecidos, mas à sua constante renovação e revisão. Essa reconstrução propõe-se a aumentar, o conteúdo e a significação social da experiência, e a desenvolver a capacidade dos indivíduos para agir como diretores conscientes dessa reorganização (DEWEY, 1978: p. 31).

Para Teixeira (1978, p.131) a educação é um processo de transmissão de cultura que é feita pela família, pela classe social ou pela religião, ou seja, há uma relação de interdependência entre as instituições que norteiam os caminhos dos indivíduos. Neste contexto, a função da escola é de complementar e tornar natural a transmissão da cultura de forma a habilitar o jovem à vida cívica e ao trabalho nas sociedades complexas. O que torna mais fácil o papel da escola em comunidades onde a vida é mais estável e seus processos de mudanças regulares.

Outro intelectual que participou do movimento foi Fernando de Azevedo que afirmava que a educação nova não poderia deixar de ser uma reação categórica

intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção (filosófica) vencida. Desprendendo-se dos interesses de classes a que ela tem servido, a educação perde o “sentido aristocrático”, para usar a expressão de Ernesto Nélson, deixa de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo para assumir um “caráter biológico”, com que ela se organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo indivíduo o direito a ser educado até onde o permitam suas aptidões naturais, independente de razões econômicas e sociais (AZEVEDO, s.d.: p. 64 apud RIBEIRO, 1995: p. 125).

Estes intelectuais preconizavam que o Brasil começava mudar influenciado pela revolução industrial e dos princípios político-democráticos que resultariam em mudanças sociais e econômicas na sociedade. Transformando as instituições que eram responsáveis pela transmissão de cultura: família, classe e religião que já não conseguiam mais cumprir a sua função de continuidade e de estabilidade sociais. Nesse contexto, a escola passou a se adequar

às indústrias, para supri-las com profissionais qualificados que pudessem trabalhar nas atividades produtivas.

Foi nesse período que a escola foi elevada à categoria de instituição fundamental para a sociedade, como órgão intencional de transmissão de cultura, absorvendo parte das funções que eram desempenhadas por outras instituições. E, para cumprir com esta função, haveria necessidade de uma educação universal e sistemática que fosse capaz de construir um espírito de sociedade igualitária e democrática.

Além disso, as pressões por um tipo de educação condizente com a industrialização demonstravam a necessidade por um ensino mais prático, preocupado com o desenvolvimento das competências, que resultassem em transformações concretas, com ênfase no ato de aprender em detrimento da ação de ensinar. A proposta de ensino apontava para a direção da escola nova, marcada pela orientação de John Dewey, defensor do aprender pela experiência.