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6. UMA VIAGEM PELAS REFORMAS DA EDUCAÇÃO

6.1 Plano Nacional de Educação

Reforma Educacional implementada pelo ministro Capanema procurava organizar a educação nacional com caráter de sistema, a ideia era a elaboração de um plano de educação como instrumento de introdução da racionalidade visando sua organicidade. A perspectiva de racionalidade científica representava um elemento modernizador do ensino. O plano de Capanema, Schwartzman (2000 p. 248) descrevia que das diversas modalidades de ensino profissional, o industrial era o que recebia maior destaque, por causa do processo de industrialização incentivado pelo Estado entre a década de 30 e meados dos anos 50, quando o governo investe em indústrias de insumos básicos (siderurgia, mineração, álcalis, petroquímica) e reforça a infra-estrutura (energia e transportes).

Definido como código, conjunto de princípios e normas, o Plano Nacional de Educação saiu na medida da encomenda do questionário. Em maio de 1937 o Conselho Nacional de Educação encaminha a Capanema o texto final do plano, que é enviado pelo

presidente ao Congresso para aprovação. Em seu artigo primeiro, estava previsto que o plano só poderia ser alterado após dez anos de vigência, e Capanema solicita sua aprovação "em globo". Era um documento extenso, com 504 artigos ao longo de quase cem páginas de texto, e buscava consagrar uma série de princípios e opções educacionais que não eram, de nenhuma forma, consensuais, e cuja discussão a proposta de "aprovação em globo" visava, justamente, evitar (SCHWARTZMAN, 2000 p. 198).

A primeira parte do plano das normas gerais definia o que era o plano (um "código da educação nacional" destinado a servir de base ao funcionamento de instituições educativas escolares e extra-escolares, públicas e privadas, em todo o país), definia os princípios gerais da educação nacional, regulamentava a liberdade de cátedra, o ensino da religião, da educação moral e cívica, da educação física (Ibdem, 2000).

A educação nacional era definida como tendo por objetivo "formar o homem completo, útil à vida social, pelo preparo e aperfeiçoamento de suas faculdades morais e intelectuais e atividades físicas", sendo tarefa precípua da família e dos poderes públicos. A transmissão de conhecimentos seria sua tarefa imediata, mas nem de longe a mais importante. Fazia ainda parte dos princípios gerais a definição do que se devia entender por "espírito brasileiro" ("orientação baseada nas tradições cristãs e históricas da pátria") e "consciência da solidariedade humana" ("prática da justiça e da fraternidade entre pessoas e classes sociais, bem como nas relações internacionais"), termos que a Constituição utilizava para caracterizar os objetivos gerais da educação nacional (idem).

A liberdade de cátedra era garantida, como previa a Constituição, mas ficava restrita a assuntos específicos da matéria do professor, sendo vedada a propaganda política, assim como manifestações "contra a ordem pública e os bons costumes" e "contra a solidariedade das classes sociais e das nações entre si", entre outras coisas. Cabia ás autoridades escolares zelar para que isto fosse assim. O ensino da religião era assegurado, de acordo com as religiões de cada aluno, em todos os estabelecimentos de ensino oficiais, ainda que com frequência facultativa. Havia ainda a previsão de que, nas escolas públicas, houvesse acordo entre as autoridades de ensino e as "autoridades religiosas competentes" para sua regulamentação. Ficava assim, de fato, garantida a participação da Igreja no ensino religioso das escolas públicas.

A educação moral e cívica era objeto de regulamentação minuciosa. Ela deveria ser ministrada obrigatoriamente em todos os ramos do ensino, sendo que no curso secundário seria uma atribuição do professor de história do Brasil. Ela deveria ter uma parte teórica, que

trataria dos fins, da vontade, dos atos do homem, das leis naturais e civis, das regras supremas e próximas da moralidade, das paixões e das virtudes; e uma parte prática, que incluiria desde o estudo da vida de "grandes homens de virtudes heróicas" até o trabalho de assistência social, que ensinasse aos alunos "a prática efetiva do bem". O capítulo sobre educação física previa que, nas universidades, fossem criadas seções especiais de "biotipologia", que dessem orientação científica ás atividades esportivas, havendo também possibilidade de que estas seções fossem substituídas por um "Instituto de Ciência da Individualidade" (SCHWARTZMAN, 2000 p. 199).

Esta parte do plano continha, ainda, uma extensa regulamentação do Conselho Nacional de Educação, órgão que o havia discutido e aprovado em primeira instância, ao longo de 65 reuniões plenárias, como a carta que o encaminha ao ministro. Logo que foi criado este órgão possuía um papel apenas consultivo, no entanto, foi adquirindo funções legislativas e de controle minucioso do sistema educacional, que o plano procura preservar e ampliar. Ele é definido como "órgão colaborador e consultivo dos poderes públicos e deliberativo nos termos desta lei"; e possui uma lista de 31 atribuições, que vão desde a elaboração de anteprojetos de lei e encaminhamento de propostas e sugestões a todos os poderes, até a coordenação e supervisão dos Conselhos Estaduais, a realização de pesquisas e organização de estatísticas, a publicação de revistas etc (idem).

Além disso, o Conselho reserva para si atribuições de reconhecimento federal de instituições de ensino, aprovação de estatutos dessas instituições, indicação de membros externos de bancas de concurso de professores, participação na contratação e renovação de contratos de professores em instituições superiores, distribuição de recursos para a pesquisa, e assim por diante. Em outras palavras, o Conselho seria, de fato, o próprio Ministério da Educação, com atribuições ampliadas (SCHWARTZMAN, 2000 p. 200).

A segunda parte do plano tratava dos "institutos educativos", e aí se desenhava o grande mapa segundo o qual a educação nacional deveria ser organizada. Haveria um "ensino comum", "anterior a qualquer especialização", e que iria do pré-primário ao secundário. Ao lado deste, um ensino especializado, que iria do nível elementar ao superior, orientado, até o nível médio, para os que ficassem fora do sistema secundário: seu objetivo era ministrar "cultura de aplicação imediata á vida prática" ou preparar "para as profissões técnicas de artífices, tendo sempre em vista a alta dignidade do trabalho e o respeito devido ao trabalhador" (idem).

O ensino superior, sempre especializado, se dividiria em três grandes ramos: o de "caráter cultural puro", para o desenvolvimento da pesquisa e o "ensino artístico, literário, científico e filosófico de ordem especulativa"; o de "caráter cultural aplicado", que era o de ensino das profissões liberais regulamentadas; e o "de caráter técnico", que era uma forma de aprofundamento de conhecimentos obtidos nos curso secundário e profissional médio. Segundo o plano, o ensino pré-primário seria uma atribuição da família e de escolas privadas, com participação eventual dos poderes públicos, voltado principalmente para crianças pobres ou cujas mães tenham que trabalhar. O ensino primário ficava como atribuição dos estados, havendo possibilidades de diferentes padrões em diferentes estados. A participação da União seria somente supletiva e regulamentadora, exceto nas zonas de imigração estrangeira, onde a União deveria ter uma ação muito mais direta. Havia, ainda, a exigência de que os diretores de escolas particulares fossem sempre brasileiros, assim como pelo menos a metade dos professores (idem).

A Reforma Capanema, embora tenha atingido os vários níveis de ensino: secundário, superior e profissional, com imposição a todo território nacional, consagrou a tendência que já vinha sendo afirmada por Francisco Campos e reafirmada nos princípios da Constituição de 1937, em relação à dualidade do sistema de ensino brasileiro: um ensino secundário público destinado às elites condutoras do país e um ensino profissionalizante destinado à formação da classe trabalhadora. Na prática, a reforma estabeleceu um projeto de educação diferenciado: uma educação “para pensar” e outra “para produzir”.

O plano ainda mantinha, para o ensino secundário, a divisão de dois ciclos, um fundamental, de cinco anos, e outro complementar, de dois, que vinham da reforma de Francisco Campos. Sua preocupação era com "o desenvolvimento harmônico da personalidade física, intelectual e moral por meio da cultura geral autônoma". Havia uma grande ênfase no ensino das línguas, sendo obrigatório o português, francês e latim, possível uma opção entre o alemão e o inglês, e facultativo o grego. No ciclo complementar o grego se tomava obrigatório, e o italiano e castelhano eram oferecidos aos que se destinassem aos cursos de letras nas faculdades de filosofia. Além das línguas, havia o ensino de matemática, geografia, história, desenho, física, química e história natural. No segundo ciclo a "cosmografia" era incluída junto com a matemática, e era acrescentado o ensino de filosofia. O plano chegava ao detalhe de dar o número de horas semanais para o ensino de cada uma das matérias ao longo dos sete anos (SCHWARTZMAN, 2000 p. 201).

Na lógica da reforma haveria uma adolescência predestinada à condução da sociedade que deveria ter acesso a um ensino específico, patriótico por excelência, para a compreensão dos problemas e das necessidades da pátria, além de criar a consciência da responsabilidade de sua missão social na divulgação desses princípios ao povo. Para a classe trabalhadora, o ensino profissionalizante era o caminho e deveria garantir a “formação humana” do trabalhador, a formação técnica ou profissional, a fim de suprir as necessidades de mão-de-obra das diferentes áreas da economia nacional.