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5. UMA VIAGEM PELA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL

5.2 Ideias e políticas da reforma Capanema

5.2.2 Movimento da igreja católica

O outro movimento que influenciou a educação profissional foi o da igreja católica, que se situava no âmbito da renovação católica, com objetivo de promover a reativação do catolicismo do país, em meio à tendência de opção por um ensino laico estimulado a partir da instauração do regime republicano, possuidor de inspiração positivista.

Era um momento histórico de transição de uma sociedade agrária e escravocrata para um contexto urbano-industrial capitalista, representado por mudanças políticas, econômicas e sociais.

A partir dessa idéia, os intelectuais católicos perceberam a necessidade de reagir e de repensar o papel da Igreja Católica na sociedade, para evitar sua marginalização em um país concebido como a maior nação católica no mundo. Para participar deste contexto seria necessário debater os problemas relativos à modernização da sociedade brasileira, por isso, ela lança um periódico chamado de: “A Ordem”, com a colaboração de intelectuais que poderiam servir a causa da Igreja Católica e atingir os setores mais amplos da vida intelectual brasileira, de modo a obter consenso em torno das suas posições pela luta contra a corrente demagógica e libertária, que levaria o país ao materialismo comunista e perseguição da tradição cristã (SCHWARTZMAN, 2000 p. 73).

Fonte figura 1: Revista “A ORDEM” – uma revista de intelectuais católicos (1934 – 1945). Centro D. Vital. A sociedade brasileira empreende seu processo de industrialização e urbanização, com mudanças nos hábitos do cotidiano e a disseminação de um ideário de modernização. Este tema era tratado pelos editores da revista com desconfiança e desagrado e confrontava-se com a propagação das ideias defendidas pela “Ordem” comprometidas com a tradição e valores espirituais dos quais, na visão da igreja, os indivíduos estariam se afastando.

A “Ordem” em seus textos conclamava os católicos para a luta em defesa da posição da igreja de participar das discussões que buscavam situar a mensagem pela busca de uma racionalidade pela fé na doutrina católica, afastando-se da corrente da sociedade que pregava o avanço pela ciência, pela razão e pelo liberalismo como critérios para ação social e política. O discurso da igreja tem como resultado a promulgação do decreto nº 19.941 de 30 de abril de 1931, que facultava o ensino religioso nas escolas públicas, abolido desde a Constituição de 1891 (SCHWARTZMAN, 2000 p. 73).

A linha editorial da revista acreditava que a educação deveria ser uma estratégia para a ação da igreja de aplicar um método científico à sociedade, à filosofia, e à religião contribuindo com os valores de “renascimento espiritualista”, que acabaria com a incompatibilidade entre a religião e a ciência. A sociedade que seria construída com o auxílio dessa sociologia cristã superaria o individualismo e o socialismo, pois suas bases não seriam nem o indivíduo, nem o Estado, mas a família.

Os artigos publicados na revista procuram chamar a atenção sobre as transformações no campo político, econômico e social oriundas da modernidade e da organização econômica capitalista, abordando as mudanças de comportamento, valores morais e sociais, e trazendo para discussão as influências dos aspectos nacionalistas, materialistas e individualistas, que teriam se alastrado pela sociedade abalando a estabilidade familiar. Como é possível observar em um artigo publicado na revista “A Ordem”, nº 7, de julho de 1942, que diz o seguinte:

(...)O amor da pátria, que tem por si mesmo todos os direitos a ser promovido, não deve interferir nem assumir qualquer precedência sobre o mandamento da caridade cristã que devemos ter para com todos os homens.

Esse esquecimento de unidade natural do gênero humano, tão fortemente posto em foco pelo Santo Padre Pio XII é um dos pontos para os quais também devemos chamar a atenção entre nós. Tanto mais quanto a atitude contrária – a do nacionalismo integral – aproveita-se por vezes das circunstâncias para ferir a Igreja sob pretexto de estar defendendo a nacionalidade...Na luta imemorial dos poderes humanos contra a lei de Deus e, portanto contra a liberdade da igreja de Deus na terra, sempre se tentou levantar o espírito local do povo contra o espírito universal da lei divina. O jacobismo11, nesse ponto, não foi mais do que o herdeiro do farisaísmo e do zelotismo dos tempos evangéligos. Como se sabe os fariseus eram os nacionalistas hebreus conservadores e os zelotas eram os nacionalistas hebreus revolucionários. Eram dois partidos de extrema direita israelita – que representavam o nacionalismo, em suas duas feições, moderada ou extremada, dos tempos do

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Jacobismo - originário da Revolução Francesa a expressão era geralmente aplicada de forma pejorativa a qualquer corrente de pensamento que, para quem aplicava o termo, fosse defensora de opiniões revolucionárias extremistas! O termo era em geral atirado por pessoas que defendiam a democracia, contra esquerdistas radicais que pregavam a ditadura paradoxalmente para impor pela força a própria democracia. Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacobinismo>. Acesso em ago/2009.

Fonte figura 2: Revista “A ORDEM” – uma revista de intelectuais católicos (1936). Centro D. Vital.

Nosso Senhor. Foram esses jacobinos israelitas que propuseram a Cristo a dificuldade do tributo a pagar a Cesar, de modo a levantar contra ele as susceptibilidades nacionais do povo hebreu. E desde então, pelos séculos afora, vêm se renovando as tentativas de colocar mal a Igreja em fase do Estado, levando a eterna intriga entre Deus e Cesar, que Nosso Senhor resolveu com a sua palavra divina, do “daí a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus” (Mat. 22,21), fundamento perene das relações entre os dois poderes fundamentais e perfeitos de toda sociedade normal, a Igreja e o Estado.

É de lamentar que se pretenda no Brasil de nossos dias e momento em que reinam, para bem de todos as melhores relações entre os dois poderes, na base recíproca do respeito e da lealdade hierárquica e na finalidade comum do bem geral do povo a promover – é de lamentar que se procure de novo lançar e cizânia e despertar odiosos ressentimentos.

A igreja e só ela pode trazer a Luz a essa Nova Ordem que se prepara para o mundo de amanhã. E essa Luz pode sofrer as mesmas resistências que vem sofrendo em todos os séculos e em todas as civilizações. Sem ela, porém, é que nada de bom se fará. Sem ela as trevas continuarão, qualquer que seja o nome que venham a tomar um dia.

A preservação da liberdade da Igreja, portanto é uma condição essencial para que os tempos que se anunciam não sejam uma decepção total para os homens, como foram os tempos que sucederam à última grande guerra. Ninguém de boa fé pode negar que a cão da Igreja longe de impedir, antes favoreça o autêntico espírito nacional. Em nossa terra, não há como separar o espírito de nacionalidade do espírito de catolicização. Toda doutrina como toda a política da Igreja não variam nesse propósito que está aliás na própria natureza das coisas. Tudo que visa dissociar as duas forças ativas na formação histórica de um povo – sua afirmação nacional justa e sua ascensão religiosa verdadeira – opera contra os interêsses mais nobres e mais legítimos dêsse povo. Jogar, portanto, no Brasil uma corrente contra outra é trabalhar simultaneamente contra o Brasil e contra a Igreja (REVISTA “A ORDEM” Nº 7, DE JULHO/1942).

De certo modo, essa concepção aproxima Igreja e Estado, embora a primeira seja limitada em sua ação pelo segundo. A Igreja, por sua vez, oferecia ao Estado, não sem condições, uma máquina burocrática de controle da população. Mas, para que isso fosse possível seria necessário que seu ensino fosse acatado, pelo menos formalmente, pelos dominantes. A seriedade, que sempre foi demonstrada pelos colégios católicos como exemplo de eficiência, permitiu à Igreja Católica elaborar a articulação influenciadora dos pressupostos que considerava essenciais para a normalização da família no Brasil.

O decreto nº 19.941 de 30 de abril de 1931 que permitiu o ensino religioso nas escolas públicas é recebido pela igreja como sintonia entre o governo e a Igreja e como comprovação de lealdade de intelectuais como Francisco Campos, representante do compromisso com a consciência católica no Governo Provisório de Vargas. Embora este decreto representasse uma conquista, não atingia todos os objetivos da igreja que pretendia que o Estado fosse contra o ensino neutro e leigo em favor da educação confessional católica (SCHWARTZMAN, 2000 p. 75). O decreto é revogado em janeiro de 1932 e recebe por parte da “Ordem” protestos com o argumento de que a família brasileira estaria se desintegrando.

Esses dois movimentos apresentavam contradições sociais e políticas, onde as estruturas tradicionais da igreja católica conviveram e conflitaram com ideais modernizadores dos que defendiam o Movimento da Escola Nova. Enquanto na visão do primeiro somente a filosofia católica seria capaz de nortear a educação em busca do ideal democrático, no segundo o ensino deveria ser leigo, ou seja, sem influência e orientação religiosa e teria como função educar e formar um cidadão livre e consciente que pudesse incorporar-se ao Estado Nacional.

Para esses dois grupos a educação tornara-se o alvo, pois ambos ambicionavam o poder político através da hegemonia educacional, que poderia ser alcançado a partir do controle do sistema de ensino. Por um lado, havia os intelectuais que defendiam uma educação pública de caráter leigo, como era o caso daqueles que faziam parte do movimento da Escola Nova, que eram movidos pela crença na solução de todos os problemas nacionais a partir da reestruturação da esfera educacional. Por sua vez, a concepção da igreja era de reagir e repensar o papel da igreja Católica na sociedade para evitar sua marginalização, reconquistando seu espaço junto ao centro de decisões políticas em um projeto de reconstrução nacional pela via educacional.