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Nos anos 1990, seguindo a mesma tendência do movimento feminista, houve um forte processo de “onguização” do movimento LGBT. O que significa- va que as Organizações Não Governamentais (ONGs) eram a parte do movimento que mais obtinham con- quistas, uma vez que elas atuavam mais junto ao Es- tado e tinham maior capacidade de mobilizar recursos na sociedade civil. Esse processo foi acelerado com o início do projeto Aids I, que era uma grande iniciati- va de combate a Aids do Ministério da Saúde e com recursos emprestados do Banco Mundial. Com isso, começa a ter recursos disponíveis para o trabalho de prevenção junto à população LGBT (gays e travestis, principalmente), trabalho que organizações e militan- tes já faziam como parte de suas estratégias políticas, o que levou à criação de muitas ONGs para acessar

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esses recursos. Aqui, foi fundamental a atuação da ABGLT (que hoje significa Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e In- tersexos), que foi a primeira associação nacional do movimento. A ABGLT, a partir dos recursos do Aids I, desenvolveu um projeto para formar militantes e organizações em todas as partes do país, que faziam prevenção à Aids ao mesmo tempo que defendiam políticas e direitos da população LGBT.

Aos poucos, a ABGLT conseguiu constituir uma força social que produzia impacto na sociedade e no Governo Federal. Junto a outras organizações do movimento, mas sendo interlocutora principal a maior parte do tempo, a ABGLT a partir dos anos 1990 foi estreitando laços com o Executivo, o Legis- lativo e o Judiciário. Junto à deputada federal Marta Suplicy, a ABGLT participou da construção e defesa do primeiro projeto de lei pela união civil entre pes- soas do mesmo sexo, a partir de 1995. No Governo FHC, o fortalecimento do movimento se expressou no II Programa Nacional de Direitos Humanos que trouxe no texto parte de suas reivindicações. O pro- grama que fora lançado no último ano de governo (2002) ficou apenas como uma carta de intenções em relação à agenda LGBT. Mas esse fato, somado à história do PT de abrigar a defesa dessa agenda, foi fundamental para a conjuntura que se abriria com o Governo Lula.

Desde o início, o governo tratou essa agenda como uma pauta política. A partir do diálogo de in-

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tegrantes do governo e da ABGLT foi criado o “Brasil sem homofobia”, que foi o primeiro programa de políticas públicas LGBT e que tinha ações em vários ministérios (educação, saúde, trabalho, assistência social, direitos humanos, cultura etc.). Em 2008, foi realizada a I Conferência Nacional LGBT e, a partir das ações reivindicadas e formuladas pelo movimen- to LGBT (junto com representantes do governo), foi elaborado o I Plano Nacional de Promoção da Ci- dadania e Direitos Humanos de LGBT. Lançado em 2009, o plano tinha como objetivo elencar as ações que o governo executivo deveria desenvolver para atender às necessidades e direitos da população en- volvida. E, no final do governo, foi criado o Conselho Nacional LGBT, um órgão colegiado composto por representantes da sociedade civil e do governo, e que tinha por objetivo formular e propor diretrizes da ação governamental voltadas para o combate à discriminação e para a defesa de direitos.

Nesse período, o movimento continuou crescendo, em número de organizações e de militantes. As pa- radas do orgulho LGBT se espalharam pelas diversas regiões do país. A parada de São Paulo se tornou nessa época a maior de todo o mundo. Entre outros elementos, as universidades aceleraram a produção de conhecimento sobre a diversidade sexual e de gê- nero e a formação de professores/as do ensino básico sobre essa questão. O Sistema Único de Saúde (SUS) começou a implementar políticas de saúde voltadas para a população LGBT. As políticas federais impul-

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sionavam a criação de políticas LGBT e de legislações proibindo a discriminação em âmbitos estaduais e municipais (Toitio, 2016).

Já no mandato de Dilma Rousseff, no início, o governo deu continuidade à linha adotada pelo seu antecessor. Em maio de 2011, o STF aprovou a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Mas, o que foi uma vitória do movimento LGBT causou logo uma reação conservadora no Congresso Nacional. Or- ganizados em torno da bancada evangélica, depu- tados conservadores pressionaram o governo para cancelar uma política do projeto Escola sem homo- fobia, que distribuiria material didático para traba- lhar a questão do preconceito e da discriminação na escola. Diante da pressão e da crescente perda de governabilidade no Congresso, o governo cancelou a política e passou a se manter distante da pauta LGBT – ainda que desenvolvesse algumas ações na institucionalidade estatal. Isso mudaria com as jor- nadas de Junho de 2013 e as manifestações contra a tramitação do projeto de lei conhecido como “cura gay”, que autorizava psicólogos a fazer “tratamen- to” para reverter a homossexualidade. Entre outros compromissos que o Governo Dilma assumiu com o movimento, na nova conjuntura, estava a ação de barrar a aprovação desse projeto na Câmara dos Deputados (Toitio, 2016).

Esse foi um período cheio de contradições para o movimento, uma vez que, para eleger Dilma Rous- seff, o PT fez aliança com partidos e parlamentares

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conservadores, que se tornou parte da “base aliada” do novo governo. Mais do que isso, trouxe lideranças pentecostais para dentro de seu governo e deu visibi- lidade à pauta do conservadorismo evangélico. Essa aliança perderia força nas eleições de 2014, mas só se esgarçou de vez com o processo de impeachment que resultaria no Golpe de 2016. A maior parte do movimento, incluindo a ABGLT, defendeu a conti- nuidade do mandato do Governo Dilma, enquanto as forças conservadoras se alinharam ao Governo Michel Temer.

Atualmente, diante das sucessivas derrotas sofri- das pela esquerda em geral, a pauta LGBT perdeu força no Executivo e no Legislativo. As principais con- quistas passaram a vir do Supremo Tribunal Federal (STF), como a possibilidade de alteração do nome social das pessoas trans direto no cartório, em 2018, e a criminalização da LGBTfobia, em 2019. Como proje- tos de lei de união civil entre pessoas do mesmo sexo e de criminalização da LGBTfobia tramitam há anos no Congresso, barrados pela ação de parlamentares conservadores, em grande parte organizados pela bancada evangélica, o STF acabou decidindo sobre essas questões. Contudo, isso torna essas conquis- tas mais frágeis, uma vez que uma decisão no STF é mais facilmente revertida do que a aprovação de lei no Congresso Nacional. E, ao mesmo tempo, se fosse aprovada uma lei, ela se sobreporia à decisão do Supremo.

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