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O movimento Teatral no Início do Século XXI: política cultural e seus

CAPÍTULO I – TRAJETÓRIA DO TEATRO DE GRUPO NO ACRE

1.5 O movimento Teatral no Início do Século XXI: política cultural e seus

Na primeira década do século XXI, poucos dos grupos que tiveram procedências nas práticas e realizações teatrais de décadas anteriores se mantêm em formação. No que se refere a políticas culturais, uma série de novas iniciativas surgem como alternativas para as práticas e produções artísticas. No entanto, a realidade posta é a de poucos grupos atuando na mobilização de políticas culturais, devido, principalmente, a uma visível desarticulação do movimento artístico. Nesse tópico, problematizar-se-ão alguns dos desafios postos no atual cenário cultural acriano, analisando os novos grupos e sua relação com as práticas de políticas culturais.

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O diálogo será iniciado com um trecho de reportagem recentemente publicada no ―Informativo Cultura BR‖, em 7 de maio de 2009, pelo produtor cultural, músico e advogado João Veras, integrante do Conselho de Cultura do Estado do Acre - CONCULTURA, na cadeira de música, e um dos participantes, durante as décadas de 1980-90, dos movimentos culturais no Acre. Nessa reportagem Veras discute as atuais circunstâncias das políticas públicas de culturas no Acre.

Observa-se, historicamente no Acre, um movimento social de cidadania cultural atuante. Sua visibilidade se encontra no conjunto de atuações de organizações culturais, formais e informais, assim como de ações individualizadas de produtores culturais, caracterizando, de fato, um movimento da sociedade civil no campo das reivindicações de políticas públicas, muito embora não devamos deixar de considerar visível certo caráter de precariedade desse movimento tendo em vista a sua relativa organicidade. (Veras, 2009)

Da fala de Veras, podemos apontar duas questões: o relativo avanço no que diz respeito à atual proposta de organização e institucionalização da participação popular na política cultural nacional, estadual e municipal e o caráter de precariedade que as representações vêm sofrendo em relação à sua base e aos grupos sociais como um todo.

Ocorre que, como já dito nos tópicos anteriores, o movimento artístico acriano, organizado ou não, individualizado ou em grupo, possuiu, desde a década de 1970, uma relação de envolvimento e afinco com as políticas culturais. Algumas instâncias representativas da sociedade civil foram organizadas até hoje para dar conta de representar as questões referentes ao interesse do movimento cultural, como, por exemplo, a FETAC, criada no final da década de 1970 e cuja origem esteve ligada ao debate proposto pelos dissidentes do teatro religioso, sobre qual deveria ser o caminho e os fundamentos da arte (e, por conseguinte, do teatro) no Estado. Essa representatividade esteve bastante presente nos fóruns de discussões e nas instâncias de participação da comunidade como um todo, visto que muitos Movimentos de Seringueiros e movimentos de representação da sociedade civil foram também significativos nas referidas décadas. Nesse sentido, o que temos de novo, hoje, em relação às políticas culturais no Estado?

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Em primeiro lugar podemos citar as recentes criações das Leis de Incentivo à Cultura, de Rio Branco e do Estado do Acre. Nos últimos anos, encontra-se à frente do executivo estadual o Governo da Frente Popular do Acre (1999-). No que se refere aos aspectos culturais e históricos uma das mais significativas iniciativas desse governo foi a reformulação, logo no primeiro mandato, da Fundação Cultural do Estado, que foi criada na década de 1970. Para isso, o governo reformulou seus programas e criou novas ações, como a Lei de Incentivo à Cultura. A Lei de Incentivo foi criada visando beneficiar projetos artístico-culturais nas várias vertentes ou eixos de atuação, tais como: produção, circulação, formação, leitura, memória, difusão, conservação, criação e eventos.

As ações das leis de incentivos têm garantido aos grupos atuantes no Estado produções mais constantes, mas ao mesmo tempo têm criado uma relação com os grupos que determina certo modo de grupalidade, dependente dessas leis para se manter. Essa relação desfaz o envolvimento e as ideologias com caráter de ―coletivos‖, que apregoavam um envolvimento nas questões políticas e sociais, caráter esse que antes era expressado por muito dos grupos predecessores. Esse é um dos motivos que tem feito com que a participação e a mobilização artística em prol das causas de cultura tenham tido, no Estado, tão pouco envolvimento. As formas e os modos de organização de grupos no Estado hoje serão mais bem trabalhados no próximo capítulo.

Além disso, temos as novas configurações dos conselhos de culturas. Os conselhos são espaços de discussões instituídos, que visam garantir a interação entre a sociedade e as políticas públicas estatais. Trata-se de fóruns deliberativos das políticas públicas culturais, disseminados por instâncias federais, municipais e federais e incentivados pelo Ministério da Cultura, que têm promovido diversos debates ao redor do assunto em todo Brasil. No Acre, esse movimento ocorreu em dois sistemas seguidos de debates: o primeiro aconteceu em 2004, com o Seminário sobre Conselho de Cultura, no qual se discutiu o ato formal de implantação; o segundo realizou-se em 2005 com o Concultura e o Fórum Estadual do Movimento Cultural do Acre, nos quais se elegeram as representações das áreas artísticas para ocuparem as cadeiras da sociedade civil no Concultura.

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O engajamento dos grupos, artistas e organizações de artistas na política local, como já explanado, sempre existiu, mas a institucionalização dessa participação por meio do poder público e a legitimação de uma política cultural nacional, estadual e municipal resultante das discussões ocorridas no interior desses grupos, por meio de seus respectivos órgãos deliberativos, é algo novo na história da cultura local. Daí o seu relativo avanço.

Essa nova mentalidade na forma de gerir a cultura é resultado das mudanças que vêm se processando a partir do início desse novo século, no qual se tem conjeturado um novo momento na história das políticas culturais para o país. E que mudanças são essas? Uma das mais significativas é a criação desses conselhos, os quais se projetam como uma opção por um modelo de participação que se apregoa bem mais democrático que os modelos do passado e que tem como proposta a construção de um sistema que se sustenta na atuação dos conselhos de cultura por meio de seus conselheiros. Os conselheiros, dessa forma, não somente assumem a responsabilidade de participarem das discussões sobre a Cultura no Estado, mas também de contribuir e deliberar sobre todas as etapas do processo de legitimação das políticas de cultura, com representação nas várias áreas de arte, cultura e patrimônio.

Dessa forma, a mobilização da sociedade civil e sua consequente participação na construção do sistema têm sido estimuladas pelo poder executivo de forma efetiva; isso tem produzido boas expectativas e bons entendimentos entre alguns agentes culturais. No entanto, conforme nos mostra Veras, em caminho inverso ao que se esperava, o quadro que se apresenta é de isolamento dos conselheiros em relação às bases que representam.

No que este cenário atual de relativa inércia da representatividade coletiva tem resultado para o sistema institucional de representação do movimento cultural, é, a meu ver, o quadro de isolamento de grande parte daqueles conselheiros que foram eleitos para representarem a sociedade civil no Concultura, o que ocorre, a meu ver, graças a ausência de base social organizada que os sustentem e a quem, eles, os conselheiros, devem, em última instância, satisfação. (VERAS, 2009)

O distanciamento dos conselheiros das bases que representam é algo que ainda merece nosso olhar investigativo; mas esta é uma situação que, sem dúvida, nos conduz a uma série de outras questões por ela evidenciada, sobre as quais devemos refletir

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urgentemente: a quem de fato esse novo modelo de gestão deve servir? Em que medida as decisões dos conselheiros, dos gestores e dos fazedores de cultura representam os interesses da população que constitui a sociedade civil como um todo?

É preciso pensar de forma responsável estas questões. Nessa direção, o desafio que se apresenta no atual quadro de configuração dos organismos de representação da cultura no Estado é a criação de dispositivos que garantam a participação da sociedade civil e a construção de ações de cujos benefícios a população possa usufruir, de forma mais pontual e intensa. A discussão sobre a cultura tem que fazer parte do cotidiano das pessoas da cidade e não somente daqueles já envolvidos no debate político. A cultura tem que atingir a população, fazendo com que esta se implique no processo.

Os interesses a serem contemplados nas políticas públicas para a cultura têm que, efetivamente, serem representativas das necessidades do povo que vive no Acre, para além dos interesses classistas e institucionais dos grupos e organismos que os conselheiros representam.

Em última instância, é significativo que os grupos artísticos do Estado (não só os teatrais) que por muito tempo foram atuantes e militantes tanto das causas sociais quanto das causas artísticas encontrem-se hoje em um processo de extrema desmobilização. Em última análise, o que se observa é que esses conselhos servem tanto para a efetivação de uma ação do Estado, visando à participação da sociedade nas políticas culturais, como também assumem, muitas vezes, o lugar da total representação, acomodando ainda mais os grupos atuantes hoje. No próximo capítulo dessa dissertação trataremos mais detalhadamente das atuais configurações dos novos grupos de teatro atuantes no Estado hoje.

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CAPÍTULO II – GRUPOS DE TEATRO NO ESTADO DO ACRE EM 2009