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MOVIMENTOS DE TRANSFORMAÇÃO/APRENDIZAGEM DESENCADEADOS

5 CARTOGRAFANDO CONVERSAÇÕES E MOVIMENTOS DE ENSINAR E

5.3 MOVIMENTOS DE TRANSFORMAÇÃO/APRENDIZAGEM DESENCADEADOS

Com o propósito de dar início às atividades relacionadas à experiência de ensinar/aprender matemática por meio do Minecraft, os alunos foram convidados a explorar esse software de forma livre, sem nenhuma uma orientação prévia. Nesse momento, os

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elementos oportunizados pelo software eram selecionados e alocados pelos alunos de forma intuitiva; se ficasse bom, eles continuavam utilizando as mesmas dinâmicas, senão, mudavam a forma de agir, até chegar onde queriam.

Posteriormente, foram convidados a colocar um “olhar matemático” sobre o software, uma tarefa que não foi fácil de ser realizada por eles. Apenas quando eram questionados e/ou incentivados a pensar sobre o fenômeno matemático que estava envolvido na exploração do Minecraft é que se sentiam desafiados a refletir, matematicamente, sobre o que estavam fazendo. A conversação, a convivência, o acoplamento e as coordenações de coordenações de ações recursivas foram movimentos que auxiliaram a qualificar a percepção acerca dos conceitos matemáticos61 que emergiram da exploração do Minecraft.

Quadro 02 – Conversação sobre os conceitos matemáticos que afloraram da exploração do Minecraft

(continua) Professora: Vejo que vocês têm facilidade em explorar o Minecraft, mas vocês estão

conseguindo perceber que conceitos matemáticos estão por trás do que fazem?

Aluna La: Não muito; as jogadas são tão automáticas que tu nem fica pensando muito. Por

exemplo, a quantidade de madeiras que eu vou pôr na minha casa, eu vou calculando na hora. Se dá certo, tudo bem, senão eu pego mais, ou menos, até ficar bom.

Professora: Ok, mas o foco do projeto não é apenas explorar o Minecraft, e sim perceber o

que podemos aprender de matemática a partir dele, isto é, reconhecer quais são os conceitos matemáticos que emergem dele. Vocês estão conseguindo fazer isso?

Aluna N: Eu acho que estou. Por exemplo, quando tu vai criar uma casinha, tu tem que fazer

a medição de uma área; tu tem que fazer um cálculo de tantos blocos, tantos de um lado, tantos de outro. Agora eu construo casinhas pensando no tamanho que eu vou fazer, com uma altura não muito grande nem muito pequena; eu fico pensando mais nos blocos que vou usar e que tenho que pegar.

Aluno Le: Para fazer o perímetro, eu fiz uma cerca; daí eu fui colocando de uma em uma até

fechar o quadrado, então eu calculei o perímetro; também poderia calcular a área, que seria o

61 No decorrer da exploração do Minecraft, emergiram vários assuntos relacionados a diferentes conceitos matemáticos, entre eles: geometria, grandezas e medidas (comprimento, área e volume), representação numérica e algébrica, e proporcionalidade. Pela proximidade que a geometria tem com a grade curricular do 8º ano do Ensino Fundamental, referendada pela rede municipal de ensino de Caxias do Sul, priorizamos o estudo desse conceito e suas inter-relações com o Minecraft.

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espaço que tem para colocar os bichinhos dentro.

Professora: Mas vocês estão conseguindo perceber qual pensamento matemático estão

acessando ao fazer isso?

Aluna M: Depois que a senhora começou a chamar nossa atenção para isso, eu estou

mudando a forma de olhar para o jogo. Olho de uma forma mais nerd, olho mais para aquilo que estou fazendo e não só para o jogo e, assim, não fica mais tão automático. Comecei a fazer cálculos de cabeça, comecei a não ter mais medo da matemática, de cálculos, e eu vejo as consequências disso também na vida real. Agora eu estou multiplicando as ovelhas, e isso é matemática.

Aluna F: Eu já jogava há muitos anos e nunca fiz contas de matemática; agora eu comecei a

pensar na matemática. Por exemplo, que um cubo de madeira dá 4 tábuas e essas tábuas eu posso dividir em 2 e fazer vários pauzinhos de madeira.

Professora: Mas vocês registram o que estão pensando ou fazem somente cálculos mentais? Aluno Le: Nós pensamos no quanto é. Que nem eu penso em como eu vou fazer a minha

casa, quantos blocos eu vou precisar deste lado e quantos desse, e aí eu vou fazendo. Não fico escrevendo.

Aluna M: Agora eu tô calculando mais. No caso dessas madeirinhas, cada bloco de madeira

me dá quatro tábuas e, para saber isso, precisa fazer um cálculo. Por exemplo, eu quero fazer uma casa, eu vou lá e pego só vinte madeiras, mas 4 x 20 dá só oitenta tábuas; então eu preciso pegar mais para fazer a minha casinha, e isso eu não fazia antes.

Professora: Saibam que, ao estabelecerem essas relações, vocês estão desenvolvendo o

raciocínio matemático; porém, registrar o cálculo é uma maneira de sistematizar o que vocês estão pensando. É a representação das operações mentais que vocês estão exercitando ao explorar o Minecraft. Por isso, é muito importante registrar suas ideias, utilizando-se, para isso, da linguagem matemática, que são os números, as operações, as fórmulas, as expressões, etc.

Aluna M: Quando eu jogava Minecraft, antes de ter essas aulas aqui, eu jogava só por jogar.

Depois disso eu comecei a ter mais noção de perímetro, de área, das quantidades, das formas; eu comecei a pensar mais em multiplicação, em coisas que antes eu não fazia no jogo, mas eu ainda não consigo representar o que estou vendo, é difícil. Não sei fazer da forma correta.

Professora: Não se preocupem com a “forma correta” de representar. Registrem o que vocês

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(conclusão)

até escrevendo. Depois nós conversaremos sobre a linguagem formal da matemática para simbolizar o que vocês estão percebendo ao explorar o Minecraft. O mais importante, agora, é simbolizar o que vocês estão pensando, porque isso possibilita que percebam como estão raciocinando, o que pode ser ampliado ou o que precisa ser redimensionado.

Fonte: Autora (2017).

A partir da conversação explicitada no quadro 02, inferimos que os momentos de acoplamento, convivência e conversação foram importantes de serem desencadeados no grupo, pois auxiliaram os estudantes-pesquisadores a estabelecerem relações entre os conhecimentos matemáticos que já faziam parte da sua realidade e outros saberes que emergiam da exploração do Minecraft. De acordo com Grando e Marco (2007, p. 105), os processos de ensinar e aprender que “levam em consideração o contexto social em que o indivíduo está inserido, suas experiências anteriores e seus valores culturais, sociais e morais favorecem a aprendizagem matemática [...]”, pois dão sentido e contextualizam o que está sendo estudado. A convivência e as conversações também tiveram potencial para perturbar os alunos a ponto deles fazerem modificações em sua estrutura, como operações do aprender, contribuindo, assim, para o desenvolvimento do raciocínio matemático.

Segundo a Biologia do Conhecer, todo ser vivo possui uma estrutura biológica inicial que poderá mudar como resultado dos próprios processos internos, a partir de uma trajetória definida pelas interações com o meio e segundo uma “dinâmica histórica específica de vida” (MATURANA; REZEPKA, 2000). Logo, a possibilidade de os alunos aprenderem algo pode ser considerado um fenômeno subjetivo, porque está diretamente relacionado com a sua estrutura neurofisiológica, fenômeno que Maturana e Varela (2001) denominam de clausura

operacional.

Isso quer dizer que “somos sistemas determinados em nossa estrutura. [...] somos sistemas tais que, quando algo externo incide sobre nós, o que acontece conosco depende de nós, de nossa estrutura nesse momento, e não de algo externo” (MATURANA, 2002, p. 27). Nesse sentido, o conhecer é um processo dinâmico e complexo que emerge como fruto de um modo de complexificação em que o próprio cérebro se enreda permitindo operações cognitivas cada vez maiores (PELLANDA, 2009).

A exploração conjunta do Minecraft possibilitou emergir, no grupo, conhecimentos matemáticos que, até então, não eram perceptíveis, mas que, através do acoplamento tecnológico e das coordenações de coordenações de ações recursivas (explorar o software,

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refletir e conversar sobre o que estava sendo feito, e depois, voltar a explorar o Minecraft), foram sendo desencadeadas transformações estruturais nos alunos que favoreceram a aprendizagem matemática. Segundo Hultstrand (2015, p. 22, tradução minha), “o Minecraft pode ensinar tópicos fundamentais de matemática, integrar múltiplas áreas de conhecimento e, mais importante, prover um ambiente divertido e criativo para os estudantes buscarem aprender nele”. A fala de um dos alunos (Le), sobre as descobertas feitas a partir da exploração do Minecraft, corrobora com esse autor.

Fiz um sistema de energia utilizando uma alavanca; ela vai ativar essa energia, a redstone, e o comparador que seria para ativar essa energia, para conduzir ela. Essas são caixas de música que produzem um certo som; conforme tu vai clicando nelas vai produzindo um som. Tu pode escolher o tom do som e também se tu quiser mudar o som tu pode utilizar diferentes materiais, como a madeira, ela vai dar um som diferente; também utilizei pedra, cascalho e areia, só que o cascalho dá o mesmo som que a areia. Eu fui testando e descobri que esses materiais podem dar sons diferentes. Eu pego os materiais, boto dentro da minha caixa de música e vou comparando os sons que elas fazem. Posso ter tamanhos de buracos diferentes, maiores, mais fundos. Ao quebrar os blocos para baixo eu vou encontrando diferentes minerais, como a redstone, nossa energia, minério de ferro, ouro, carvão, lápis azuli, diamante e esmeralda. Pegando carvão e graveto posso fazer uma tocha para iluminar a caverna e ver melhor quais minérios existem.

O depoimento acima nos indica que, à medida que o aluno explorava o Minecraft, também iam se manifestando diferentes possibilidades de interações entre os elementos do software, desencadeando várias compreensões acerca da matemática e de outras áreas do conhecimento. Ou seja, a exploração do Minecraft possibilitou a reflexão e a investigação de diferentes situações-problema, bem como a criação de novas conjecturas e descobertas acerca da matemática, através de movimentos de coordenações de coordenações de ações recursivas que acabaram influenciando nas condições de aprendizagem deste aluno.

Por esse ângulo, aprender não é algo pré-determinado ou previamente definido; emerge de um processo de acoplamento dinâmico entre o aluno e o seu nicho-ecológico (professor(a), colegas, recursos didáticos ou tecnológicos, etc.), que poderá desencadear transformações em sua estrutura, através de um processo de autoprodução (autopoiese), levando a aprendizagem. Segundo Maturana (2013, p. 01):

A aprendizagem é o próprio curso da mudança estrutural que o organismo vive [...], de acordo com as mudanças estruturais do meio, como resultado da seleção estrutural produzida entre ambos durante suas interações recorrentes, com conservação de suas respectivas identidades.

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Reforçando o que foi dito anteriormente, o que vem do exterior, por si só, não determina a aprendizagem, mas pode provocar perturbações62 no aluno, que, por sua vez, podem disparar mecanismos neurofisiológicos internos, complexificando sua estrutura e desencadeando transformações/aprendizagens. Esse processo de estar em congruência com o meio é denominado por Maturana e Varela (1997) de acoplamento estrutural.

Assim sendo, à luz da Biologia do Conhecer, a aprendizagem acontece a partir do acoplamento “organismo-nicho” (MATURANA; DÁVILA, 2015), revelando-se na corporeidade do sujeito que aprende; é construída de maneira recursiva, mediante processos de autorreflexão e de auto-organização em que o ato de conhecer se configura, ao mesmo tempo, como “causa e causador” daquilo que produz (MORAES, 2007). Com relação à experiência de convivência vivida no Nicho de Aprendizagem Matemática, concluímos que ao explorarmos o Minecraft, tanto eu quanto os alunos nos transformamos/aprendemos, mediante um processo de cocriação pedagógica que emergiu da convivência, das conversações e do acoplamento estrutural e tecnológico.

5.4 MOVIMENTOS DE CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS MATEMÁTICOS POR MEIO