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MOVIMENTOS TEÓRICOS SOBRE A CARTOGRAFIA

4 CONTEXTUALIZANDO O NICHO DE APRENDIZAGEM MATEMÁTICA QUE

4.1 MOVIMENTOS TEÓRICOS SOBRE A CARTOGRAFIA

37 Para dar um sentido de coautoria na redação dessa experiência de convivência, em alguns momentos, esse tópico será escrito na primeira pessoa plural, visando a explicitar decisões tomadas em momentos de conversação e convivência entre mim e os estudantes-pesquisadores, com contribuições da minha orientadora. 38 Consiste num movimento recursivo que ocorre no e com o ser vivo, em congruência com o meio, de onde

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A cartografia tem como finalidade “desenvolver práticas de acompanhamento de processos inventivos e de produção de subjetividades” (BARROS; KASTRUP, 2015, p. 56), ao contrário do que pressupõe as experiências investigativas convencionais. Melhor dizendo, a pesquisa cartográfica não visa a isolar o objeto de suas articulações históricas, nem de suas múltiplas conexões com o mundo, pois parte da ideia de que sempre existe uma trajetória de vida em curso quando se inicia uma investigação. Devido a isso, Barros e Kastrup (2015) especificam que cartografar é acompanhar processos, entendido aqui como um conjunto de movimentos contínuos e interconectados que vão delineando a pesquisa no decorrer do seu percurso.

A cartografia é considerada um método de pesquisa-intervenção, uma vez que é através da vivência que os fenômenos emergem. A ação investigativa não ocorre apenas como uma “representação” da realidade, como um objeto estático a ser interpretado e que oferece “verdades ocultas” esperando para serem desveladas; constitui-se, outrossim, como uma possibilidade criativa de mostrar elementos a serem experimentados, criados, recriados e redimensionados durante toda a pesquisa.

A cartografia como estratégia metodológica insurge justamente da necessidade de métodos que não apresentem somente os resultados finais da pesquisa, desconsiderando os processos pelos quais a mesma passou até chegar à sua instância final, mas que acompanhem seu percurso construtivo sempre em movimento e o percebam como algo incompleto, transitório e que multiplica as possibilidades ao invés de restringi-las (OLIVEIRA; MOSSI, 2014, p. 191).

Elegemos a cartografia como método de investigação desta Tese também para ser coerente com a concepção de Nicho de Aprendizagem construída com base na ideia de convivência (professada pela teoria da Biologia do Conhecer), onde cartografar um fenômeno permite que a metodologia vá surgindo e se transformando no processo de pesquisa, articulada às ideias/concepções do(a) próprio(a) pesquisador(a). No caso desta experiência de convivência, a cartografia foi sendo entrelaçada/tecida a partir da minha percepção e dos alunos, acerca do fenômeno (con)vivido.

Corroborando, Costa (2014, p. 67) explicita que a cartografia é uma prática de pesquisa que “está ligada a um exercício ativo de operação sobre o mundo, não somente de verificação, levantamento ou interpretação de dados”. Logo, não há como dizer que se “constrói dados” na cartografia, pois eles surgem do encontro, emergem no decorrer da

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própria pesquisa, a partir de seus “entrecampos”39. Ao cartografar, o(a) pesquisador(a) está vivenciando e experimentando, a todo o momento, situações e singularidades implicadas no próprio movimento da pesquisa. Essa peculiaridade faz com que a cartografia seja vista como “uma prática investigativa que, ao invés de buscar um resultado ou conclusão, procura acompanhar o processo” (COSTA, 2014, p. 70), deixando vir à tona os sentimentos, pensamentos e outras situações inusitadas que fazem parte do contexto investigativo.

Segundo Barros e Barros (2013, p. 388), “interpretar” os fatos na perspectiva cartográfica é “sustentar um ethos analítico específico, permitindo que a pesquisa se volte para si mesma e se interrogue acerca da implicação e da participação, levando à problematização e ao reposicionamento do lugar dos participantes”. Ou seja, a “interpretação dos dados” não é um momento que acontece apenas no final do percurso investigativo como pressupõe as pesquisas convencionais. Ela acompanha todo o processo investigativo, permitindo que a compreensão inicial dos fenômenos estudados passe por transformações no decorrer da própria pesquisa.

Nesse sentido, cartografar é uma experiência de singularidade, uma possibilidade de olhar para o fenômeno com cuidado e respeito, mas, também, com uma postura crítica e poética; é um processo de subjetivação, um modo de existência de certa realidade, referenciada pelos envolvidos no processo, no momento vivido, em um certo aqui e agora. Cartografar é mapear, fazer mapas “sem uso da borracha”, pois não tem como apagar ou passar a limpo o fenômeno vivido. Consiste em simbolizar processos de subjetivação em que nos permitimos inventar/cocriar com a vida, deixando emergir um pouco de nós mesmos, ao expressarmos certas trajetórias.

O método cartográfico tem como base conceitual, prioritariamente, a filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari, explicitada no livro Mil Platôs (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Esses autores indicam que a cartografia consiste numa dinâmica que busca acompanhar processos, investigar movimentos e mapear percursos, de forma a compor uma rede ou rizoma40. Apresenta-se como uma alternativa aos constantes movimentos de

39 De acordo com Maraschin e Farias (2014, p. 61), entrecampo é um espaço “entre” que pode ser “tanto aquilo que em uma ‘pesquisa intervenção’ é experimentado como coletivo sem perder sua singularidade; pode ser um espaço ‘entre’- vazio que não consegue ser nomeado, mas que vai sendo transformado, incorporado ao longo do processo de diferentes maneiras; pode, ainda, ser um objeto, uma pergunta que retoma ou é continuamente refeita, agenciando distintas configurações ao pesquisar e ao intervir”.

40 Deleuze e Guattari (1995) estabelecem como conceito norteador da cartografia o rizoma, caracterizado como uma rede de conexões em que todos os pontos se conectam entre si, sem começo ou fim, numa relação multidirecional.

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transformação que vivemos na atualidade, em que os aspectos como subjetividade, incerteza, imprecisão e descontinuidade ganham força.

Nessa multiplicidade, realizar uma pesquisa e enfrentar seu caos não significa pensar historicamente no sentido de narrar os acontecimentos ou de adotar um método tal qual definido pelas ciências naturais para se chegar a um fim concreto ou a uma verdade absoluta, mas é pensar geograficamente, ou seja, o método de pesquisa como uma paisagem que muda a cada momento e de forma alguma é estático (AGUIAR, 2010, p. 02).

Em outras palavras, a cartografia se insere num contexto diferente de ver, entender, perceber e pesquisar o mundo; emerge das singularidades de cada fenômeno, assim como da subjetividade do(a) pesquisador(a). Consiste numa “experiência para vivenciar e habitar um território em comum” (MARASCHIN; FARIAS, 2014, p. 65) e isso implica em “entrar no domínio de ação e se deixar levar”. Constitui-se numa forma de pesquisa que oferece tantos modos específicos de investigar/conhecer, como dinâmicas para estudar e compreender determinado contexto; é um método que possibilita ser reconstruído, fabricado e/ou reinventado a cada pesquisa, não ficando refém de procedimentos investigativos já conhecidos.

A cartografia também permite ao pesquisador(a) experienciar o domínio de ação (território que está sendo investigado) e ir sendo tocado/modificado por ele; ou seja, reconhece a subjetividade do cartógrafo como forma de ampliar o entendimento sobre o fenômeno e o desenvolvimento da pesquisa. “O que se visa não é falar da experiência, mas falar de dentro dela. Em outras palavras, deixar falar a experiência que nos atravessa.” (PASSOS; KASTRUP, 2013, p. 402). Esse método integra o cartógrafo no processo, no sentido dele estar implicado, diferentemente dos caminhos da investigação convencional, em que o(a) pesquisador(a) estabelece uma relação de verticalização com a pesquisa, se colocando “fora” do seu domínio de ação.

Consoante Barros e Kastrup (2015), para desenvolver uma pesquisa cartográfica é importante que o(a) pesquisador(a) esteja aberto e disponível para vivenciar diferentes experiências, sem expectativas e preferências, apenas entregue ao que surge. Complementam dizendo que “essa atitude, que nem sempre é fácil no início, só pode ser produzida através da prática continuada do método da cartografia e não pode ser aprendida nos livros” (Ibidem, p. 58). Nesse sentido, foi relevante que eu, na qualidade de pesquisadora, também fizesse parte do contexto da pesquisa (no caso, como professora), acompanhando o processo e integrando o

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“domínio de ação a ser desvelado”, ao mesmo tempo em que permitia me abrir para uma dimensão coletiva de construção do conhecimento.

Por meio do cartografar desta experiência de convivência, intencionamos explicitar a “rede de forças” com a qual o fenômeno estudado encontrava-se conectado, visando a dar conta de suas processualidades e desmistificando fórmulas investigativas prontas e pré- determinadas. A compreensão de um “dado cartográfico” ultrapassa a mera “coleta e interpretação dos fatos”, procedimento utilizado nos métodos convencionais de investigação. “Ao promover intervenção, o processo de pesquisa faz emergir realidades que não estavam ‘dadas’, à espera de uma observação” (BARROS; BARROS, 2013, p. 374), revelando uma simbiose entre a objetividade e a subjetividade do fenômeno investigado.

A possibilidade de estar interagindo com meus alunos, como professora e pesquisadora, influenciou, diretamente, no desenvolvimento desta pesquisa, uma vez que, na cartografia, o(a) próprio(a) pesquisador(a) “interfere” no fenômeno investigado e é “afetado” (SPINOZA, 2009) por ele. Ou seja: as forças que constituem a relação investigador-domínio de ação estão intrinsicamente relacionadas, num movimento de cocriação. Conforme salienta Maraschin e Farias (2014, p. 66), “tanto o pesquisador quanto sua proposta produzem efeitos nos sujeitos que denominamos participantes da pesquisa, assim como as suas formas de acolhimento repercutem sobre a pesquisa, modificando-a”.

Sendo assim, inferimos que cartografar é uma forma de investigar em que o(a) pesquisador(a) atua em acoplamento com o fenômeno que está sendo cartografado, na medida em que se coloca em movimento e aceita fazer parte da história; se permite acolher as “forças do devir” (vir-a-ser), transformando/redimensionando o trajeto vivido ao viver o fenômeno. Melhor dizendo, na cartografia, tanto o “observador quanto o fenômeno observado”, não se sustentam isoladamente; o fenômeno só se manifesta na coexistência, na coparticipação, pois ambos estão imbricados. São “parte da experiência a ser pesquisada, que comporta tanto subjetividade quanto objetividade, sem separação nem primazia entre esses aspectos da experiência” (BARROS; BARROS, 2013, p. 380).

4.2 MOVIMENTOS DA TESSITURA METODOLÓGICA RELACIONADOS A ESSE