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Movimentos relevantes da conjuntura internacional

O segundo ponto de reflexão para a integração aborda algumas caracterís-ticas do que denominamos livremente como “conjuntura internacional”.

A América Latina tem participado do sistema mundo28 como tradicional produtora de matérias-primas. De formas diferenciadas, os países platinos passa-ram por processos de substituição de importações, com destaque para o parque industrial constituído por Argentina e Brasil, uma industrialização pouco sofisti-cada no Uruguai e uma dependência da economia de reexportação pelo Paraguai.

Esse panorama favoreceu uma relação de trocas dos países platinos com economias de fora do continente sul-americano, com acentuação nos processos de competição por mercados, concentração de renda, de poder e de terra, como bem de produção.

Mais recentemente na última década, há uma inversão do processo de dete-rioração dos termos de intercâmbio, conforme preconizado por Prebish. Houve, no cenário internacional, um ciclo de valorização de commodities e a participação crescente da economia chinesa no comércio internacional.

O discurso dominante ressalta a presença de potências emergentes, entre as quais estaria o Brasil. A sigla BRICS simboliza os países que passaram por pro-cessos de crescimento destacado: Brasil, Rússia, Índia, China e, segundo alguns autores, África do Sul. O processo de urbanização e industrialização chinês torna o país um dos principais consumidores de matérias-primas que estão disponíveis na sul-américa, bem como também no continente africano. A entrada de capitais chineses se associa à aquisição de terras, produção de grãos e minérios. O país precisa organizar seu mercado de fornecedores para garantir o abastecimento ali-mentar e o suporte para seu processo de desenvolvimento econômico em padrões antes não seguidos, norteado pela ampliação do consumo. O que representa a China para os países platinos?

Para Mamigonian (2006), o crescimento da China poderá ser vantajoso na medida em que propõe acordos comerciais e formação de joint ventures, enquanto Estados Unidos e União Européia insistem em vantagens unilaterais. O autor afirma que

a crescente presença chinesa na América Latina nos poderá ser vantajosa: 1) em vista do aumento do poderio financeiro da China, que deverá ser maior ainda com a futura conversibilidade de sua moeda, o que nunca aconteceu com o rublo soviético; 2) pelo aumento das encomendas chine-sas de commodities latino-americanas, bem como joint-ventures, melhoran-do nossa posição comercial frente ao centro melhoran-do sistema capitalista; e 3) pela tendência à diminuição do poder político econômico dos EUA e da UE em relação ao nosso continente, na medida em que aumentar o poder gra-vitacional da China à escala mundial. (MAMIGONIAN, 2006, p.136).

Para Egler, sobre a ação na América do Sul, dos Estados Unidos ou da China, na guerra por recursos e mercados, “a origem do capital externo faz pouca diferença quando inexiste um projeto nacional consistente e de longo prazo capaz de conferir sustentação à integração regional na América do Sul.” (EGLER, 2007, p.672).

As demandas chinesas há anos impactam a balança comercial brasileira e de outros países do MERCOSUL. Há compras não só de commodities, mas tam-bém, nos últimos anos, de produtos semimanufaturados e industrializados, como a produção da agroindústria de aves e suínos, que contribui para agregação de valor à soja e milho. O retorno positivo dessas vendas representa o fortalecimento do agronegócio com intensa transferência de renda para as corporações inter-nacionais fornecedoras de insumos e biotecnologia. Reverter esses ganhos para o produtor rural a fim de que eles não fiquem restritos à apropriação da cadeia

industrial, comercial e financeira é um desafio que está posto para a política de desenvolvimento nacional.

A China tende a impor duas possibilidades: a) restrições ao processo de integração regional, pois ao canalizar a produção para o atendimento da deman-da chinesa as economias regionais podem se tornar competitivas entre si, e b) a possibilidade de diversificação de mercados, obtenção de renda e afastamento da hegemonia norte-americana, que historicamente não tem se mostrado favorável ao processo de integração regional.

Além da presença chinesa, a crise financeira de 2008 apresentou limites à reprodução das estratégias financeiras de acumulação, abalando as relações de consumo, endividamento, investimento e criação de empregos. Essa situação fra-gilizou, ao invés de fortalecer, os processos de integração, na medida em que as economias regionais tiveram que se voltar para a proteção de seus mercados inter-nos, retomando políticas restritivas, como exemplarmente tem feito a Argentina de Cristina Kirchner.

O Quadro 2 foi elaborado de forma a organizar o que consideramos mo-vimentos relevantes no cenário internacional e como estimamos sua implicação não só para os países platinos como para os países em desenvolvimento, em geral.

Quadro 2 – Movimentos relevantes do cenário internacional e implicações para os pro-cessos de integração platina

Movimentos Implicações

Crise financeira de 2008 Instabilidade no mercado financeiro, readequação das políti-cas públipolíti-cas em favor da proteção do mercado interno; oscila-ção do comércio internacional.

Crescimento econômico da China Maior demanda por matéria-prima, valorização das

commo-dities; expansão de investimentos estrangeiros em busca de

fatores de produção, contraponto à influência dos Estados Unidos e da União Européia no continente.

Movimento de urbanização da

China Maior disponibilidade de mão-de-obra para o processo indus-trial, relativo barateamento do custo dos produtos industriali-zados e maior demanda por alimentos.

Resultados da ação do Estado na

China, Índia, Coréia e Taiwan Crescimento das empresas com apoio e controle nacional e intenso investimento em P&D altera o padrão de concorrên-cia no mercado internacional.

Regime de acumulação de

dominância financeira Fortalecimento das formas de exploração do trabalho; predo-minância da lógica financeira em detrimento da industrial; planejamento de curto prazo e valorização da distribuição de dividendos; crescimento da participação dos fundos de in-vestimento como geradores de estímulos macroeconômicos e novas formas de valorização e gestão da produção.

Crescimento da demanda por

commodities e matéria-prima Maior procura pela terra como fator de produção; pressão nos recursos naturais; fortalecimento do agronegócio; conflitos pelo uso da terra.

Elaboração própria

Os movimentos estimados no Quadro 2 tendem a complexificar as ini-ciativas de integração. A instabilidade internacional acentua a pressão capitalista pela intervenção do Estado no sentido da defesa de sua capacidade de reprodu-ção, colocando em cheque até mesmo o código regulatório simbólico que busca maior proteção ao meio ambiente, menos processos agressivos do ponto de vista socioambiental.

A numerosa produção chinesa, ao buscar ampliar mercados de consumo, se impõe como alternativas baratas que secundarizam os investimentos nacionais, fragilizando a teia produtiva regional. São exemplares as estratégias de maquia-gem de produtos para fugir às taxações definidas. Por exemplo, cobertores chi-neses que competiam com a indústria têxtil nacional no Brasil e foram taxados, passam a entrar como tecidos pelo comércio de reexportação do Paraguai. Já em território brasileiro, uma faixa de tecido é colocada nas bordas dando ao produto a sua forma final. Pneus usados na Europa chegam ao MERCOSUL e são agres-sivamente competitivos em termos de preços, assim como também os produtos eletrônicos e de informática.

A nova ordem emite vetores para os quais as economias nacionais têm que adequar o processo regulatório/discriminatório, implicando microrresistências, tensões e novos conflitos de âmbito comercial que tendem a minar as iniciativas colaborativas.