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Os diferentes significados para simetrias e assimetrias regionais

As assimetrias econômicas regionais podem ser compreendidas como di-ferentes graus de industrialização, urbanização, oferta de serviços, comércio e produção agropecuária. As diferenças econômicas dificultam a formação de uma identidade regional platina e a transferem para uma coesão dada pelo processo de ocupação de histórico colonial e, mais ainda, pelo compartilhamento das bacias hidrográficas do rio Paraná e rio Paraguai. A identidade regional da América Pla-tina guarda o suporte hidrográfico muito mais que o cultural, histórico ou

econô-mico. Embora identidades façam parte de construções simbólicas, funcionais ou não, nos interessa então uma coesão platina que possa consolidar laços entre os habitantes dessa porção do continente sul-americano.

Quando o objetivo é o distanciamento e a competição entre os Estados Nacionais, podemos insistir na permanência das assimetrias, disparidades e desi-gualdades regionais; mas, se objetivamos uma maior integração, podemos traba-lhar as assimetrias e desigualdades como fatores de potencial complementaridade, como polos opostos que fazem as “baterias” funcionarem. As assimetrias são mais que dados estatísticos, são dados passíveis de significados de acordo com os obje-tivos da interpretação.

As assimetrias podem ser interpretadas em função de um maior distancia-mento entre os países. Assim ocorre quando tomamos as características do parque industrial brasileiro como uma ameaça aos demais países platinos, pois tenderia a impor a integração comercial de forma a privilegiar as exportações brasileiras, com déficits para os demais países. O diferente grau de industrialização pode ser tomado como um jogo que orienta para a vitória o país mais industrializado, visto que lhe permite sobrepor o peso econômico associado à importância política que exerce regionalmente.

A diversidade, a qualidade e a quantidade da produção industrial brasilei-ra localizada, principalmente, na Região Concentbrasilei-rada formada pelo centro-sul, buscam, sempre que seu mercado interno se retrai, as exportações para os países da sul-américa e, no caso, da América Platina. Trata-se o MERCOSUL como importante válvula de escape para as exportações brasileiras, e estas, sempre que se deparam com processos de restrição à entrada, tornam-se litígios econômicos e diplomáticos.

A dinâmica do mercado funciona com a engrenagem da circulação e do consumo das mercadorias; e, sendo o mercado uma força predominante, o mo-vimento político exigido é pelo livre comércio, pelas importações sem restrição, visto que o excedente precisa encontrar seu mercado consumidor e o faz no pró-prio bloco econômico. As assimetrias para o mercado brasileiro se transformam em uma questão de supremacia.

Por outro lado, podemos considerar que as assimetrias podem ser trabalha-das como elementos que possibilitam formas complementares de integração. As grandes corporações há muito fazem uso das assimetrias como forma de integrar o processo produtivo ao produzirem em rede e se valerem das vantagens locais/ regionais para cada realização. A indústria automobilística é um exemplo didático

desse formato. Fabrica diferentes componentes em localidades diferentes de for-ma a obter a for-mais perfeita relação custo-benefício. A produção em rede, descen-tralizada, que utiliza a eficiência logística como um componente fundamental do processo, constitui o aproveitamento das assimetrias dos lugares.

Sobre o par simetria/assimetria também podemos constatar que há sime-trias tão ou mais importantes para a discussão da integração regional. Isso com-parece quando a base da produção agropecuária se sustenta em determinados produtos, principalmente as commodities. Argentina, Paraguai e Brasil são pro-dutores de soja e, em se tratando de commodities, há uma intensa busca pela redução dos custos de produção para a competição em preços e mercados. As economias baseadas em commodities tendem a ser competitivas entre si.

Mesmo quando há uma produção que não se enquadra como commodities, mas serve-se de uma mesma base, predomina a competição por mercado. É o caso da produção de carnes pela Argentina, Uruguai, Brasil, que busca acesso ao mercado europeu e asiático. Nesse caso, assim como as tradings de grãos, os frigo-ríficos internacionalizados se localizam de forma a trabalhar essa produção como complementar em favor de sua realização. Frigoríficos de capital brasileiro têm espalhado unidades entre os países e juntam a produção dos diversos pontos para fechar encomendas. A estratégia é útil quando algum dos países (departamentos ou estados) é atingido, por exemplo, por focos da febre aftosa, que provocam embargos à comercialização da carne. Os frigoríficos que estão distribuídos em rede conseguem suportar melhor os períodos adversos dos embargos. Mais uma vez, a organização da produção em um tecido formado por pontos de uma rede é apropriada pelo capital privado muito mais que pela execução de políticas de cunho integracionista.

As assimetrias também podem ser observadas na escala local, nas cidades localizadas de um lado e de outro do limite internacional, formando centros co-nurbados comumente chamados “cidades-gêmeas”. São cidades cuja “interdepen-dência é com frequência maior do que de cada cidade com sua região ou com o próprio território nacional” (MACHADO, 2009, p.66).

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 definiu um polígono de 150 km a partir do limite internacional como área de segurança internacional, tam-bém chamada faixa de fronteira. Todas as sedes dos municípios que se encon-tram nessa faixa são cidades de fronteira para efeitos de políticas de desenvolvi-mento urbano (MACHADO, 2010), mas não são cidades gêmeas. As cidades gêmeas se sustentam em uma rede formal e informal de complementaridades

tanto nos circuitos superiores quanto inferiores da economia urbana27. As ci-dades se valem da aglomeração habitacional, de consumo, de demandas por serviços e mercadorias para fomentar processos bastante peculiares de desenvol-vimento econômico. Essas conurbações formam redes políticas, econômicas, identitárias e sociais transnacionais superpostas aos limites dos estados nacio-nais (MACHADO, 2010).

As assimetrias na integração são reconhecidas e nomeadas, no Brasil, pelo Ministério da Integração Nacional (2009), apresentadas em uma “Tipologia das Interações Transfronteiriças” (ver Quadro 1).

Quadro 1 – Tipologia das Interações Transfronteiriças

Nome Características

Margem Tipo de interação em que a população fronteiriça de cada lado do limite in-ternacional mantém pouco contato entre si, exceto de tipo familiar ou para modestas trocas comerciais. As relações são mais fortes com o nacional de cada país do que entre si. A ausência de infraestrutura conectando os principais núcleos de povoamento é uma característica do modelo.

Zona-tampão O termo é aplicado às zonas estratégicas onde o Estado central restringe ou interdita o acesso à faixa e à zona de fronteira, criando parques naturais nacio-nais, áreas protegidas ou áreas de reserva, como é o caso das terras indígenas. Frentes O termo é usualmente empregado para caracterizar frentes de povoamento.

No caso das interações fronteiriças, a “frente” também designa outros tipos de dinâmicas espaciais, como a frente cultural (afinidades seletivas), a frente indígena ou a frente militar.

Capilar As interações do tipo capilar podem ocorrer somente no nível local, como no caso das feiras, exemplo concreto de interação e integração fronteiriça espontâ-nea. Pode ocorrer por meio de trocas difusas entre vizinhos com limitadas redes de comunicação, ou resultam de zonas de integração espontânea, nas quais o Estado intervem pouco, principalmente não patrocinando a construção de infraestrutura de

articulação transfronteiriça.

Sinapse O modelo sinapse refere-se à presença de alto grau de troca entre as populações fronteiriças; é apoiado pelos Estados contíguos. As cidades-gêmeas mais dinâ-micas podem ser caracterizadas de acordo com esse modelo.

Fonte: Ministério da Integração Nacional, 2009.

As diferentes formas de integração são construídas pelas formações socio-espaciais derivadas de distintos processos históricos, muitos deles cimentados por

práticas cotidianas que extrapolam a ação das políticas públicas que induzem maior ou menor integração. Há nas cidades gêmeas elementos endógenos, intrín-secos ao cotidiano, ao espaço banal.

No caso das cidades gêmeas de Ponta Porã (Mato Grosso do Sul – Brasil) e Pedro Juan Caballero (Departamento de Amambay – Paraguai), os diferentes graus de urbanização, comércio e serviços produzem um par orgânico de comple-mentaridade e competição. O que compete e o que se complementa é construído coletivamente pela própria população dessa conurbação, com intervenção relativa do poder público. É o cotidiano que molda simetrias e assimetrias.

Figura 1 – Pares de complementaridade/competição entre as cidades gêmeas de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero (PY)

Elaboração própria

As informações apresentadas na Figura 1 são simplificações de uma realida-de mais complexa, mas ilustram pontos realida-de consumo que se realida-destacam em análises empíricas. É necessário registrar que a categoria de “habitantes” homogeniza (no esquema em questão) as diferenças de poder aquisitivo, de classes, consequente-mente, de acesso a bens e serviços. Nesse sentido, não listamos, por exemplo, a busca por produtos de grife que são encontrados no comércio de rua e, em maior quantidade, no estabelecimento do Shopping China, estrategicamente localizado

próximo à linha internacional e do trevo de acesso ao município de Ponta Porã, para quem está no Brasil.

É digno de nota que a variação cambial, que é exógena à fronteira e regula a cotação do dólar, tem tido reduzida capacidade de impacto sobre o consumo compartilhado. Tem havido, com o passar dos anos, o desenvolvimento de hábitos de consumo que, aliados à ampliação da capacidade de consumo nas classes B e C brasileiras, proporcionam um movimento aquecido de consumo ou apenas visitação aos estabelecimentos na fronteira.

As simetrias e assimetrias podem ser endógenas, compondo as caracte-rísticas na escala local, como podem ser construídas e destruídas pelas políticas indutoras dos estados. O fato é que tais políticas somente podem ser efetivas se conhecerem a dinâmica da rede urbana em suas particularidades – o que faz que políticas públicas de integração possam ter resultados distintos em distintas loca-lidades. O lugar se impõe como elemento de resistência ou não, comparecendo com suas rugosidades e suas forças.