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O distanciamento Brasil-EUA e o fim da solidariedade hemisférica

Entre o final dos anos 1960 e início dos 1970, o desenvolvimentismo e o nacionalismo ganham espaço – sobretudo entre os militares latino-americanos – e governos como os do Brasil, Argentina e Chile passam a focar em seus próprios interesses, distanciando-se gradativamente da clivagem Leste-Oeste. Os Estados Unidos passam a olhar desde então com desconfiança esse pensamento naciona-lista, principalmente porque traz o abandono da estratégia de segurança hemis-férica moldada por Washington. Agora, não bastava apoiar os governos militares na região, era necessário analisar que tipo de governo militar seria formado, e dividi-los em garantidos e nacionalistas (COMBLIN, 1978).

A percepção entre os latino-americanos era de que os Estados Unidos não disponibilizavam armas mais sofisticadas, limitando-se a remessas apenas do ne-cessário ao combate à subversão interna (COMBLIN, 1978). Esse fato levou diversos governos latino-americanos a procurarem um comércio mais estreito com a Europa Ocidental, e o Brasil não foi exceção. Em meados dos anos 70, o presidente militar Geisel orienta a política externa em busca de autonomia e universalismo, o que pressupunha o fim do alinhamento automático com os Estados Unidos, o abandono dos condicionantes ideológicos ao comércio exte-rior impostos pela Guerra Fria e a identificação com o Terceiro Mundo (HIRST, 2009, p.48)78. Ainda,

Geisel cuida de levar às últimas consequências o processo que se de-senvolve no âmbito das relações exteriores desde 1967. Contudo, ao perceber a natureza conflitiva das relações com os EUA, conclui que os objetivos nacionais teriam que ser perseguidos mediante a consecu-ção de uma estratégia de diversificaconsecu-ção dos vínculos externos do país. (LESSA, 1995, p.24).

78 Outro contencioso com os Estados Unidos ocorreria em torno do acordo nuclear entre Brasil e Alemanha, visando garantir autonomia nacional no enriquecimento de urânio, algo não aceitável por Washington.

O ano de 1982 marcaria a ruptura final da solidariedade hemisférica tute-lada por Washington, quando Argentina e Inglaterra se defrontaram pela posse das ilhas Malvinas/Falklands. Com o fracasso das negociações, a Argentina re-alizara, em 2 de abril de 1982, a retomada das ilhas pela ação militar. Segundo Penha (2011, p. 139-140), o erro argentino foi acreditar

[...] que os britânicos não reagiriam militarmente; e que os EUA respalda-riam a atitude argentina levando-se em consideração a defesa da Doutrina Monroe e os princípios contidos no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca.

Para os Estados Unidos, a Inglaterra era aliada de maior peso estratégico do que a Argentina, e isso já fora demonstrado em duas guerras mundiais. Nesse sentido, os Estados Unidos não puderam cumprir a cláusula do TIAR, que ga-rantiria a ajuda recíproca em caso de agressão movida por país extra-hemisférico. Não apenas isto, o governo do presidente Ronald Reagan enviou suprimentos mi-litares modernos e imagens de satélites mimi-litares da região do conflito, auxiliando os ingleses na retomada das ilhas.

O Brasil se manteve do lado argentino na disputa, embora não tenha se envolvido diretamente no conflito. Mas o fator mais relevante foi a percepção sul-americana de falência do TIAR como mecanismo de solidariedade americana.

Considerações finais

O pensamento geopolítico brasileiro oscilou entre o alinhamento com os Estados Unidos na questão da segurança global e hemisférica e a busca de auto-nomia econômica que poderia transformar-se em poder militar no futuro. Se o Brasil aderiu ao TIAR, foi também esperando lograr êxito em suas reivindicações por ampliação de poder econômico, militar e político, tal como fizera com os estadunidenses ao barganhar apoio na Segunda Guerra por investimentos na pro-dução siderúrgica brasileira.

Prova desse movimento cauteloso do projeto nacional foi a orientação da própria ESG em torno do binômio segurança e desenvolvimento. O desenvolvi-mentismo brasileiro não fazia parte do repertório estadunidense, ainda que fosse vital para uma região em posição periférica no cenário internacional, como a América Latina. Em sua maioria, a releitura procedida no meio acadêmico e na mídia sobre a geopolítica do regime militar é de um período de total

subserviên-cia aos interesses estadunidenses, quando a realidade aponta para um quadro de relacionamento bilateral bem mais complexo.

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