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Capítulo V. Análise e interpretação dos dados: dimensão sociocultural

6. Situação laboral: desempregado = 0; reformado, doméstico e estu-

5.4. Mudança de atitude e valores

Depois de analisado o índice de individualização, de materialismo/pós-mate- rialismo e de posição social, pretendemos constatar, por um lado, a hipótese por nós formulada de que quanto maior é a adesão a valores pós-materia- listas, maior é o grau de individualização e, pelo contrário, quanto maiores os valores materialistas, maiores são também os valores tradicionais. Por outro lado, tentaremos comprovar que os valores materialistas encontram- -se entre as pessoas socialmente menos favorecidas (baixa posição ou peri- feria social), enquanto os valores pós-materialistas entre os grupos social- mente mais favorecidos (média ou alta posição social), sendo estes os que, ocupando posições mais centrais, interiorizam mais intensamente as novas atitudes e valores sociais.

A fim de constatar a primeira hipótese proceder-se-á à correlação dos índices de individualização e materialismo/pós-materialismo, uma vez que se trata de dois eixos unidimensionais, que servem para medir dimensões valora- tivas distintas mas que se complementam, caracterizando ambos o duplo processo de mudança que vai desde o materialismo ao pós-materialismo e desde os valores tradicionais aos de individualização. Supõe-se que estes dois eixos, analisados conjuntamente, logram uma experiência mais completa da mudança social, que se analisadas separadamente.

Inglehart, desde 1997, trabalha esta mesma teoria, agregando ao índice mate- rialismo/pós-materialismo outro eixo valorativo que classifica as sociedades

entre os polos tradicional e secular-racional, ou seja, num extremo situa-se a autoridade hierárquica tradicional, onde as suas decisões obedecem a outros motivos que não são necessariamente racionais, e no outro extremo a auto- ridade racional (Inglehart, 1997).

No entanto, neste estudo, opta-se por utilizar o índice de individualização, uma vez que traduz melhor a dimensão valorativa que se pretende analisar: num extremo encontram-se os valores tradicionais e, no outro, os valores da individualização.

Em todos os países, tanto em 90 como em 2008, entre o materialismo/pós- -materialismo e individualização manifesta-se uma correlação linear posi- tiva, o que traduz que a maiores níveis de pós-materialismo correspondem maiores níveis de individualização e, por oposição, a maiores níveis de mate- rialismo, maiores princípios tradicionais (no Conjunto, em 90, r = 0,30 e, em 2008, r = 0,20), sendo a Polónia, em 90, e Portugal, em 2008, os países que apresentam as correlações mais baixas (r = 0,10 e 0,08), frente a Portugal e Áustria, em 90, (r = 0,34, ambos) e França, em 2008 (r = 0,32), como os países com correlações mais fortes70.

Numa análise mais detalhada, observando os dados gráficos abaixo descri- tos, verifica-se, entre 90 e 2008, um aumento dos valores de individualiza- ção tanto entre os materialistas como entre os pós-materialistas71. Todavia,

esta tendência expressa-se de forma distinta entre os países72: por um lado,

encontram-se França, Polónia e Espanha que veem ascender o seu nível de individualização entre os indivíduos materialistas, mistos e pós-materialistas; por outro, Áustria e Portugal que veem aumentar a individualização entre os materialistas e mistos, contudo, veem-no a diminuir entre os indivíduos

70 Correlações entre materialismo-posmaterialismo e individualização, em 90 e em 2008, por

país: Áustria (r = 0,34, 0,21); Bélgica (r = 0,31, 0,20); França (r = 0,31, 0,32); Irlanda (r = 0,20, 0,23); Itália (r = 0,24, 0,24); Polónia (r = 0,10, 0,17); Espanha (r = 0,26, 0,21) e Portugal (r = 0,34, 0,08).

71 Valores médiosno Conjunto dos países entre materialismo-posmaterialismo e individuali- zação, em 90 e em 2008: materialismo = 2,1 e 2,5; misto = 2,5 e 2,9; posmaterialismo = 3,4 e

3,6, respetivamente.

72 Em Portugal, em 90, F(2, 578) = 37,85, p < 0,001, 2 = 0,12, e em 2008, F(2, 559) = 2,96,

ns; no Conjunto F(2, 5.856) = 317,05, p < 0,001, 2 = 0,10, e em 2008, F(2, 3.906) = 87,23, p

< 0,001, 2 = 0,04; nos demais países: Áustria, F

1990 (2, 483) = 11,58, p < 0,001,  2 = 0,12 e F 2008 (2, 483) = 11,58, p < 0,001, 2 = 0,05; Bélgica, F 1990 (2, 1.111) = 57,19, p < 0,001,  2 = 0,09 e F2008 (2, 546) = 12,05, p < 0,001, 2 = 0,04; França, F 1990 (2, 399) = 22,44, p < 0,001,  2 = 0,10 e F2008 (2, 482) = 27,51, p < 0,001, 2 = 0,10; Irlanda, F 1990 (2, 549) = 14,70, p < 0,001,  2 = 0,05 e F2008 (2, 180) = 5,18, p < 0,05, 2 = 0,06; Itália, F 1990 (2, 948) = 32,67, p < 0,001,  2 = 0,07 e F2008 (2, 649) = 20,62, p < 0,001, 2 = 0,06; Polónia, F 1990 (2, 567) = 2,87, ns e F2008 (2, 542) = 14,00, p < 0,001, 2 = 0,05; Espanha, F 1990 (2, 1.096) = 51,78, p < 0,001,  2 = 0,09 e F 2008 (2, 455) = 16,93, p < 0,001, 2 = 0,07.

Gráfico 5.16.

Materialismo/pós-materialismo, segundo a individualização

Fonte: Elaboração própria a partir do EVS. Base: População de cada país e do Conjunto.

Nota: Índice de Individualização varia entre 1 (valores tradicionais) e 5 (valores de individua-

lização). 5 4 3 2 1 0 5 4 3 2 1 0 5 4 3 2 1 0 5 4 3 2 1 0 5 4 3 2 1 0 5 4 3 2 1 0 5 4 3 2 1 0 5 4 3 2 1 0 Áustria Itália Bélgica Polónia França Espanha Portugal Irlanda

Materialistas Mistos Pós-Materialistas 1990 1990 1990 1990 1990 1990 1990 2008 1990 2008 2008 2008 2008 2008 2008 2008

Gráfico 5.17.

Materialismo/pós-materialismo, segundo a posição social (coeficientes de correlação, p < 0,05)

Áustria Bélgica França Irlanda Itália Polónia Espanha Portugal

Conjunto 0,14 0,19 0,18 0,08 0,09 0,07 0,07 0,12 0,12

Fonte: Elaboração própria a partir do EVS, 2008. Base: População de cada país e Conjunto.

Nota: Todas as correlações são significativas a nível de 0,05.

pós-materialistas (cf.: G. 5.16.). Esta diminuição em Portugal, além de ser a mais acentuada, faz com que, em 2008, os pós-materialistas apresentem o nível de individualização mais baixo entre os oito países (média = 2,8)73, fazendo

com que os portugueses pós-materialistas pautem mais os seus valores e com- portamentos por princípios que se aproximam da obediência e fé religiosa do que da independência e determinação (uma vez que apresentam uma média de pós-materialismo abaixo do nível médio da escala) (cf.: G. 5.16.).

Depois de se ter contrastado a primeira hipótese, analisar-se-á, agora, a segunda, correlacionando o índice de materialismo/pós-materialismo com o da posição social, comprovando que os valores materialistas encontram-se entre as pessoas socialmente menos favorecidas, enquanto os pós-materialis- tas entre os grupos sociais mais favorecidos.

Os dois índices, em 2008, apresentam uma correlação linear positiva em todos os países do nosso estudo, variando entre r = 0,07 em Portugal e Polónia e r = 0,19 na Bélgica, o que sugere que a um maior nível de pós-materialismo está associado, em todos os países, um maior nível de posição social (cf.: G. 5.17.).

73 Valores médios em Portugal entre materialismo-posmaterialismo e individualização, em 90 e

Observando melhor esta relação entre estes dois índices, verifica-se que os indivíduos com baixo nível de escolaridade, com vencimentos mensais mais baixos, com um trabalho mais precário e residentes em localidades mais pequenas atribuem maior prioridade à segurança física e económica, enquanto os indivíduos com maiores níveis de escolaridade, com vencimen- tos mensais mais altos, com trabalho mais qualificado e residentes em loca- lidades mais urbanizadas priorizam as intervenções na vida política, bem como a liberdade de expressão.

Esta tese é corroborada no gráfico 5.18., que apresenta o nível de posição social em que se encontram os indivíduos com valores materialistas e pós- -materialistas em cada um dos países. Deste modo, verifica-se que, em todos os países, os indivíduos que se identificam mais com os valores materialistas, encontram-se numa posição social abaixo da média ( 3), entre a extrema periferia e a posição social média, à exceção de Portugal e Irlanda em que os materialistas situam-se ligeiramente acima da posição social média (cf.: G. 5.18. e T. 2.9.).

Os indivíduos com valores pós-materialistas são os que se encontram nas posições sociais mais favorecidas nos seus países, situando-se entre a posi- ção social média e a alta, sendo França o país em que os pós-materialistas se encontram na posição social mais alta (3,5) e Polónia na mais baixa (3,1)74

(cf.: G. 5.18. e T. 2.9.). 74 Em 2008, F Conjunto (2, 11.150) = 78,09, p < 0,001,  2 = 0,01; F Austria (2, 1.481) = 14,62, p < 0,001, 2 = 0,02; F Bélgica (2, 1.496) = 27,41, p < 0,001,  2 = 0,04; F França (2, 1.487) = 25,04, p < Gráfico 5.18.

Materialismo/pós-materialismo, segundo a posição social, por país

Fonte: Elaboração própria a partir do EVS, 2008. Base: População de cada país e Conjunto.

Áustria Bélgica França Irlanda Itália Polónia Espanha Portugal Materialista Misto Pós-materialista 5 4 3 2 1 Conjunto

Do que foi dito anteriormente, pode confirmar-se a hipótese de que os valo- res pós-materialistas aumentam à medida que aumenta o nível de posição social dos indivíduos. Isto é, os indivíduos com maior nível socioeconómico são os que maior valor atribuem a princípios ligados ao seu bem-estar (liber- dade de expressão e maior participação política), uma vez que a sua segu- rança física e económica está dada por adquirida. Por isso, pode dizer-se que estes são os primeiros a interiorizar os novos valores sociais, ou seja, os valores identificados com o pós-materialismo e, consequentemente, serão estes também a transmiti-los aos demais indivíduos.

Todavia, esta última observação deixa-nos algumas reservas: por um lado, porque não temos dados, tal como já referimos, para estabelecer uma análise longitudinal entre o índice do materialismo/pós-materialismo e o da posição social; por outro, quando se observa a linha longitudinal do materialismo/ pós-materialismo, entre 90 e 2008, verifica-se que houve um retrocesso na maior parte dos países dos valores pós-materialistas, inclusive em Portugal (cf.: G. 5.6. e G. 5.7.)., o que pode ter comprometido a transmissão des- tes valores do centro à periferia social. Tal facto pode dever-se à situação socioeconómico instável que se tem vivido, nos últimos anos, na Europa e, de um modo em particular, em Portugal, o que fez com que os valores mate- rialistas ganhassem maior expressividade, essencialmente, entre os que se situam em posições sociais mais favorecidas, de um modo particular a classe média, podendo, deste modo, ter comprometido a transmissão dos valores pós-materialistas. 0,001, 2 = 0,03; F Irlanda (2, 936) = 2,80, ns; FItália (2, 1.392) = 5,66, p < 0,05,  2 = 0,01; F Polónia (2, 1.443) = 4,15, p < 0,05, 2 = 0,01; F Espanha (2, 1.402) = 11,39, p < 0,001,  2 = 0,02; F Portugal (2, 1.503) = 3,19, p < 0,05, 2 = 0,00.

Capítulo VI. Inter-relação entre a dimensão sociocultural