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Fazendo um rápido recuo no tempo pode-se localizar no curto mandato do ex-presidente Fernando Collor de Melo, os primeiros questionamentos sistemáticos à forma em que se encontra disposto o Direito Sindical no Brasil. Assim, há menos de duas décadas,

precisamente em 1992, iniciava-se a organização oficial dos trabalhos que conflagrariam o primeiro canal de debates deste assunto pós-88: o conhecido Programa de Reconstrução

Nacional. Propondo uma ampla reforma da CLT, tida como “paternalista e tutelar”, as

proposições normativas que o norteavam tinham por orientação basilar a livre contratação coletiva de trabalho. No entanto, em face da crise política que resultaria em seu impeachment, as conclusões deste fórum, sequer chegaram a ser encaminhadas à apreciação do Congresso (Camargos, 2009).

Nos debates daquela conjuntura, a exemplo do que ocorre na atualidade, a agenda da Força Sindical e da CUT, já primava pela adoção da Convenção 87 da OIT, deixando claras suas convicções de que a liberdade sindical se fazia em contraponto ao Estado. Decorre daí que, a formalização das comissões de fábrica era, então, apontada como pedra angular da modernização das relações de trabalho no país. Sem embargo, cobravam da classe patronal uma “postura madura e consequente”, condição indispensável ao fortalecimento das instituições trabalhistas, como também ao avanço produtivo das próprias empresas. Sem malogro, uma nova tentativa de reforma do sistema de trabalho no Brasil surgiria pouco tempo depois.

Desta feita, em 22 de setembro de 1993, agora com o governo Itamar Franco, seria inaugurada a primeira experiência tripartite de negociações acerca da regulação do trabalho no Brasil.36 Coordenado pelo então ministro do trabalho Walter Barelli, iniciaram-se as reflexões do

Fórum Nacional sobre Contrato Coletivo e Relações de Trabalho. Além da presença das

entidades trabalhistas e patronais, os Fóruns Regionais, organizados por órgãos oficiais, contaram com a presença de representantes de 11 países (Alemanha, Argentina, Chile, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão, México, Portugal e Uruguai), cujos pontos de vista enriqueceram os debates. Como anunciado em nota oficial, o esperado era que tal arranjo institucional produzisse a aproximação das entidades civis via construção de fóruns e câmaras, para que as “partes interessadas pudessem apresentar suas posições e, a partir disso, trabalhar em conjunto para estabelecer as novas regras [para as relações trabalhistas]” (Brasil, 1994:7 in Camargos 2009).

36 Ressalta-se que parte das informações da trajetória histórica das iniciativas de Reforma Sindical que estão sendo expostas neste capitulo foram buscadas em Camargos (2009). Neste artigo, a autora faz uma minuciosa reconstituição das teses defendidas pelas Centrais na ocasião destes espaços oficiais de debate.

O documento final do Fórum Nacional reafirmava ainda que a superação da “tradição corporativista” do sistema de trabalho brasileiro, exigia encontros “participativos e transparentes”, cujos trabalhos pudessem por termo ao caráter francamente desatualizado da CLT que tanto inibia o exercício democrático da autocomposição de interesses entre capital e trabalho.

Naquela ocasião, as grandes polêmicas ficaram por conta da extinção da contribuição sindical compulsória, do escopo de atuação da Justiça Trabalhista, além, é claro, da representação dos trabalhadores nos locais de trabalho.

Um levantamento rápido destes pontos controversos nos permite identificar, no entanto, a convergência de bandeiras anticorporativistas que matizavam aqueles debates. Guardadas as devidas tensões, pode-se afirmar que a agenda anticorporativista constava tanto no cálculo das centrais sindicais quanto das entidades patronais. Em outras palavras, a crítica

anticorporativista, abrigaria no seu processo de elaboração princípios liberais e mesmo de

uma certa tendencia socialista, que apesar das divergências teórico-normativas, conformavam um grupo similar de críticas à regulação estatal, aproximando aspirações políticas trabalhistas e patronais. Tal constatação permite perceber que, no decorrer dos anos 90, o discurso

hegemônico contrapunha autonomia e liberdade sindical à legislação corporativa, revelando uma fina sintonia entre o apelo destes atores políticos (empregados e empregadores) e as proposições interpretativas de algumas linhas da academia, que vinham sendo amadurecidas desde a segunda metade da década de 70.37

Por fim, a exemplo da iniciativa do Governo Collor de Melo, as conclusões do Fórum Nacional sobre o Contrato Coletivo de Trabalho no Brasil, iniciadas por Itamar Franco, ganharam as ruínas do esquecimento, apesar destas terem sido enviadas ao Congresso.

Encerrando este curto resgate da história politica recente, passa-se ao levantamento dos esforços pelos quais se orientaram os dois mandatos do ex-presidente FHC (1994 – 2002), cujas questões ligadas à esfera da organização trabalhista primaram, inequivocamente, pelo

aprofundamento unilateral de um receituário neoliberal.

As investidas de seu governo quanto à flexibilização da legislação trabalhista, culminaram com a sistematização do Projeto de Lei 5.483/2001. Alvo de grande resistência, tal iniciativa propunha, dentre outras coisas, a alteração do Artigo 618 da CLT, fazendo valer a primazia do “negociado sobre o legislado”(Camargos, 2008; 2009). A compreensão amplamente veiculada no meio sindical, dava conta de que tal dispositivo, se aprovado, abriria caminho ao aprofundamento da heteronomia dos segmentos trabalhistas com menor densidade organizacional frente às razões de mercado.

Tendo como diretriz de governo o entendimento de que o país precisava adotar procedimentos modernos no que respeita as relações capital e trabalho, como forma de participar competitivamente do mercado globalizado, suas medidas incidiram essencialmente sobre os direitos trabalhistas. Neste campo, a partir da regulamentação dos contratos temporários e do

banco de horas, foi implementada uma significativa reconfiguração das jornadas de trabalho e

dos salários, cujo intuito seria desonerar o custo da produção no Brasil.

Decorre daí que não se poder dizer que tenha havido em seu governo iniciativas sistemáticas de aproximação junto aos diversos atores organizados da sociedade civil, muito menos a existência de um projeto ambicioso de Reforma Sindical, a exemplo do que havia proposto o governo Itamar Franco. Neste termos, uma nova experiencia nacional de reforma só viria a ocorrer em 2003, sob os auspícios do recém-eleito presidente, Luís Inácio Lula da Silva.

Este levantamento, ainda que sucinto, permite perceber que o passar dos anos não alterara em substância as observações endereçadas ao Direito Sindical brasileiro. Alvo de críticas contumazes provenientes de diversos setores sociais, a CLT, para além dos problemas sindicais, mantinha-se como o foco dos problemas trabalhistas do país. Enquanto aos trabalhadores apresentava-se como arbitrária e afeita aos interesses políticos patronais, por outro lado, assumia no discurso empresarial a responsabilidade pelo oportunismo das elites sindicais, além de manter elevadas as taxas de desemprego, proveniente das exigências que travam a iniciativa privada em função do elevado custo Brasil. Como se pode notar, nos dois espectros sociais a regulação trabalhista encarnava, com matizes distintos, o arcabouço de

instituição ineficiente, ultrapassada, rígida e, enfim, antidemocrática. Neste ambiente, o entendimento majoritário supunha um verdadeiro paradoxo entre as exigências da moderna estrutura econômica vigente no país e a premissa corporativa que amparava o marco regulatório das relações de trabalho. Grosso modo, seria este, o contexto intelectual que norteou os trabalhos do FNT de 2005, seja por parte dos agentes do governo, ou dos representantes trabalhistas e patronais.

Situado o breve histórico do tratamento dispensado às questões trabalhistas nas duas últimas décadas, passemos à avaliação da trajetória e dos resultados a que chegou a mais recente investida oficial quanto a este assunto: a PEC 369/05 e o Anteprojeto de Reforma Sindical.