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O Novo Conselho Nacional de Relações do Trabalho (CNRT): dispersão e

Dos encaminhamentos a que chegou o Fórum Nacional do Trabalho, uma das grandes novidades ficou por conta da formação de um Conselho Nacional de Relações do Trabalho (CNRT). Em consonância com a estrutura decisória tripartite estabelecida pela OIT em 1976, pode-se dizer que o novo órgão buscava posicionar o Brasil frente a experiências consagradas em outros países no que diz respeito ao tratamento dispensado às questões trabalhistas. Pautando-se por preceitos fundados numa paridade de participação, a ocupação dos cargos assumiu um caráter rotativo. Assim, após um período de transição, a presidência do Conselho deveria ser ocupada por mandatos temporários, em que representantes dos empregados e empregadores revezariam no cargo, atingindo o tempo máximo de 6 anos cada um. O desenho institucional do CNRT abrigaria ainda a composição permanente de mais duas Câmaras Bipartites e paritárias: (i) uma constituída por 5 (cinco) representantes do governo e 5 (cinco) dos trabalhadores via indicação das centrais sindicais, e outra por (ii) mais 5 (cinco) representantes do governo e 5 (cinco) representantes dos empregadores, indicados pelas confederações patronais.(ver Anexo 2).

Considerado um órgão de “relevante interesse público”, as atribuições do CNRT consistiam basicamente em atuar normativamente quanto à “resolução e instruções” de assuntos afetos à

Negociação Coletiva, além das questões de Composição de Conflitos Trabalhistas e da Organização Sindical. Claramente o CNRT passaria a assumir algumas atribuições que até

então ficavam a cargo do Ministério do Trabalho. Exemplo disso seria a aferição ou contestação das questões ligadas à exclusividade sindical, além de atuar decisivamente, quanto à apreciação de registros de representatividade indeferidos pelo MTE. Conforme previsto no Artigo 124 do Anteprojeto da Reforma Sindical, o novo Conselho serviria como câmara de diálogo permanente entre empregados, empregadores e governo. Na verdade, as atribuições e a formatação tripartite deste órgão oficializavam as recomendações da Convenção nº 144 da OIT.

Segundo outras resoluções, o CNRT deveria atuar ainda propondo “diretrizes de políticas públicas” de programas e ações de governo, ou mesmo subsidiando “a elaboração de pareceres sobre os projetos legislativos” ligados à esfera do trabalho. Outra atribuição inovadora seria a prerrogativa de iniciar proposta de estabelecimento dos “critérios de enquadramento das Organizações Sindicais de Trabalhadores e Empregadores por setor econômico e por ramo de atividade econômica” (Relatório Final da Reforma Sindical, 2004).41

Como se pode perceber, os trabalhados do FNT deram um passo inequívoco para a institucionalização dos conflitos trabalhistas. De nossa parte, afirmamos que os parâmetros que balizam o funcionamento do CNRT devem ser justificados a partir de dois argumentos: (i) reduzir as incertezas jurídicas provenientes do novo arranjo proposto, imputando-lhes previsibilidade procedimental, e (ii) diluir – não-eliminar - a tutela do MTE sobre as relações de trabalho, que passariam a ser processadas mediante correlação de forças paritárias num espaço tripartite oficializado: as Câmaras do CNRT.

No entanto, pode-se avaliar que, mesmo com as inovações trazidas pelo CNRT, a tutela estatal proveniente do MTE ficaria preservada. Como se verá, a PEC 369 reafirmava que caberia ao Estado estatuir a “personalidade sindical às entidades”. Em última instância, no Artigo 8º ficava mantida a prerrogativa estatal de autorizar ou não o funcionamento dos Sindicatos.

41 Como se sabe, o enquadramento das entidades sindicais não se daria pela aferição de categoria trabalhista, mas por ramo e setor da economia. Segundo os participantes do FNT, a medida visa reduzir o número

Um ponto destacadamente criticado por amplos setores organizados da sociedade civil diz respeito à concentração de poder que este órgão teria propiciado. As confederações trabalhistas, por exemplo, desde o início foram críticas à estrutura de funcionamento do CNRT. Dentre as críticas veiculadas, pode se destacar a insistente denúncia deste setor ao excessivo controle decisório conferido às centrais sindicais no que diz respeito às questões trabalhistas de âmbito nacional. A razão destas observações pode ser identificada sobretudo nos artigos 226 e 229 do Anteprojeto. Claramente, a participação decisiva das centrais na composição das Câmaras Tripartites do novo Conselho formaliza a titularidade destas frente à representação trabalhista, reorganizando a estrutura de poder que legalmente ainda vigora no país.

Um levantamento panorâmico da literatura que se ocupa das “políticas tripartites” nos leva a concluir que a cooperação proveniente deste arranjo institucional possui um caráter controvertido e, por vezes, transitório. Estudos recentes têm apontado que a crescente insistência governamental em estabelecer “instituições tripartites”, objetiva a contenção dos “riscos que surgem da modificação pelos quais tem passado o trabalho” frente aos desafios da economia globalizada (Esping-Andersen, 1990). Outros, como Brandl e Traxler, entendem que a prioridade estaria em alcançar maior “legitimidade e estabilidade [para] campo

político” (2005:637). Não obstante, de acordo com José Aleman (2009), muitos estudiosos

apontam ainda que o “tripartismo” tem atendido principalmente os interesses de empregadores e governos, e não necessariamente dos trabalhadores.

Segundo Levitsky e Way (1998), estudos comparados demonstram que somente organizações trabalhistas com alto grau de coesão têm aceitado participar desses “pactos”. Em outras palavras, o que estes autores apontam é que os resultados dessa “cooperação com a ordem”, estariam variando em função da capacidade sindical em pautar a agenda dos debates, sendo também decisivo o perfil político ideológico do partido governista (Levitsky e Way, 1998; Aleman, 2009).

Destacadamente, a apreciação das características que constituíram o FNT e o desenho proposto ao CNRT abre espaço a esta importante seara de questões acerca do cenário que está

sendo colocados para o sindicalismo brasileiro. Se de um lado o referido órgão dispersa, em alguma medida, o poder até então preservado no MTE, por outro, o concentraria nas centrais sindicais, razão das insatisfações de alguns segmentos da estrutura sindical. Desse modo, ao tocar neste campo de questões, o governo Lula, reafirmando o “diálogo social” como premissa à resolução dos conflitos que tem origem no mundo do trabalho, inseria-se num campo polêmico das atividades trabalhistas: a negociação coletiva e o modelo legislado das

relações de trabalho.

3.4. A autonomia possível entre o modelo legislado e a negociação coletiva: a PEC 369 e