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Representantes de Fábrica: de práxis democratizante a “exotismo classista”

Como se sabe, este tópico da legislação sindical nunca fora bem aceito pela classe patronal. Desde as primeiras décadas da República, as reações a essa pauta de discussão evocava reações de violento repúdio (Gomes, 1988). Mesmo após o Estado Novo, a argumentação apontava uma sorte de infortúnios que implicariam em graves transtornos para o processo produtivo das fábricas. Admiti-lo seria curvar-se ante um violento ato de imposição pública dentro de uma esfera precipuamente privada, e que assim deveria se manter para o bom andamento da propriedade (Costa, 1995). Claramente o foco da discussão não incidia sobre a hipossuficiência trabalhista, mas sobre uma dimensão moral da organização da produção.

Guardadas as devidas proporções, entende-se que estas premissas liberais persistem na base atual da argumentação proferida pelos empregadores, que anunciam, sobretudo, o temor de um acirramento dos conflitos cotidianos. Resumidamente, o que se esta afirmando aqui é que este princípio compõem um ethos, devendo ser tratado, portanto, como parte da cultura

trabalhista no Brasil. Para se ter uma percepção do grau de tensão que envolveu este campo

dos debates no FNT entre representantes patronais e trabalhistas, não houve concordância sobre nenhum dos 34 artigos que compõem o Título III do Anteprojeto.

Sendo o estímulo à autocomposição de conflitos uma premissa básica do FNT, pode-se dizer que todo o Título III, que trata “Da Representação dos Trabalhadores nos Locais de Trabalho”, organiza-se em torno dessa lógica. De nossa parte, procurando deslocar o foco trilhado naquele evento, este campo dos debates será entendido como um instrumento chave ao exercício da autonomia sindical. A formalização deste mecanismo no interior das empresas potencializaria a reconfiguração dos parâmetros que sustentam o exercício desigual do poder,

precisamente por publicizá-lo. Neste sentido, para além do entendimento da autonomia como

não-interferência do Estado, as atenções aqui voltam-se para as condições que qualificam a

sua ação regulatória, donde se conclui que a efetividade das normas instituídas demandam em alguma medida a presença do Estado.

Conforme previsto no Capitulo II do Anteprojeto, artigo 62, inciso VIII, dentre as atribuições desta representação de base, estariam as de mediar conflitos trabalhistas, individuais e coletivos, no interior das empresas, bem como de “acompanhar o cumprimento das leis trabalhistas, previdenciárias e dos contratos coletivos.” Como se observa, a rigor, o local da produção transforma-se numa arena apta à tematização de demandas trabalhistas variadas.

Não obstante, sendo sua instalação uma prerrogativa primeira do sindicato, cabendo-lhe inclusive a convocação para sua eleição, conforme previsto no artigo 65, o grande desafio é fazer com que isso ocorra dentro das empresas51

. É sabido que a tradição das relações produtivas no Brasil consiste em tratar as controvérsias trabalhistas entre quatro paredes, e, ao término do contrato, da porta pra fora da empresa. Em contraponto, o que se institucionaliza no Título III do Anteprojeto é, não somente, a endogenização da resolução dos conflitos, mas a sua publicização. Decididamente, as negociações coletivas passam a contar com um canal diferenciado de acordos, alçando as “representações dos trabalhadores nos locais de trabalho” à condição de “atores coletivos”, ao lado dos sindicatos e dos empregadores (Título IV, Artigo 96).

Das insatisfações dos atores trabalhistas presentes no FNT, parte delas se encontram no Capítulo VIII, que delibera sobre a “negociação coletiva na empresa”. O ponto pacífico das discordâncias volta-se para o poder concedido ao representante de "celebrar contratos coletivos” na empresa, dada dispersão do poder decisório que este tópico propiciaria. Notoriamente, o voto contrário das elites sindicais aos vários artigos que normatiza esta questão elucida o receio das mesmas em perder o controle de suas bases.

De nossa parte, compreende-se que, atribuir aos representantes a condição de celebrar

51 O artigo 96 resolve ainda que em caso de “omissão sindical”, a autocomposição pode, inclusive, ser celebrada pelo próprio representante da empresa, devendo o sindicato ser devidamente informado dos termos da conciliação.

negociações coletivas (Artigo 88, § II) consiste numa prerrogativa legal que aprofundaria a heteronomia sob o véu de um democratismo acrítico. As preocupações aqui voltam-se para os problemas de cooptação que a assimetria de poder entre patrões e representantes pode propiciar. Nestas condições, os mecanismos de controle da organização do trabalho, inerentes à condição de proprietário, perverteriam esta concepção idealizada do exercício da autonomia, precisamente por desconsiderar os fundamentos empíricos que norteiam o cotidiano da prática trabalhista.

Se as atribuições de um representante figuram com desenvoltura há algum tempo nos centros mais dinâmicos do trabalhismo brasileiro, ressalta-se, no entanto, que para a maior parte deste, sua presença representará uma afronta à tradição patronal brasileira. O ineditismo desta situação rompe com diversos parâmetros do trabalho no Brasil, reconfigurando inclusive a dinâmica simbólica que sustenta o status de poder entre patrão e empregado no cotidiano das empresas. Decorre daí que, preocupados com a sua efetividade, o debate destas questões no FNT esteve amarrado há um outro campo de assuntos: “As Condutas Anti-Sindicais”.

Abordado no Capítulo III do Título VII do Anteprojeto de Reforma, a “prevenção e a repressão à conduta anti-sindical”, se aplicaria a toda sorte de casos cujo constrangimento à liberdade e à autonomia política do representante ficasse comprovada. Neste sentido, qualquer forma de “favorecimento ilícito”, “intimidações”, ou ato que implique em “dificultar o exercício do direito de greve” poderia ser enquadrado nesse caso. A resistência patronal aos artigos 175 e 176, justifica-se precipuamente porque ali se encontrariam formalmente disciplinados os casos e situações que conflagram a conduta anti-sindical. Vale ressaltar que, dado o nível acalorado das insatisfações, pode-se perceber o grau de enraizamento empírico dessas práticas.

Entende-se que a regulação do Estado sobre este campo é capital para o exercício efetivo das

Comissões de Fábrica. Da definição clara do que se entende por conduta anti-sindical, bem

como da capacidade de fiscalização por parte das entidades sindicais e mesmo do Poder Público, depende a efetividade dos representantes no ambiente de serviço. Nota-se aqui, que o princípio corporativo manteria laços estreitos com o grau de autonomia alcançado nos locais de trabalho, dado que incidiria sobre o princípio assimétrico das relações de poder, conforme

vem sendo salientado neste estudo. Mais uma vez, se a autonomia fosse compreendida como resultado da não-interferência do Estado, o plano prático dos resultados deflagraria a ineficiência desses princípios juridicamente assegurados.