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Capítulo I – Fundamentação teórica

1. Publicidade

1.3. Mudança na Realidade Publicitária

A publicidade costuma representar um mundo perfeito em que desengordurantes limpam cozinhas perfeitas num abrir e fechar de olhos, as bebidas gaseificadas versão dieta não engordam e qualquer produto destinado à beleza do homem ou da mulher parece ser destinado apenas a indivíduos cujos corpos desafiem as leis da física, a esposa limpa a casa e o marido fecha negócios.

No entanto, no nosso mundo real, a imagem mental dos géneros evoluiu muito mais rapidamente do que as histórias contadas nas páginas publicitárias das revistas. Na vida real, as mulheres praticam desporto e os homens gostam de cuidar do seu aspeto, nem todos gostam de cerveja, tal como nem todas as mulheres enlouquecem com a visão de uma caixa de chocolates.

Claro está, que nem todos os anúncios pintam um padrão para cada género, no en- tanto, a necessidade da criação de um prémio em Cannes – Glass Lion - que premeia os que anunciam produtos sem estereótipos mostra que, não só essas campanhas são raras, mas também que são necessárias compensações para que os anunciantes as considerem.

A criação do prémio data de 2015 e foi criado, segundo um artigo do Huffington

Post, para reconhecer trabalhos que promovem uma representação dos géneros de uma

forma mais inclusiva. (Vagianos 2015)

A ideia partiu de Sheryl Sandberg que, citada por Vagianos (2015), afirmou no press release: “Se as nossas mensagens para mulheres – e homens – transmitem igualdade, vamos ajudar a criar um mundo mais igual”. A ideia principal é que haja uma mudança cultural. Quantos mais anúncios houver, em todos os meios, que mostrem mais do que a mulher como dona de casa ou o homem como o sexo forte, maior a probabilidade de construção de um mundo sem ideais sexistas, dada a influência que os media têm junto do público.

A revolução publicitária começou com a Dove, quando a marca de sabonete e pro- dutos de cuidado da pele decidiu, em 2004, muito antes da criação do Glass Lion, mudar a forma como publicitava os seus produtos e com isso ganhar uma nova imagem no mer- cado. Se ainda houvessem dúvidas quanto à eficácia das campanhas publicitárias que quebram preconceitos e estereótipos, a Unilever deitou-as por terra com a criação dos seus anúncios para a marca. De acordo com uma notícia publicada pelo The Guardian “O segundo maior anunciante do mundo, que gasta 8 mil milhões de euros por ano em mais

de 400 marcas da Sunsilk à Knorr, criou uma estratégia global para destabilizar a sua publicidade e erradicar retratos desatualizados de género.” (Sweney 2016)

Estes anúncios não foram por acaso e têm sido a principal estratégia comunicativa do grupo que engloba diversas marcas de produtos, sendo estes bem-sucedidos junto do público em todo o mundo. As campanhas da marca Dove destacam-se por serem dirigidas ao público feminino em geral, utilizando modelos publicitários de todas as idades, formas e cores, procurando não apenas vender o produto como também tentar moldar a realidade. Com estas campanhas, o posicionamento da marca altera-se e o público feminino não visualiza apenas anúncios em que modelos são os protagonistas. Mulheres normais, do dia-a-dia rotineiro, sem retoques ou Photoshop, que na maior parte dos casos nem são modelos, são protagonistas dos novos anúncios.

A ideia não é só vender, é mudar a criação publicitária e a realidade através do poder que uma marca e uma campanha pode ter. Se uma marca pode ganhar mais terreno, conquistar mais públicos e mudar a sua imagem narcisista, é de valorizar que adote novas formas de divulgar a beleza real, utilizando modelos reais para clientes reais.

No caso de produtos dirigidos ao público masculino a Unilever, que detém também a marca Lynx como é conhecida no Reino Unido, sendo que em Portugal e nos restantes mercados mundiais é denominada Axe, alterou a abordagem dos anúncios da marca, que eram focados na sua totalidade na luxuria demonstrada por grupos de mulheres em relação ao utilizador do desodorizante da marca.

É importante sublinhar o papel da Unilever na mudança de perspetivas publicitárias na criação de anúncios que fogem da regra numa nova forma de vender e responder ao público de forma ética, defendendo a igualdade de géneros e tendo em conta a influência que o ideal de beleza tem junto de mulheres e homens de todas as idades.

Cohen (2015) cita, num artigo do jornal britânico The Telegraph, a visão do CEO da Mediacom relativamente à força que a nova forma de criar publicidade tem no mercado e no mundo publicitário que afirma o seguinte, “Tem havido uma onda de mudança com as marcas a mostrar como realmente são e a colocarem-se ao lado de causas importantes. Antes a publicidade fazia nos desejar. Agora, os anúncios têm de contar estórias, baseadas no que todos nós vivemos” algo com que o diretor de marca na Proctor and Gamble, Roisin Donnely concorda dizendo, "Os anúncios de hoje têm de refletir a nossa realidade e o futuro que queremos. Isso significa mostrar bons exemplos para as mulheres”, ou seja, a publicidade tem um peso enorme na sociedade e na construção da nossa realidade presente e futura, os estereótipos e os papeis desempenhados por ambos os géneros têm

importante influência na mente feminina e masculina não só dos adolescentes, como também das crianças e adultos. (Cohen 2015)

Em vez de projetar papéis sexistas nos espectadores e criar um ideal de beleza ou aspiração profissional para cada um dos géneros, é necessário mostrar a imagem real e fazer chegar a promoção dos produtos de forma honesta, mesmo que carregada dos clichés publicitários que requer uma campanha, pois o principal objetivo da publicidade ainda é vender, e vender uma ideia diferente da que está enraizada, diferente da patriarcal e matriarcal, uma imagem e uma realidade de igualdade e respeito pela diferença.

No Reino Unido, The Committees of Advertising Practice (CAP), que em português se traduz para os Comités de Prática Publicitária, anunciou que a partir de 2018 irá haver uma nova regra que será imposta sobre toda a criação publicitária desde revistas à internet.

A regra, que irá banir todos os estereótipos em anúncios, surge depois de um estudo realizado pela Advertising Standards Authority (ASA), que encontrou evidências em como os estereótipos de género podem restringir as escolhas, aspirações e as oportunidades de crianças, jovens e adultos e que esses estereótipos “podem ser reforçados através de alguns anúncios.” (Gwynn 2017) Ou seja, já não é apenas uma possibilidade, os anúncios podem mesmo influenciar o consumidor a agir de determinada forma.

Ella Smillie, executiva das políticas regulatórias da CAP, é citada no artigo afirmando que a introdução de uma nova regra na publicidade em 2018 vai ajudar os publicitários a saber “onde estabelecer o limite no uso de estereótipos aceitáveis e não aceitáveis” (Gwynn 2017)

Não basta confiar no que os publicitários e as marcas acham corretos, muitas campanhas de grandes marcas foram boicotadas ou censuradas até a inexistência. A existência de uma regra que proíba a criação de anúncios recheados de estereótipos é bom para as marcas e para o mercado publicitário que se torna mais maduro e consciente das implicações que as ideias transmitidas podem ter junto do público.