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3.2 Explicação dos casos concretos segundo a opinião geral

3.2.2 Acidentes não simultâneos

3.2.2.3 Mudança quantitativa

Segundo a opinião comum, nenhum corpo vivo é capaz de aumentar sua massa ou tamanho por si mesmo. Para que o aumento de tamanho ocorra num corpo vivo, é necessário que ocorra a ingestão de outro corpo. Em outras palavras, ao prescindir do alimento, nenhum corpo vivo é capaz de aumentar sua massa. Ao digerir seu alimento, o boi cresce e fica mais forte. Por isso, temos a impressão de que todas as partes do animal foram ativas em seu desenvolvimento. Contudo, segundo Godofredo de Fontaines, conferir a atividade de crescimento exclusivamente ao boi como um todo é algo típico da experiência ordinária. Para ele, tanto a nutrição quanto o crescimento dos animais dissolve-se em duas partes, as quais são ocultas aos nossos sentidos.67

É de comum acordo que, se um animal comesse pedras, as partes do animal que são responsáveis por obter o nutriente dos alimentos nada produziriam. Se assim fosse, o animal seria absolutamente ativo em sua nutrição. Porém, o que distingue o alimento de outras coisas é o fato de que o alimento tem uma capacidade de alimentar substâncias animadas. Desse modo, apenas algumas coisas são consideradas comida em virtude de sua capacidade de nutrição. Ora, se apenas aquilo que é comestível tem a capacidade de nutrir, logo a relação do alimento com o animal não é acidental, mas antes se trata de uma relação causal.68

Conforme Aristóteles, a comida possui dois poderes distintos: [a] o poder de aumentar a massa de um corpo animado; [b] o poder de preservar a substância, ou seja, o poder de nutrição. Além disso, ao tratar da alimentação do corpo animado, a voz passiva predomina no que diz respeito ao corpo, pois assim o Filósofo escreve:

66 EFFLER, 1962, p. 129.

67 Ibid., p.134.

68 EVERSON, Stephen. “Psychology.” In: The Cambridge Companion to Aristotle. Editado por Jonathan Barnes.

Uma vez que nada exceto o que é vivo pode ser alimentado, o que é alimentado é o corpo animado e somente porque ele tem uma alma. Portanto, a comida está essencialmente relacionada com aquilo que tem alma. A comida tem um poder, o qual é distinto do poder de aumentar a massa do que é alimentado por ela, pois na medida em que algo animado tem tamanho, a comida pode aumentar sua quantidade, mas somente na medida em que aquilo que tem alma é algo particular ou uma substância é que a comida age enquanto comida; nesse caso ela mantém o ser daquilo que é alimentado, e o último continua a ser aquilo que é, apenas se o processo de nutrição continuar. Além disso, [a comida] é o agente na geração, isto é, não da geração do indivíduo nutrido, [...], [pois] a substância do indivíduo nutrido já existe; nada gera a si próprio, mas apenas se mantém.69

Dessa forma, podemos dizer que o crescimento é o movimento que ocorre na categoria da quantidade; a nutrição, porém, é o movimento que ocorre na categoria da substância.70 No que diz respeito à nutrição, há fatores que apontam para uma interdependência de causas que parecem realizar a mesma finalidade por meio de uma coadjuvação recíproca. Após os vários processos de purificação do alimento, passagens pelos vasos sanguíneos etc., podemos dizer que os nutrientes estão contíguos à parte do corpo que requer nutrição. Em seguida, a parte do corpo que está carente de algo converte a comida em carne viva, em outras palavras, o nutriente e a parte nutrida tornam-se uma unidade. No entanto, a parte carente só poderá agir se todas as outras partes estiverem funcionando harmonicamente. Nesse sentido, há uma interdependência entre as partes do corpo. Se afirmo que as partes do corpo não são interdependentes, então, os rins de um corpo continuariam agindo, ainda que todo o resto do corpo esteja morto. Portanto, ainda que eu admita que um órgão seja ativo em sua nutrição, tal atividade depende da relação da causalidade com as outras partes.

Segundo Aristóteles, o processo de nutrição envolve três fatores: [a] aquilo que é alimentado; [b] aquilo por meio do qual algo é alimentado; [c] aquilo que é a causa eficiente da alimentação, ou seja, a alma vegetativa. Dentre esses, aquilo que alimenta é a alma vegetativa; o que é alimentado é o corpo que tem uma alma; e aquilo por meio do qual o corpo é alimentado é a comida. De qualquer forma, Aristóteles reconhece uma ambiguidade na expressão “aquilo por meio do qual algo é alimentado”, pois o meio pelo qual algo pode ser alimentado pode ser tanto o alimento quanto aquilo que age sobre o alimento.71 Uma vez que a nutrição envolve três fatores, parece que não podemos afirmar que algo seja o eficiente

69 ARISTÓTELES. Da alma II, 416b 10-15, tradução minha.

70 GERSON, Lloyd P. Aristotle Critical Assessments. v. 1. New York: Routledge Taylor & Francis Group, 1999,

p. 366. Disponível em: <

http://books.google.com.br/books?id=FgG4MQEACAAJ&dq=aristotle+critical+assessment&hl=pt- BR&sa=X&ei=2GrYUKLXMdDI0AGd_4CIDQ&ved=0CEIQ6AEwA >. Acesso em: 11 mar. 2012.

absoluto de sua nutrição, pois, se assim fosse, os corpos vivos se nutririam sem a necessidade do alimento.

Outro argumento que sustenta a passividade do aumento quantitativo repousa na autoridade de Aristóteles. Fundamentando-se no Da alma II, os protagonistas do princípio do movimento dizem: “[...] o alimento nutre enquanto potência substancial, mas aumenta enquanto potência quantitativa; logo, o que aumenta é aumentado pela quantidade de alimento”.72

Depois de estabelecer o pensamento da opinião geral acerca da mudança quantitativa, Scotus passa a abordar, sob a ótica da mesma opinião, a mudança qualitativa.