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5.2 Resposta ao segundo argumento

5.2.3 Resposta às objeções

Scotus concede que o ato virtual, o qual reside num ente em ato formal, é mais perfeito que o próprio ato formal. Contudo, se o ente onde se encontra o ato virtual é limitado, então este ente não é tão perfeito a ponto de excluir do sujeito toda potencialidade em relação ao ato formal, pois a potência formal, enquanto distinta do ato virtual, é considerada uma perfeição que pode ser acrescentada ao sujeito. É dito, por isso, que um sujeito seria menos perfeito caso não atualizasse seu ato virtual em ato formal. Desse modo, um sujeito que possui uma forma em ato virtual está em potência formal para adquirir uma perfeição em maior grau.212

Quanto ao argumento que sustenta que a perfeição formal, já produzida virtualmente, é produzida em vão, Scotus afirma que uma perfeição menor não ocorre em vão em algo que já possui uma perfeição maior. Por outro lado, se o ato virtual reunisse todo grau de perfeição que o sujeito pode possuir, aí sim poderia ser dito que a perfeição formal seria produzida em vão. No entanto, dado que a perfeição maior (ato virtual) é limitada, logo tal perfeição é menor que ela mesma junto com outra. Por outros termos, a perfeição de um sujeito limitado, não importando quão grande tal perfeição possa ser, sempre poderá ser aumentada pela adição de uma perfeição menor. Desta maneira, o sujeito privado de uma perfeição, a qual poderia nele ser acrescentada, é menos perfeito que o sujeito que não foi privado de tal perfeição.213

O argumento anterior traça um paralelo com a relação substância e acidente. É de comum acordo que a substância é mais perfeita que seu acidente. A substância homem, por exemplo, é mais perfeita que seu acidente “conhecer algo”. Todavia, a perfeição excedente da substância não a destitui da potencialidade para com seus acidentes. Assim, a perfeição acidental não parece ser algo supérfluo para a substância, porquanto a perfeição acidental adicionada à perfeição substancial, evidentemente, constitui algo maior que a substância tomada sem seus respectivos acidentes.214

212 DUNS SCOTUS. Questões sobre a metafísica IX, q. 14, § 100. 213 Ibid., § 101.

Quanto ao argumento que sugere a imperfeição de Deus e a corruptibilidade do sol por causa do ato virtual presente neles, Scotus assim responde: 215

[...] com efeito, em Deus o ato virtual é infinito. Assim, se – assumindo o impossível – houvesse nele um ato formal, ele não seria mais perfeito, pois o infinito com o finito não é nada maior que o infinito só.

Para o Doutor Sutil, a perfeição infinita de Deus impede que haja nele qualquer potencialidade que possa aumentar a sua perfeição. A adição de uma nova perfeição introduziria uma composição em Deus, mas a composição é incompatível com sua infinitude absoluta. Não obstante, se admitirmos o impossível, isto é, se uma perfeição, a qual a essência divina contém virtualmente, fosse recebida (atualizada em ato formal) pela própria perfeição divina, a última, de nenhuma maneira, seria aumentada, pois a perfeição infinita acrescida de uma perfeição finita não constitui algo maior que a perfeição infinita nela mesma.216

O ato virtual e o ato formal, como ensina Scotus, não sugerem nenhuma contraditoriedade de um para com o outro, e é por isso que eles podem ser simultaneamente admitidos num sujeito singular. Em alguns casos, porém, a simultaneidade do ato virtual e do ato formal num mesmo supósito pode vir a ser algo impossível; tal impossibilidade, contudo, não é oriunda da natureza do ato virtual nem do ato formal, mas, se porventura ocorrer, então tal impossibilidade provém de alguma outra causa. Quanto a isso, escreve Scotus:

Com efeito, onde quer um desses atos esteja presente e o outro não possa estar, a presença do outro não é a causa desta impossibilidade, mas outra causa especial, a qual se estivesse presente sem o outro ato continuaria a ser causa desta impossibilidade. 217

Quanto ao sol, é dito que este não pode estar em potência formal em relação a vários tipos de perfeição, por exemplo, o calor. Esta impossibilidade não ocorre porque o sol possua virtualmente esta qualidade, mas porque o calor, na visão dos medievais, é uma qualidade própria de corpos corruptíveis. Por conseguinte, a inerência de calor no sol é impossível por causa de sua incorruptibilidade. Assim, a incorruptibilidade dos corpos celestes justifica por que o sol não pode estar em potência em relação às várias formas que são geradas sob sua influência.218

A principal objeção contra o automovimento diz que a mesma coisa não pode estar simultaneamente em ato e em potência em relação a uma perfeição. Por ora, diante das justificativas escotistas, vimos que essa asserção não pode ser sustentada, pois, ao analisarmos

215 DUNS SCOTUS. Questões sobre a metafísica IX, q. 14, § 103. 216 EFFLER, 1962, p. 84.

217 DUNS SCOTUS, op. cit., § 103. 218 EFFLER, op. cit., p. 85.

o exemplo da árvore, a qual se encontra simultaneamente em ato virtual e em potência formal na semente, nota-se que o ato virtual e a potência formal são simultaneamente compatíveis num único supósito. Desse modo, conclui-se que um ente meramente dotado de potência passiva não pode atualizar-se por si mesmo, a não ser que ele possua algo em ato, ou seja, o ato virtual, o qual é capaz de produzir a mudança.

Alegar que a madeira, por exemplo, não é capaz de se inflamar sem a ação de um agente externo, o fogo, é uma verdade empírica. No entanto, isso não parece ser um princípio metafísico. Por outros termos, é possível pensar que a madeira possua em ato virtual o fogo e seja em potência formal o fogo. Se dizemos que a madeira só se inflama devido a um agente externo, esta afirmação está baseada na experiência, e não no princípio metafísico a priori. Portanto, para Scotus, o mesmo sujeito pode, ao mesmo tempo, ser o agente e o paciente da mudança.

Após responder às objeções, Scotus passa a responder ao terceiro argumento.