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3.2 Pressões sobre sistemas lênticos

3.2.4 Mudanças Climáticas

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) estabeleceu no ano de 1988 o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), com o objetivo de estimular pesquisas a respeito dos cenários de mudanças climáticas para o futuro e entender os riscos induzidos por essas alterações na sociedade (MARENGO, 2006).

Ainda existem muitas incertezas nas predições de mudanças, porém existe certo consenso sobre o fato de que a temperatura global do ar irá aumentar no decorrer das próximas décadas (MEEHL et al., 2007; RASMUNHSEN et al., 2009). Em projeções de diferentes cenários de emissões de gases, Meehl et al. (2007) estimam que as temperaturas na superfície do globo podem aumentar entre 1,8 a 4 °C até o final do século XXI.

Estudos demonstram que as alterações climáticas têm forte potencial para ocasionar alterações no ciclo hidrológico, porém existem diversas incertezas nas estimativas realizadas. Por um lado, existem limitações pela falta de dados de séries temporais mais extensas, contínuas e com maior cobertura espacial. Por outro, a variação climática natural e a variação interanual associada com padrões de circulação atmosférica em larga escala influenciam a interpretação de muitas tendências de modo ainda não bem compreendido (UNESCO, 2009).

São esperadas alterações na frequência e intensidade dos eventos de precipitação, levando a maior ocorrência de eventos extremos e maiores períodos secos nos intervalos. As mudanças não se darão de forma homogênea, porém com alterações nos regimes hidrológicos em escalas regionais. Com relação ao sudeste da América do Sul, é esperado um aumento do total precipitado no verão (IPCC, 2007; 2014).

As consequências da mudança climática nas disponibilidades hídricas regionais têm sido abordadas por diversos autores, por exemplo sendo previsto para a região sudeste brasileira um déficit hídrico no maior sistema produtor de água para a Região Metropolitana de São Paulo, o Sistema Cantareira (NOVAES et al., 2017). Na região do semiárido também são previstos cenários de redução da precipitação e aumento das taxas de evaporação, elevando o risco de desertificação em muitos reservatórios (MARENGO et al., 2009).

A influência da mudança climática sobre a qualidade da água e as emissões de gases de efeito estufa vem sendo muito discutida atualmente. O fitoplâncton se torna uma variável muito importante, pois é um fator chave para o ciclo do carbono e para a produção de alimento para os seres heterotróficos, sustentando os estoques de peixes nos ambientes aquáticos. Deste modo, as alterações climáticas nestes seres autótrofos se tornam de grande interesse, tanto no aspecto teórico quanto de gestão dos recursos hídricos (TADONLÉKE, 2010).

Reichwaldt e Ghadouani (2012) afirmam que existe ampla aceitação na comunidade científica do conceito introduzido por Pearl e Huisman (2008), de que as “florações gostam de calor”, que prevê o favorecimento dos processos de eutrofização e a dominância de cianobactérias em um futuro mais quente. Feuchtmayr et al. (2009) acreditam que os sintomas da eutrofização serão aumentados em decorrência do aquecimento da água, incluindo o aumento da biomassa e a redução da riqueza de espécies do fitoplâncton, bem como o aumento de espécies exóticas.

No entanto, Wagner e Adrian (2009) afirmam que essa ideia tem levado a uma generalização simplista, baseada apenas no aumento da temperatura da água. Segundo as autoras, as cianobactérias são um grupo diverso, cujas espécies provavelmente irão responder diferentemente às alterações ocasionadas nos ecossistemas, que por sua vez irão responder de forma diversificada às variações ocasionadas em seus processos de estratificação.

Wagner e Adrian (2009) estimam que a dominância das cianobactérias não se beneficiará em razão da maior temperatura, mas devido aos efeitos indiretos de uma maior estratificação, como o aumento da estabilidade e fornecimento de nutrientes pelos sedimentos. Feuchtmayr

et al. (2009) afirmam que a alteração das temperaturas irá influenciar vários aspectos do ciclo

dos nutrientes, sendo as taxas de entrada nos sistemas afetadas por mudanças na hidrologia.

Em uma revisão de literatura, Jeppensen et al. (2015) afirmam que os efeitos das mudanças irão depender principalmente do clima da região e das mudanças na hidrologia. O autor salienta que apesar dos esforços que têm ocorrido ao redor do mundo para a diminuição do aporte de cargas externas de nutrientes aos corpos hídricos, o aumento das concentrações poderá ocorrer com a menor quantidade de água afluente aos corpos lênticos e com o aumento da recarga interna e da ressuspensão de sedimentos.

A redução do nível d’água de reservatórios, aliada a fatores como a previsão de maior demanda de água para irrigação, poderá ocasionar um forte aumento da salinidade e concentração de nutrientes (JEPPENSEN et al., 2015). De fato, estudos no semiárido

brasileiro demonstram que o déficit chuvoso anual e períodos sem renovação da água são acompanhados por condições eutróficas e florações de cianobactérias (BOUVY et al., 1999; BRASIL et al., 2016).

Em estudo envolvendo 40 açudes na região do semiárido brasileiro, Brasil et al. (2016) estimam que a redução no nível da água durante estiagens é responsável pelos processos de eutrofização existentes, levando a uma maior biomassa e dominância das cianobactérias. Os resultados implicam no fato de que um futuro mais quente e seco previsto para a região poderá reduzir a quantidade e qualidade da água dos inúmeros açudes construídos.

A influência da temperatura no processo de eutrofização pode ser muito dependente do estado trófico em que se encontra o sistema (WAGNER e ADRIAN, 2009; TADONLÉKE, 2010), e alguns autores sustentam a hipótese de que ambientes aquáticos urbanos com diferentes estados tróficos irão responder de forma diferente às mudanças climáticas, acarretando grandes desafios no futuro para os ambientes fortemente eutrofizados (WU et al, 2013).

Tadonléké (2010) utilizando 31 anos de dados de um grande lago monomítico (Lago Geneva – Suiça e França) que experimentou forte mudança na concentração de nutrientes, observou a variação na produtividade primária em relação à temperatura da água, em condições de excesso e escassez de nutrientes. Em condições eutróficas com o TP abundante, foram notadas fortes relações positivas entre os teores de Chl-a e a temperatura da água. Entretanto, tendência oposta foi encontrada nos anos subsequentes, obtendo-se relações nulas ou até negativas em momentos de menores concentrações de nutrientes.

De forma análoga, Wagner e Adrian (2009) utilizando 30 anos de dados de um lago raso eutrófico (Lago Muggelse – Alemanha) objetivaram identificar os principais determinantes das florações de cianobactérias em períodos de estratificação termal, distinguindo entre a influência dos nutrientes e do clima. Quando o meio possuía concentrações de TP variando entre 70 a 215 mg.l-1, foi percebida uma forte probabilidade de dominância de cianobactérias induzida pelo clima, sendo que abaixo e acima deste limiar a probabilidade foi de zero e 80%.

Wu et al. (2013) perceberam uma tendência de aumento da temperatura do ar e intensidade dos episódios de precipitação para as últimas cinco décadas em Pequim (China), sendo neste período notada uma piora na qualidade da água de 4 lagos e reservatórios eutróficos na região. Os autores realizaram análises em curto prazo relacionando variações de parâmetros

meteorológicos e de qualidade da água, e nestas apenas os ambientes eutróficos apresentaram variações consideradas significativas (p < 0,05).

Ambientes eutróficos apresentam maior turbidez e menor penetração da luz da coluna d’água, entretanto Brighenti (2012) observou que no Parque Estadual do Rio Doce (MG) um lago com águas claras se mostrou mais sensível às mudanças na pluviosidade e temperatura do que outro com águas escuras e ricas em matéria orgânica dissolvida colorida. Lagos escuros decompõem mais a radiação solar que chega à superfície, possuindo águas mais frias que os mais claros, já os lagos mais claros possuem penetração mais profunda da radiação solar, sendo consequentemente mais sensíveis às variações no clima (ESTEVES, 1998).