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CAPITULO I – O RIO COMO OBSTÁCULO DO PODER PÚBLICO

CAPÍTULO 2 – O RIO COMO ALIADO DO COMÉRCIO PRIVADO

2.3. A CRISE DE N ATAL COMO CENTRO

2.3.1. Mudanças de Capitais no Brasil durante o século XIX

A Lei de 12 de agosto de 1834, que cria as Assembléias Provinciais no Brasil, indica uma possível crise geral da primitiva geografia do território colonial, que repercutia também sobre a localização original das capitais fundadas antes do período de emancipação. Era necessário reformular o território de uma maneira geral e o primeiro item do décimo artigo desta lei, que fala sobre as responsabilidades de legislação das assembléias, é bem indicativo disto:

Art. 10º - Compete as mesmas assembléas legislar:

§ 1º. – Sôbre a divisão civil, judiciária e eclesiástica da respectiva provín- cia, e mesmo sôbre a mudança da sua capital para o logar que mais con- vier. (Apud: CASCUDO, 1972, p. 94.)

As províncias agora teriam liberdade de escolher o local mais propício para suas ca- pitais, não dependendo mais de uma estrutura centralizadora e distante para definir isso. As primeiras cidades fundadas no Brasil obedeciam principalmente aos interesses militares da coroa portuguesa e os sítios originais desses povoados começavam a revelarem-se inade- quados para a novas necessidades das províncias emancipadas. No início do século XX, o historiador João Ribeiro assim descreveria esse processo:

As primeiras cidades do Brasil começam pelos morros e só tarde des- cem á planície e nunca se formam á borda do mar, e mesmo nos rios, só nos lugares onde não chega o navio de longo curso – essa prudência dos fundadores do século XVI e no seguinte, que foram uma luta interrom- pida pela posse da terra. Assim fundaram-se S. Cristóvão, Olinda, S. Vi- cente, longe-perto do oceano, Baía e Rio (Morro do Castelo) nas eminências; cidades á boca do oceano como Fortaleza, Maceió, Dester- ro, Aracaju, etc. são recentíssimas. (RIBEIRO, História do Brasil: Curso

As administrações locais não ignoraram essa flexibilização. Durante o século XIX, fomentaram-se nas províncias algumas discussões, projetos e até mesmo algumas mudan- ças de capital. Em Alagoas, a capital muda da cidade de Alagoas para Maceió em 1839, em Sergipe, a capital muda de São Cristovão para Aracaju em 1855 e no Piauí, de Oieiras para Teresina em 1857. Os motivos eram basicamente os mesmos: solucionar dificuldades de transporte ocasionados pela localização primitiva das cidades coloniais. As capitais descem para os alagadiços à margem dos principais rios em busca dos melhores portos. (CALAZANS, 1940, p. 44)

Nem sempre essas capitais fundadas na primeira metade do século XIX foram rigo- rosamente planejadas, embora fossem bem mais regulares que os antigos centros coloniais. Em Aracaju, por exemplo, o desenho da cidade constava de 32 quadras de 110 m x 110 m cada uma, com malha viária ortogonal, em traçado de tabuleiro de xadrez. Embora alguns autores propaguem a idéia de que o plano de Aracuju fora concebido a partir de planos urbanísticos de vanguarda na época, este traçado foi escolhido muito mais em função da facilidade com que as ruas podiam ser demarcadas no terreno. Havia, na verdade, uma “pressa” de consumar a capital, já que existia ainda o perigo de a mudança não ser aprova- da pela corte. A urgência fez com que outros planos fossem rejeitados, como uma proposta de esquinas circulares, com ruas mais largas e quadras menores. Ela foi deixada de lado pela comissão de engenheiros responsáveis pela transferência, pois teriam que se destruir várias casas que já estavam prontas e outras que já estavam por construir. (LOUREIRO, 1983, p. 8)

Essas transferências suscitavam debates calorosos e nem sempre aconteciam de maneira pacífica. Os poderes locais das antigas capitais quase nunca concordavam com a proposta, sendo necessário o apoio do governo imperial, que enviava forças militares para garantir a ordem na província.

Na segunda metade do século XIX, as províncias da Bahia e Rio Grande do Norte também tiveram projetos de mudanças de capital, que foram discutidos, estudados e seria- mente considerados.

No caso da Bahia, a integração geográfica e política da província também pesaria na discussão. Na década de 1860 é pensada uma interiorização da capital, chega-se mesmo a formar uma comissão de estudos, chefiada pelo engenheiro João Carlos Greenhalgh, que indicaria o lugar Cascavel para a nova sede da província. Entre os fatores que pesaram na escolha, estava a proximidade das lavras de diamante, então em plena ascensão na econo- mia da província. (MORAES, 2001, p. 37)

Outros fatores entrariam em pauta, como a própria estrutura interna das cidades coloniais, que traduziam um passado a ser esquecido com a independência do Brasil: ruas estreitas, sinuosas e mal asseadas. Essa discussão seria reforçada mais ainda após a procla- mação da república, associando a cidade colonial a um organismo insalubre e representante de um passado mal visto pelos republicanos.

Cabe ressaltar, finalmente, que a discussão sobre a mudança de capitais se insere num debate mais amplo que tinha a ver com a organização político-administrativa e territo- rial das províncias do novo país, debate presente desde a primeira metade do século XIX no Rio Grande do Norte. A lei imperial de 20 de outubro de 1823, por exemplo, ordenava, entre outras coisas, a instalação de uma Comissão de Estatística, que teria por objetivo organizar um plano para a divisão das províncias em varas judiciais, freguesias, povoações, vilas e cidades. Tratava-se, de fato, de uma (re)organização territorial que passava não so- mente pelo estabelecimento ou mudança de capitais, mas também pela definição, elevação ou mudança do status político-administrativo das aglomerações. Esse debate foi intenso também no Rio Grande do Norte. (TEIXEIRA, 2002)

2.3.2. A centralidade posta em cheque: discussões sobre a mudança da Ca-