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Mudanças didáticas e pedagógicas na atual crise do ensino: o que as pesquisas têm

CAPÍTULO 1 MARCO TEÓRICO

1.7. Mudanças didáticas e pedagógicas na atual crise do ensino: o que as pesquisas têm

Como já colocado, até a década de 1980, o aluno era apontado como principal responsável pelo “fracasso escolar”, visto que os que não obtinham sucesso na alfabetização eram rotulados como aqueles que não alcançaram a “prontidão” necessária para aprendizagem da leitura e da escrita, até então concebida como a aprendizagem de um código. Entretanto, a partir da década de 1980, diversos estudos parecem apontar os materiais didáticos e as práticas de ensino do professor como promotoras de uma pedagogia tradicional e responsável pelos altos índices de crianças que saem da escola sem saber ler e escrever.

Neste contexto, a forma de pensar sobre a alfabetização tomou novos caminhos com a colaboração de pesquisas nas áreas da psicolingüística, análise do discurso, lingüística, etc. Desta forma, mudanças conceituais surgiram em torno do aprendizado da língua escrita, o que ocasionou a existência de um novo fenômeno, a “desinvenção da alfabetização” (cf. SOARES, 2004).

Detendo nosso olhar nas teorias sobre alfabetização, a partir dos estudos da psicogênese, vemos que o foco de discussão passou a ser o processo de aprendizagem pela criança e deixou-se de lado o ensino sistemático envolvendo o objeto de aprendizagem, o SEA. Este ensino assumiu, para muitos, um caráter simplista, e acreditava-se que a criança iria desvendar o SEA aos poucos e que precisaria de um mínimo de intervenção do adulto. “Privilegiando a faceta psicológica da alfabetização, obscureceu-se a faceta lingüística- fonética e fonológica” (SOARES, 2004, p.11). Como também a discussão em torno dos métodos fez com que, muitas vezes, não se discutissem quais metodologias poderiam ser utilizadas, a fim de garantir a aprendizagem da leitura e da escrita. “Talvez se possa dizer que,

para a prática da alfabetização, tinha-se, anteriormente, um método, e nenhuma teoria, com a mudança de concepção sobre o processo de aprendizagem da língua escrita, passou-se a ter uma teoria e nenhum método” (SOARES, 2004, p.11).

Nesse sentido, durante muito tempo, o uso de materiais que sistematizavam o ensino, como os livros didáticos de alfabetização, passou a estar vinculado a uma prática tradicional de ensino (cf. MORAIS & ALBUQUERQUE, 2005).

A alfabetização, diante desse quadro, perdeu a sua especificidade, e com os estudos sobre letramento, um novo caráter foi dado a esse processo, de modo que muitas vezes priorizam-se as práticas de letramento em detrimento do ensino sistemático envolvendo o nosso SEA. Entretanto, Soares (2004) propõe alguns pontos a serem pensados com o objetivo de se reconhecer a especificidade da alfabetização:

- A necessidade de reconhecimento da especificidade da alfabetização, entendida como um processo de aquisição e apropriação do sistema de escrita;

- A importância de que a alfabetização se desenvolva no contexto de letramento;

- Reconhecimento de que alfabetização e letramento têm diferentes dimensões, ou facetas; a natureza de cada uma delas demanda uma metodologia diferente.

- Necessidade de se rever e reformular a formação dos professores de modo a torná-los capazes de enfrentar o fracasso escolar (p.16).

Diante do que foi colocado, percebemos a relevância da sistematização do ensino para a aprendizagem do nosso SEA. Nesse sentido, é importante examinarmos ainda mais as mudanças didáticas e pedagógicas surgidas a partir da década de 1980, em virtude dessas novas teorias sobre alfabetização.

A fim de melhorar o processo de ensino-aprendizagem, assistimos, mais recentemente, a uma política de avaliação dos livros didáticos adquiridos para as redes públicas brasileiras. Buscando promover a qualificação daqueles materiais, com a instituição do PNLD (Programa

Nacional do Livro Didático), a SEF-MEC tem atribuído a pesquisadores, professores de instituições universitárias, a tarefa de estabelecer critérios, julgar a qualidade e recomendar / excluir os manuais didáticos a serem usados no ensino fundamental, aí incluídos os “livros de alfabetização”, substitutos das cartilhas tradicionais.

Nesse sentido, O PNLD 2004 revelou, segundo Morais e Albuquerque (2005), que, nos novos livros de alfabetização, se explicitava

(...) uma adesão de seus autores, no plano do discurso, às mais recentes perspectivas teóricas nas áreas de lingüística e psicologia. Assim nos manuais do professor, todos os novos livros se declaravam construtivistas ou socioconstrutivistas e faziam referência explícita ao papel da diversidade textual e da imersão no mundo letrado desde o início da escolarização, no processo de alfabetização (p.154).

Contudo, alguns livros didáticos tentam mascarar a sua concepção de ensino- aprendizagem. Para isso, inserem diversos textos, muitas vezes, sem nenhum objetivo didático e disfarçam suas páginas, deixando de realizar um ensino sistemático, envolvendo a sílaba, para não se assemelhar com as antigas cartilhas tradicionais (cf. CABRAL & MORAIS, 2005). Esses pesquisadores, com o objetivo de analisar quais aspectos eram priorizados nas atividades de ensino do sistema de notação alfabética de livros didáticos “Recomendados com Ressalvas” pelo MEC-PNLD 2004, analisaram três livros de alfabetização. Eles constataram uma dificuldade dos autores dos LDs em realizar atividades que levassem à reflexão sobre a estrutura fonológica das palavras e sua relação com a notação escrita. Havia muitas atividades de “cópia de palavra”, “escrita de palavra” e “leitura de palavra” em detrimento do trabalho de reflexão sobre as partes que compõem a palavra. Apesar dos LDs apresentarem muitos textos, esses não foram explorados ao longo do livro didático e em um dos livros a maioria dos textos eram cartilhados.

Por outro lado, os autores de outros livros didáticos de alfabetização dão uma maior ênfase ao eixo do letramento e, no que se refere à apropriação do SEA, poucas são as atividades propostas envolvendo esse eixo. Nesse sentido, muitos professores, dizem optar por não utilizar os livros didáticos, pelo fato desses não desenvolverem atividades sistemáticas que levem os alunos a refletirem sobre o SEA. Por isso, muitos docentes recorrem a outros materiais didáticos ou mesclam atividades de diferentes livros (cf. MORAIS & ALBUQUERQUE 2005).

Santos e Morais (2007) tiveram como objetivo analisar o porquê dos professores utilizarem ou não os novos livros didáticos de alfabetização recomendados pelo PNLD 2000/2001 em relação ao SEA. Para isso, realizaram entrevistas estruturadas e aprofundadas com 36 professoras de três redes públicas municipais de ensino: Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe e Recife. Os dados obtidos revelaram que as professoras vinham enfrentando grandes dificuldades quanto ao uso efetivo dos livros didáticos oficialmente adotados. Constataram, ainda, a ausência de um ensino sistemático do SEA que investisse no desenvolvimento de habilidades de reflexão fonológica, sem necessariamente empregar os métodos tradicionais de alfabetização. Para as docentes, o LD priorizava o eixo da leitura e produção de textos, em detrimento de atividades que levassem o aluno a refletir sobre as propriedades do sistema alfabético.

Percebemos, nessas pesquisas, que os autores dos livros didáticos procuravam, de alguma forma, inovar em suas atividades. Todavia, em alguns LDs havia mais atividades envolvendo o SEA, mas sem levar o aluno a refletir sobre a palavra e, em outros, havia um trabalho na perspectiva do letramento, com poucas atividades envolvendo o SEA. Ficava clara a dificuldade de didatizar, de formar articulada, as novas teorias, de modo a garantir que, no final do ano letivo, os alunos estivessem alfabetizados. Contudo, os livros vêm mudando e

boas atividades podem ser encontradas neles. Nesse sentido, julgamos importante que as avaliações dos LDs sejam ainda mais rigorosas e que, nos momentos de formação continuada, também seja destinado um momento para os professores refletirem sobre o uso desse material em sala. Diante desse quadro, é importante nos questionarmos: e os professores, o que fazem no universo da sala de aula, diante de tantas mudanças e contradições?

Em uma pesquisa sobre práticas de alfabetização, Albuquerque, Morais e Ferreira (2006) observaram aulas e desenvolveram uma técnica de grupo focal com nove professoras de alfabetização (1º ano do primeiro ciclo) da Secretaria de Educação da Cidade do Recife, no ano de 2004. Para isso, tiveram como objetivo analisar como as práticas de ensino da leitura e da escrita têm se caracterizado atualmente, na perspectiva da alfabetização, tomando como eixo de investigação a “fabricação” do cotidiano escolar pelas professoras alfabetizadoras. Após as observações, categorizaram as práticas das docentes em três tipos: sistemáticas, aquelas que apresentaram um trabalho sistemático de apropriação do sistema de escrita alfabética, pois contemplaram, em todos os dias observados, algumas das atividades relacionadas a esse eixo); intermediárias (as práticas que equilibravam as atividades de leitura e produção de textos com as de apropriação do SEA) e assistemáticas (as práticas que priorizavam as atividades de leitura e produção de textos e que contemplaram muito pouco atividades relacionadas à apropriação do SEA). Os resultados alcançados nessa pesquisa mostraram que as práticas das professoras relacionavam-se: às suas experiências de formação, a uma determinada maneira de entender o processo de alfabetização, às suas histórias de vida. Além disso, elas demonstravam ter um razoável conhecimento das propostas didáticas que privilegiam a realização de práticas de leitura e produção textuais, desde o início da escolarização formal. As docentes cujas práticas foram classificadas como assistemáticas priorizavam um trabalho com leitura de textos e se preocupavam com a diversidade de

gêneros, mas não realizavam um ensino sistemático para a apropriação do SEA. Além disso, também constataram que a maioria das professoras não utilizavam o livro didático adotado pela rede, por acreditar que o mesmo não seria para alfabetizar seus alunos.

Um outro ponto que preocupa bastante os professores é a questão de como trabalhar no novo sistema de regime ciclado, implantado pela Prefeitura da Cidade de Recife, no ano de 2001. Julgamos que muitos deles parecem não entender o sistema de ciclos nem o regime da progressão automática.

Oliveira (2006) desenvolveu uma pesquisa com o objetivo de analisar como estava ocorrendo o ensino e a avaliação do aprendizado do SEA no contexto das mudanças teóricas e da implantação do Sistema de Ciclos em Recife. Para isso, ela analisou práticas de ensino e de avaliação no regime ciclado, empregando entrevistas focais com nove professoras de três escolas daquela rede de ensino. Além disso, ela também analisou o diário de classe das mestras. Seus achados apontaram que, quanto às formas de ensino da língua portuguesa, no 1° ciclo, sete das nove professoras afirmaram priorizar atividades partindo sempre do ensino do texto e, dessas sete, duas partiam do texto para, depois, trabalhar as palavras dentro deste. Por outro lado, o trabalho com produção de textos ocorreu apenas na prática de quatro professoras. Duas professoras falaram realizar ditados em sala, a fim de que os alunos discutissem sobre a escrita das palavras. Desta forma, ela identificou que as professoras do primeiro ano do ciclo preocupavam-se mais com as atividades de apropriação do sistema do que com a produção de textos. Elas pareciam adiar essa atividade para os anos posteriores. Entretanto, nos outros anos, as professoras também realizavam atividades envolvendo a apropriação do sistema alfabético, tendo em vista que muitos alunos ainda não tinham dominado os seus princípios.

De um lado, “novas teorias”, sem nenhuma proposta metodológica, do outro, “antigos métodos de alfabetização”, pautados na teoria associacionista de aprendizagem. Na atual conjuntura, faz-se necessário pensar em programas que discutam as práticas de alfabetização, tentando compreender que táticas os professores utilizam em sala e se essas táticas permitem aos alunos, no final desse processo, terem se apropriado dos princípios do SEA. A isso nos dedicaremos no próximo tópico.