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MUDANÇAS E CONTINUIDADES: O NEGÓCIO DO SEXO, O SEXO COMO

A “indústria do sexo” como propõe Scambler & Scambler (1997), tem passado por transformações que se vinculam ao contexto cultural, político, e sócio-econômico das sociedades em que se insere. Esse processo revela-se marcado a um só tempo pela inovação e pelo tradicionalismo. Uma circunstância que não se restringe somente à esfera da prostituição, sendo antes o reflexo desse momento histórico específico que, de acordo com diferentes pensadores, constitui a “pós-modernidade”.32 De finais do século XIX até boa parte do século XX o estigma em relação à prostituição e os sujeitos que a ela se dedicavam pode ser apontado como elemento principal a caracterizar a atividade, na época. No último quarto do século XX, destacam Scambler & Scambler (1997, p. 10), embora o estigma em relação à prostituição não tenha cessado, “a criação de

espaços práticos e intelectuais para as vozes das mulheres prostitutas” em

conseqüência do aparecimento dos movimentos sociais de defesa de seus direitos, aparece como o elemento distintivo do período. (Brum & Krieger, 2000; Brum &Ferreira, 2000; Correio..., 1995; 2001b; Da Paz, 2002; Drago, 2001; Edward, 2000; Folha..., 2000d; Guerra, s.d.; Oliveira, 2001; Padilha, Pinsky & Vieira, 2000; Rodrigues, 1997; Seixas, 2001c)

Fenômeno sui generis e claramente distinto das práticas de comércio sexual envolvendo mulheres, existentes até então, a prostituição, a partir das últimas décadas do século XX, vem sendo retirada parcialmente da obscuridade e

32 As transformações em curso nas sociedades ocidentais são objeto das reflexões de diversos

autores, preocupados em pensar as mudanças na contemporaneidade. As distintas abordagens são desenvolvidas através de categorias tais como: “pós-modernidade” (Berman, 1986), “modernização reflexiva” (Beck, 1997), “lógica cultural do Capitalismo tardio” (Jameson, 1996), “alta-modernidade” (Featherstone, 1994) ou "postradicionalismo" e "modernização reflexiva” (Giddens 1991; 1992; 1997). Com exceção de Giddens que enfatiza as mudanças na esfera das relações de gênero, os demais autores situam os aspectos mais relevantes nas mudanças ocorridas: no campo econômico (Harvey, 1993) e no âmbito da cultura (Jameson, 1997). Todos entretanto são unânimes em apontar mudanças substantivas nas sociedades ocidentais havendo uma certa convergência no sentido do reconhecimento da perda de legitimidade de explicações universalizantes, como uma característica desse momento. Uma incursão mais detalhada em tais reflexões foge porém ao propósito do presente estudo até mesmo por sua complexidade e extensão. Elas serão enfocadas aqui somente na medida em que contribuam diretamente para o entendimento das transformações ocorridas no âmbito da prostituição.

invisibilidade características dos dois últimos séculos, sob a reivindicação de ser reconhecida como “um trabalho como outro qualquer”, que requer enquanto tal o respaldo e amparo legal para aquelas e aqueles que a exercem. (Chapkis, 1997; Correio, 2001a; 2001b; Da Paz, 2002; Drago, 2001; NSWP, 1997; T.F.P., 1996).

Um processo de transformações, sem precedentes, alcançou os países ocidentais, na segunda metade do século XX, e teve um ponto de inflexão na década de 1960. A ascensão do hedonismo, o ressurgimento dos movimentos feministas e as crescentes reivindicações em prol da igualdade sexual entre homens e mulheres, que os acompanharam, engendraram uma nova relação da sociedade com o sexo e em, especial, um novo posicionamento das mulheres com relação à questão. A difusão massiva dos anticoncepcionais e a progressiva liberação das mulheres ocorrida nesse contexto produziram profundas alterações no comportamento e nas atividades sexuais. Restritos durante longo período ao âmbito estritamente privado, a sexualidade e o sexo adentraram de forma contínua e irreversível para o domínio público. De maneira até então nunca vista as mulheres passaram a reivindicar igualdade com os homens.33 (Giddens, 1991; Roberts, 1998).

O negócio do sexo, ou a “indústria do sexo” como propõe Scambler & Scambler (1997), se expandiu de maneira até então nunca vista e se profissionalizou ocupando um espaço no mundo business, extremamente significativo em termos do montante de recursos financeiros movimentados. Hoje envolve um conjunto diversificado de atividades dentre os quais se inclui a prostituição clássica34 em suas diferentes modalidades e a pornografia, mas também a proliferação de casas de massagem, a venda de sexo via Internet, televisão e jornais, o comércio de acessórios sexuais diversos, a criação e manutenção dos diferentes recursos midiáticos, o tráfico sexual, entre outros. (Borges, 1996; Correio..., 1998b; Correio..., 2001d; Correio..., 2001e; Drago,

33 Apesar da centralidade do movimento feminista e das discussões relacionadas à desigualdade

de gênero para a colocação do debate sobre a prostituição em parâmetros distintos daqueles tradicionalmente hegemônicos e para o movimento em prol da re-significação da atividade, não se fará neste trabalho um recorrido, em termos de literatura, sobre a relação entre prostituição e gênero.

34 Por prostituição clássica estou entendendo a realização contumaz de atividade sexual com

2001; Guerra, s.d.; Largura, 2001; Oliveira, 1996; 2001; Roberts, 1998; Seixas, 2001a; 2001b; Weitzer, 2000).

Em se tratando da prostituição, a primeira modificação que se pode apontar é a inclusão de novos sujeitos na discussão da questão. Até então restritas basicamente a juristas, médicos e policiais as discussões passaram a contar com a participação ativa de feministas. Embora o posicionamento inicial das feministas com relação ao assunto tenha se caracterizado por uma crítica contundente à prostituição, que entendiam ser parte e reflexo da opressão feminina, o fato de elas começarem a problematizar a questão constituiu um fato importante, pois finalmente havia mulheres debatendo o tema, de modo mais sistemático. (Chapkis, 1997; Roberts, 1998; Sullivan, 1995).

As abordagens feministas sobre a prostituição, que surgiram ao longo das últimas décadas do século XX, apresentaram múltiplas variações, mas não fizeram refluir o conflito que caracterizou desde o início, a relação entre prostitutas e feministas. (Briones, 1995; Escobar, 1992; Juliano, 2002; Renton, 1990; Roberts, 1998; Scambler & Scambler, 1997; Sullivan, 1995; Szterenfeld, 1992; Trapasso, s.d.; T.F.P., 1992). Ao contrário, em muitas oportunidades tornou-o mais acirrado. Não obstante, a inclusão desse segmento nas discussões propiciou um arejamento no debate relacionado à prostituição, bem como abriu caminho para a luta em prol da descriminalização da prostituição. Apesar dos conflitos, essa nova conjuntura tornou possível até mesmo a construção de uma aliança entre determinadas vertentes feministas e as organizações de prostitutas que surgiram nesse contexto. (Marshall & Marshall, 1993; Scambler & Scambler, 1997; Trapasso, s.d.; Weitzer, 2000).

A ampliação da adesão à democracia e à cidadania enquanto valor, na contemporaneidade, foi fator fundamental para a emergência no espaço público dessas alteridades - confinadas até então ao espaço privado - que reivindicavam acesso às esferas públicas, num movimento de serem reconhecidas pela sociedade enquanto sujeito de direitos. No caso dos movimentos das prostitutas, o ressurgimento do feminismo, na década de 60, foi crucial ao proporcionar um espaço para que estas mulheres viessem a público, trazer a debate questões relacionadas ao universo da prostituição. É a criação das organizações de defesa

dos direitos das prostitutas que emerge, pois, como o elemento mais significativo referente à prostituição neste momento histórico.35 Ao mesmo tempo as condições que propiciaram o surgimento dessas entidades revelam a continuidade de uma série de elementos relacionados à prostituição, característicos dos períodos anteriores. (Alvarez & Teixeira Rodrigues, 2001; Giddens 1991; Lipovetsky 1986; 1994).

Este processo, documentado e debatido amplamente no campo das ciências sociais, e pelos meios de comunicação, tem logrado produzir mudanças importantes no campo das políticas públicas como também nas representações sociais acerca da prostituição, ensejando o aparecimento da “puta respeitosa”, segundo a denominação de Lipovetsky (1997). Paralela e simultaneamente porém, a prostituição convive com políticas e movimentos de tendências moralistas cujo efeito discriminatório rebate fortemente sobre as mulheres que a exercem. Percebidas como imorais, um perigo e uma ameaça à feminilidade considerada “normal”, as prostitutas são, freqüentemente, excluídas socialmente, marginalizadas e sofrem com o “estigma de puta”. (O´Neill, 1997).

De acordo com Lipovetsky (1994), a reprovação social relativamente menor de que tem sido alvo a prostituição ocorre em função da liberação das representações do sexo que caracteriza a “cultura pós-moralista”.36 Isto não significou que tenha ganhado legitimidade, mas tão somente que perdeu o sentido de abjeção a que era associada até então. A lógica indulgente que permeia a “cultura pós-moralista” e o reconhecimento do direito de cada um sobre seu corpo não levaram ao reconhecimento social do comércio sexual, talvez por “tradição de

longa duração” ou pelos próprios valores individualistas que tendem a valorizar a

35 De acordo com o Ministério da Saúde (2002), (http://www.ms.gov.br/aids) as primeiras

referências à organização das profissionais do sexo, datam de um período bem anterior. Mais precisamente, do século XIX, na Inglaterra, quando uma feminista inglesa se mobilizou contra os maus tratos de profissionais do sexo por parte de policiais e clientes. Ainda que se registre esta iniciativa, ela não passou de uma ação isolada que não logrou maiores reprercussões nem teve continuidade.

36 O adjetivo “pós-moralista” é utilizado pelo autor para definir nossas sociedades por entender que

a revitalização ética peculiar ao momento atual, baseia-se não mais na cultura do dever absoluto mas em uma demanda por direito. Para ele, nas “sociedades do pós dever”, os valores positivos antes reconhecidos - você deve - dão lugar à valores negativos - não fazer. A revitalização ética traduz assim o triunfo de uma ética não sacrificial, compatível com a cultura individualista.

liberdade privada e desvalorizar práticas e comportamentos associados a objetação do corpo e a idéia de uma “servidão íntima”.

Nessas circunstâncias¸ segundo o mesmo autor, a prostituição aparece fundamentalmente como uma indignidade social, pois remete à submissão da mulher, que carece de proteção não de dignidade. É essa circunstância que parece propiciar a emergência e consolidação das organizações de defesa dos direitos das prostitutas. Nem tudo, porém, é igualmente legítimo, “o individualismo

é produtor de “regras” que, mesmo sendo menos moralizantes, menos drásticas, menos seguras delas mesmas, não deixam de organizar e estruturar a relação dos sentidos carnais”. (Lipartsky, 1994, p. 80).

Se de fato pode-se constatar, contemporaneamente, um menor rechaço por parte da sociedade, especialmente em relação à prostituição feminina, essas mudanças não alteram o fato de as mulheres que trabalham como prostitutas serem percebidas, via de regra, como mulheres más. Circunstância que faz com que essas mulheres se tornem vítimas de abusos e violências de fregueses, policiais ou simples transeuntes. (Escobar, 1992; O´Neill, 1997; Roberts, 1998).

Assim, embora se concorde com Lipovetsky no que se refere à flexibilização da moral sexual, se entende como O´Neill (1997, p. 07) que, a prostituição continua ainda a ser percebida na sociedade contemporânea como um crime contra a moralidade, embora não seja ilegal. As mulheres que a exercem, consideradas imorais e uma ameaça à feminilidade “desejável e

adequada”, são por isso excluídas socialmente e marginalizadas. Ao

permanecerem à margem da sociedade e moralmente suspeitas, continuam a ser, freqüentemente criminalizadas. É em virtude dessas circunstâncias que muitas mulheres, a fim de livrar-se dos problemas associados com o “estigma de puta”, optam por levar uma vida dupla.

O tratamento dispensado pela polícia às prostitutas ilustra exemplarmente a continuidade do processo de estigmatização dessas mulheres. Assim como constatado em nossa pesquisa e também identificado por Roberts (1998, p. 356) em relação à polícia inglesa, a atitude policial, atualmente, ainda varia da “indiferença ao direito legal das prostitutas à proteção”, à cumplicidade com aqueles que as agridem sexual e fisicamente. Essa postura da polícia, assinala a

autora, expressa por ocasião da ocorrência de uma série de estupros de prostitutas e não prostitutas, na década de 1980 na Inglaterra, decorria da crença de

“ que algumas mulheres - as prostitutas - são culpadas e merecem morrer. Culpadas de que crime? de um “crime” que é realmente legal em quase toda nação ocidental - a prostituição. (...) atrás da fachada aparentemente civilizada da lei, seu espírito [da polícia] ainda decreta que as prostitutas - e qualquer mulher que possa se ajustar nessa categoria - são “culpadas” do seu estigma, e que uma morte odiosa e bárbara é uma punição adequada para sua culpa”.

(Roberts, 1998, p. 357).

Roberts (1998) destaca ainda que, se é fato que há permissão cada vez maior para a exibição sexualizada dos corpos das mulheres em cartazes de propaganda, cinema e vídeos, no caso das ”mulheres de carne e osso” as restrições continuam a imperar. O policiamento dos corpos das mulheres ocorrido concomitantemente às campanhas antiprostituição, em fins do século XIX e primeira metade do século XX, ainda repercutem hoje em dia.

Ou seja, falar sobre a prostituição na atualidade ainda é falar sobre o bem e o mal; a questão continua a ser permeada pelo moralismo. O cenário que determina a inserção social estigmatizada das prostitutas se caracteriza pela continuidade de práticas e relações sexuais e sociais desiguais e opressivas e inclui ainda a feminização crescente de pobreza, as desigualdades nas relações de gênero, a violência masculina, e o acesso diferenciado de homens e mulheres à educação, saúde, emprego, renda, e oportunidades de treinamento. (Escobar, 1992; Roberts, 1998; Scambler & Scambler, 1997; Sullivan, 1995; Weitzer, 2000).

De igual modo é fundamental atentar para a diversidade em que a prostituição se concretiza. Isto por que as diferentes modalidades em que a prostituição se realiza acarreta uma série de diferenciais nas condições encontradas pelas mulheres que se dedicam à atividade. Há que se considerar, entretanto, que se a inserção diferenciada das mulheres em uma ou outra modalidade de prostituição determina sua maior ou menor exposição à discriminação e ao preconceito, a revelação da condição de prostituta tende a

igualá-las em termos do estigma a que são submetidas. Nesse sentido, todas as mulheres que se dedicam à prostituição se defrontam em maior ou menor intensidade com tal situação, independente de qual modalidade se inserem.

Ou seja, se de um lado se registrou uma mudança no cenário e atores presentes nos debates acerca da prostituição, a situação de discriminação e violência policiais e a exclusão social das mulheres que viviam da atividade pouco se modificaram, em relação ao quadro de final do século XIX e a primeira metade do século XX. De igual modo, não se nota grandes alterações em termos da origem social e do perfil sócio-econômico das mulheres que se dedicam à prostituição. Independentemente de estarem inseridas nos extratos mais caros da prostituição ou no baixo meretrício, via de regra, as prostitutas são oriundas das camadas populares ou da classe média baixa, tendo como traço comum entre ambas, a baixa escolaridade. Os fatores que determinam o segmento de prostituição em que se inserem estão relacionados, antes e fundamentalmente, aos contatos que fazem, à idade e a beleza. (Alvarez & Teixeira Rodrigues, 2001; Barreto, 1994; Folha..., 2000e; Gaspar, 1985).

Examinemos nos itens que se seguem dois aspectos ilustrativos desse processo contraditório em que se encontra a prostituição na contemporaneidade: o florescimento das organizações e movimentos sociais de defesa das prostitutas, de um lado, e o modo como a violência e a discriminação da polícia se fazem presentes no cotidiano das mulheres inseridas na prostituição.

4.1. – O SURGIMENTO DAS ASSOCIAÇÕES DE DEFESA DOS DIREITOS DAS PROFISSIONAIS DO SEXO

As diferentes experiências de organização, ocorridas no âmbito nacional e internacional, a partir da década de 1970,37 tiveram como questão central e

37 Margot St. James, uma prostituta norte-americana, foi quem primeiro se manifestou

publicamente em defesa dos direitos das profissionais do sexo. Sua atuação determinou tanto a criação do COYOTE, em 1973, uma organização de fundamental importância para o movimento

unificadora a luta contra a discriminação e a violência, inclusive policial, e pelo reconhecimento da cidadania das mulheres prostitutas. Foi, portanto, a continuidade de ações, políticas e comportamentos característicos do século XIX e da primeira metade do século XX, que impulsionou a emergência da grande inovação ocorrida no âmbito da prostituição. Essas entidades se mobilizaram em torno do combate às percepções dominantes sobre o tema, afirmando a capacidade de autodeterminação das mulheres e propugnando o reconhecimento da prostituição enquanto atividade comercial e das prostitutas como “trabalhadoras do sexo”. No Brasil, os movimentos, inicialmente, adotaram o termo “profissionais do sexo”. Mais recentemente, algumas lideranças têm propugnado o resgate do termo “prostituta”, por entenderem que a terminologia adotada, de certa forma, acaba por mascarar, antes que enfrentar o estigma que sempre perpassou a prostituição. De acordo com o presidente da Rede Nacional de profissionais do sexo, resgatar a denominação prostituta, significa, neste sentido, confrontar diretamente o preconceito e a discriminação, ao mesmo tempo em que valorizar as mulheres que sobrevivem da prostituição, sem eufemismos. 38 Esse movimento, localizado inicialmente e com maior expressão nos EUA, França e Inglaterra, agregou, em articulações e parcerias múltiplas e diferenciadas, prostitutas, clubbers e ativistas feministas e deu margem à emergência de grupos com posições diferenciadas, e eventualmente, conflitantes, acerca do fenômeno e da diretriz política a ser implementada. (Alvarez & Teixeira Rodrigues, 2001; Azeredo 1995; Chapkis, 1997; Escobar 1992; Farley & Hotaling, 1995; Marshall & Marshall, 1993; Ministério da Saúde, 2002; N.S.W.P., 1997; Roberts, 1998; Scambler & Scambler, 1997; Sullivan, 1995; Trapasso, s.d).

A discriminação e a violência policial, uma constante no universo cotidiano das prostitutas brasileiras em períodos anteriores e na história recente, também constituiu o impulso determinante para que surgissem as primeiras organizações. Em finais da década de 1970, ocorreu a manifestação de prostitutas que atuavam na chamada “Boca do Lixo” em São Paulo, contra a violência policial capitaneada por um delegado responsável pela área. A partir de então, por iniciativa das nos Estados Unidos, quanto a formação do grupo responsável pela criação, em 1975, em Paris, do Comitê Internacional pelos Direitos das Prostitutas – ICPR. (Renton, 1990; Roberts, 1998).

lideranças emergentes, foram organizados uma série de fóruns locais de discussão, com vistas a mobilizar as “profissionais do sexo” em relação às questões diretamente vinculadas ao exercício da profissão. Esse processo resultou na realização, em finais de 1980 do I Encontro Nacional de Prostitutas, na cidade do Rio de Janeiro. A criação e legalização de associações em diferentes Estados, como estratégia para garantir o reconhecimento público da profissão e a cidadania das “profissionais do sexo” constituiu o principal compromisso assumido naquele fórum. (Barreto, 1995; Bazzo, 1990; Castro, 1993; Leite, 1995; Ministério da Saúde, 2002; Moraes, 1996).

Como resultado dessa mobilização foi criada ainda em 1987, ano de realização do Encontro, a primeira associação brasileira de prostitutas - a Associação da Vila Mimosa, do Rio de Janeiro, legalizada no ano seguinte. Dois anos depois, durante o II Encontro Nacional de Prostitutas nasceria a Rede Nacional de Profissionais do Sexo, que assumiria a tarefa de impulsionar a formação de associações em outros Estados da Federação. Nos anos seguintes um conjunto de entidades foi criado nos diversos Estados Brasileiros, destacando- se como principais a Associação das Prostitutas do Ceará (1990), o Grupo de Mulheres da Área Central (1990), a Associação Sergipana de Prostitutas (1991), a Associação das Damas da Vida do Estado do Rio de Janeiro (1993) e, o Núcleo de Estudos da Prostituição no Rio Grande de Sul (1993). Atualmente a Rede Nacional contra com 23 entidades filiadas. (Castro, 1993; Diário..., 2003; Leite, 1995; Ministério da Saúde, 2002).

Os paradoxos experimentados pela sociedade brasileira que, a um só tempo, propiciava espaço de fala e articulação para a emergência dessas alteridades e mantinha uma legislação civil e penal, calcadas em valores do século anterior, repercutiram diretamente no processo de formalização dessas entidades. Isto porque, ao se colocarem claramente como organizações de defesa dos direitos das prostitutas elas se viam impedidas de obter registro legal, sob pena de serem enquadradas no Código Penal por “favorecimento da prostituição” (conforme previsto no artigo 228). Essa situação, enfrentada também

pela associação que se tentou criar no Distrito Federal39, foi contornada por várias dessas entidades omitindo-se de suas denominações quaisquer referências à prostituição – como se pode verificar no nome adotado pela Associação das Prostitutas da Vila Mimosa e a das prostitutas de Belém do Pará. (Vários, 1994).

Além dos problemas enfrentados com a polícia, o surgimento das entidades de defesa das prostitutas, no Brasil, assim como em parte expressiva de outros países da América Latina e da África, esteve vinculado decisivamente ao surgimento da epidemia de HIV/Aids. Particularmente às ONG’Aids surgidas a partir da década de 1980 em diferentes países desses continentes, que desenvolvera programas junto a segmentos considerados “de risco” e impulsionava a estruturação de entidades e o surgimento de movimentos sociais de prostitutas. (Alvarez & Teixeira Rodrigues, 2001; Azeredo, 1995).

Vale notar que, embora a violência, particularmente aquela proveniente das instituições policiais, tenha se constituído no impulsionador inicial do surgimento dessas organizações, o fato de elas terem se consolidado em torno do desenvolvimento de ações voltadas à prevenção e ao combate ao HIV/Aids, provocou um redimensionamento da questão da violência. Esse processo significou, num primeiro momento, colocar o problema em segundo plano, embora os incidentes envolvendo discriminação e violência policial continuassem a acontecer.40 O rebatimento de tais situações nas condições de saúde e segurança das mulheres e o próprio amadurecimento das entidades foram fatores fundamentais para que a discussão sobre a violência sofrida pelas “profissionais

do sexo” fosse resgatada e situada dentro do debate mais amplo acerca da

dignidade e dos direitos das mulheres que exercem a prostituição.

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