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As mudanças nos papeis parentais

A família contemporânea tem passado por diversos processos de transformação. Sendo assim, ela tem se apresentado de uma maneira cada vez menos uniforme e mais complexa, com diversas conjunturas relacionais. Diversos autores, em seus estudos, concordam com essa multiplicidade de modelos familiares que se apresentam: famílias divorciadas, recasadas, adotivas, monoparentais, homossexuais, chefiadas por homens ou mulheres, com Ciclo de Vida Familiar ampliado, produções independentes, entre tantas outras configurações. Já não se pode falar em “família”, no singular, mas sim em “famílias”, considerando sua pluralidade e diversidade (GRACIA; MUSITO, 2000; BUCHER, 2003; WALSH, 2005; OSÓRIO; VALLE, 2009).

A própria sobrevivência da família com essa reconfiguração dos relacionamentos humanos, tem sido questionada nas últimas décadas. Mas a preocupação com a crise familiar não é específica da nossa época. A controvérsia e a mudança têm cercado a definição de família no decorrer do tempo (WALSH, 2005). Toda geração tem expressado dúvidas sobre a estabilidade e continuidade da família. Cada uma delas tem pensado estar testemunhando a falência da “família tradicional”, uma imagem popular a respeito de como deveriam ser as famílias. Os medos do fim da família têm aumentado muito em período de turbulência social, como o que estamos vivendo nos dias de hoje, afirma a autora.

Ainda segundo Walsh (2005), a imagem idealizada das famílias multigeracionais do passado remoto, distorce sua atual instabilidade e diversidade. Os padrões familiares não eram mais regulares e estáveis do que as complexas e variadas estruturas e papeis familiares atuais. Na verdade, as transições familiares eram mais imprevisíveis como resultado das muitas incertezas da vida, particularmente de gestações não planejadas e mortes prematuras. O risco de não crescer em uma família intacta era elevado. As unidades familiares costumavam ser destruídas pela morte precoce de pai ou mãe, o que conduzia a um novo casamento e a novas composições familiares, ou à colocação das crianças com membros da família ampliada, em lares adotivos ou orfanatos. Na atualidade, a maioria das famílias tem maior controle sobre as opções e o momento mais

adequado para o casamento e para ter filhos e isso se deve, em grande parte, ao controle da natalidade e aos avanços médicos que aumentaram a expectativa de vida.

Na visão de Minuchin e Fishman (2003), conceituando o sistema familiar, as famílias são consideradas sistemas multi-individuais de extrema complexidade, porém, são, por sua vez, subsistemas de unidades mais amplas, como a família extensa, a vizinhança e a sociedade como um todo. A interação com estes subsistemas ou holons mais amplos, como também são chamados, produz uma parte significativa dos problemas e tarefas da família.

Além disso, afirmam os autores, as famílias têm subsistemas diferenciados, sendo que cada indivíduo é um subsistema, como o são as chamadas díades, como, por exemplo, marido e mulher. Os subgrupos mais amplos são formados por geração, o sexo ou a tarefa. Para esses autores, as transações dentro do holon parental envolvem a educação dos filhos e funções de socialização. Minuchin (1982) chama atenção sobre a importância da organização de subsistemas de uma família que fornece treinamento valioso no processo de manutenção do “eu sou” diferenciado, ao mesmo tempo em que dá exercício de habilidades interpessoais em diferentes níveis. Vamos a seguir descrecer os subsistemas ou holons que são importantes para uma melhor compreensão do funcionamento do sistema familiar.

Para Minuchin e Fishman (2003) o subsistema conjugal, que representa o início da família quando homem e mulher se unem com o propósito de formá-la, tem uma das tarefas mais importantes. Segundo os autores, o subsistema conjugal deve proteger os esposos, dando-lhes uma área de satisfação de suas próprias necessidades psicológicas, sem a intrusão de parentes do cônjuge, dos filhos e de outras pessoas.

O subsistema parental surge com o nascimento do primeiro filho e se constitui como um marco de mudança familiar quando o casal terá que realizar algumas acomodações. Os adultos no subsistema parental têm a responsabilidade de cuidar, de proteger e socializar as crianças, porém, têm também direitos. Os pais têm o direito de tomar decisões que estão relacionadas à sobrevivência do sistema como um todo, em assuntos como: mudança de domicílio, seleção de escola e determinação de regras que protegem todos os membros da família (MINUCHIN; FISHMAN, 2003).

Para Minuchin (1982), essa etapa requer dos pais a capacidade de nutrir, controlar e guiar, sendo necessário o uso da autoridade, onde deve prevalecer a

hierarquia entre pais e filhos. Essas relações, segundo o autor, sofrem modificações ao longo do crescimento do filho e as funções e regras precisam ser adaptadas a cada fase desse crescimento.

Antes de nos referirmos aos conceitos de paternidade dentro do subsistema parental e seu processo de transformação ao longo do tempo, é necessário entender as mudanças ocorridas com os papeis femininos, pois os papeis de ambos, homens e mulheres, na família e na sociedade se intercomplementam, se influenciam e se transformam mutuamente.

A mulher, de maneira submissa, antes da chamada revolução feminista, e até os dias de hoje em alguns contextos, tinha os afazeres da casa e o cuidado com os filhos como ocupação exclusiva, além da função de educar, prover as necessidades emocionais da família e ser um apoio para o homem. A sociedade patriarcal ainda é caracterizada pela autoridade do homem sobre a mulher e filhos, no contexto familiar como imposição institucional legal (BUCHER, 2003). O papel feminino teve progressivas mudanças ao longo das últimas décadas. Para a autora, o desenvolvimento tecnológico e a descoberta da pílula anticoncepcional possibilitou, na entrada para o cenário da modernidade, que a mulher passasse a ter o controle sobre sua gestação.

O movimento feminista, na década de 60, teve como uma de suas conseqüências a entrada da mulher no mercado de trabalho, e um dos fatores importantes é que ela começou a ocupar espaços tradicionalmente masculinos. Em 2009 as mulhres já eram 45% da população economicamente ativa no Brasil (IBGE, 2010c). O fato da mulher não estar mais restrita ao mundo doméstico e ter conquistado maior liberdade sexual veio de encontro aos arranjos tradicionais da organização social e familiar e, certamente, vem alterando comportamentos (OLIVEIRA; PELLOSO, 2004).

É importante destacar também que o crescimento da participação feminina na esfera pública, como por exemplo, no mercado de trabalho, não é proporcional ao crescimento do homem na esfera privada, ainda que existam muitos homens desempenhando tarefas domésticas e de cuidados com os filhos. Historicamente, a tarefa de cuidar tem sido associada ao gênero feminino, aspecto que pode ser reforçado socialmente com a gravidez e a amamentação. Por outro lado, a paternidade não passa por esse mesmo processo de definições biológicas, delineando-se por meio de uma

construção cultural e social bastante identificada com esse determinismo biológico do gerar e amamentar (STAUDT; WAGNER, 2008).

Corroborando com essa ideia Bradt (2005) acredita que o nascimento de um filho perturba a delicada “heterossocialidade” do local de trabalho e encaminha as mulheres na direção doméstica. O fluxo de homens rumo à esfera doméstica não se compara à partida das mulheres grávidas, do trabalho para casa, encorajando a primitiva crença de que o local do trabalho é domínio do homem. Além disso, ele acrescenta que a temporária ausência da esposa do trabalho e adição permanente de um bebê desequilibra os sentimentos e as suposições de igualdade de escolha em relação ao trabalho e à vida no lar.

O homem e a mulher de hoje sofrem, segundo Nichilo (1995), porque não se sentem à altura das tarefas que têm para cumprir enquanto casal, buscando viver em sintonia com sua imagem ideal: harmonia, união, solidez no tempo e com os ideais da sociedade pós industrial: eterna juventude, sucesso e opulência. Ocorre uma oscilação entre os velhos mitos e as novas realidades sociais, afetivas e culturais dos papeis tradicionais.

Segundo Burdon (1998), mesmo quando o pai participa das atividades no ambiente doméstico, é possível perceber, em muitos casos, uma determinada divisão entre as atividades a serem executadas pelo homem e pela mulher. Assim, as atividades exercidas por eles são aquelas pertencentes aos arredores da casa, como por exemplo, a manutenção da casa, do carro, entre outros.

Além das transformações supracitadas, Amaro (2008) chama atenção para o fato de que também se observam atualmente mudanças significativas no campo do direito. E neste sentido, a Lei da Guarda Compartilhada aparece como um acontecimento importante. A lei 11.698 entrou em vigor em 13 de agosto deste ano e prevê a possibilidade de guarda compartilhada dos filhos de pais separados. Antes da criação desta lei a guarda era unilateral, isto é, o filho ficava apenas com um dos pais e o poder de decisão sobre a criança cabia ao detentor da guarda. Com a nova lei, os pais separados passam a dividir direitos e deveres relativos aos filhos, assim como todas as questões advindas do próprio cotidiano da criança e adolescente. Embora de forma sutil, alguns juízes já consideravam a guarda compartilhada mesmo antes desta lei entrar em vigor. Isto era possível devido, principalmente, à aprovação do código civil de 2001,

que trabalhava com o conceito de “poder familiar”, que pressupõe igualdade entre o pai e a mãe.

A paternidade, por sua vez, também vem sofrendo diversas transformações, ao longo dos anos, dentro do sistema familiar. Para melhor compreender como ela é definida, recorremos a alguns autores que abordam o assunto. A construção da paternidade se dá na inter-relação de aspectos macro e microssistêmicos do contexto sócio-histórico-cultural em que o homem se encontra (AUSLOOS, 1996).

Ela é vista também como se fosse uma “profissão” difícil para a qual não há formação, sendo que a única forma de aprendê-la é por meio das vivências na família de origem. Além disso, um pai só começa a se sentir como pai após o nascimento da criança ou mais tarde, uma vez que a parentalidade, ou seja, ser pai ou mãe é um processo que não é fácil (MINUCHIN, 1982; GRACIA; MUSITO, 2000).

Numa visão histórica sobre a paternidade, Nolasco (1993), afirma que a formação da identidade paterna, assim como a masculina, pode ser entendida a partir de uma construção social e, neste sentido, a atuação do pai na gestação e no desenvolvimento dos filhos estará relacionada à maneira como o homem foi socializado. Ramires (1997) acredita que historicamente o modelo pai-provedor, exercendo sua principal função na esfera pública e distante dos filhos/filhas, foi considerado o representante da autoridade e da lei e consolidou-se como patrimônio da família nuclear burguesa.Este modelo é marcado pela rígida divisão de papeis sexuais, onde homens e mulheres ocupam posições desiguais. As identidades sociais de pais e mães são construídas a partir da atribuição de valores sociais distintos para cada sexo como se fossem atributos naturais.

O novo modelo de paternidade surgido, denominado por alguns de “nova paternidade”, requer que o homem ocupe um outro lugar na estrutura familiar, e não mais apenas o de provedor financeiro. Deste modo, o surgimento de uma nova paternidade aponta para a necessidade de criação de políticas públicas que estejam voltadas para as mulheres, mas também para os homens. Isso se deve ao fato de que os homens não costumam ser foco de atenção dos serviços de saúde, perpetuando uma representação da sexualidade masculina dissociada dos cuidados com a reprodução (AMARO, 2008).

Conforme defendem Gomes e Resende (2004), num período recente da nossa história, o homem encontrava dificuldade para separar sua individualidade das funções de pai. Ele se manteve numa postura de silêncio que comprometeu a possibilidade de

diálogo com a família, especialmente com os filhos. Outro fator é que essa postura sempre foi apoiada pela cultura que, sendo patriarcal, reservou-lhe lugar acima da trama doméstica constituída pela mulher e pela criança. Antes que o homem pudesse assimilar o esboço da nova configuração familiar, na qual houve mudanças consideráveis nos papeis da mulher e do homem, modelado no processo que introduziu a mulher no mercado de trabalho, ao mesmo tempo, o homem é surpreendido pela ruptura da hierarquia doméstica e pelo constante questionamento de sua hierarquia.

Ainda segundo as autoras, as formas alternativas de convivência familiar, cada vez mais freqüentes em nossa sociedade, corroboram também para a criação de espaços para a manifestação diferenciada de paternidade. Se de um lado, exigências sociais operam pulverizando a figura do provedor, de outro, as famílias buscam se organizar, formando casais de dupla renda ou de dupla carreira, emergindo assim uma nova figura paterna não mais ancorada unicamente no poder econômico.

Alguns estudos sobre paternidade e masculinidade mencionam que atualmente é possível observar uma espécie de crise do modelo anteriormente criado, onde a questão da masculinidade, por exemplo, era definida a partir de características como: valentia, firmeza, inteligência e onipotência. Atualmente observa-se que estes modelos vêm se transformando e o ser masculino, passa a ser visto como um ser que possui fragilidades, angústias, crises e contradições (SARAIVA, 1998).

Com o passar dos anos a paternidade deixou de incluir somente o papel limitado à figura de provedor para abarcar atitudes de maior envolvimento e contato afetivo com os filhos (BALANCHO, 2004). Estas mudanças estão associadas a um conjunto novo de expectativas, crenças e atitudes de cada gênero no contexto familiar que refletiram também no interesse das pesquisas em identificar e compreender o impacto dessas mudanças nas relações familiares, especificamente no próprio pai (BRASILEIRO; JABLONSKI; FÉRES-CARNEIRO, 2002; LAMB, 1997).

No que se refere à cultura ocidental, a figura masculina do pai coincide em termos biológicos e sociais. Isso não significa, entretanto, uma única maneira de experienciar o papel masculino. O que ocorre é que há uma ênfase maior na participação materna na relação com os filhos. Essa participação foi sendo construída ao longo do processo sócio-histórico e em nossos dias possui importante relação com o modo como meninos e meninas são educados, e na maneira de homens e mulheres viverem os papeis atribuídos a cada um (TRINDADE, 2002).

Tanto a paternidade quanto as relações familiares de uma maneira geral, são processos complexos e multi-influenciados, construídos e redefinidos a cada momento histórico, cultural e social, que interage com aspirações individuais e subjetividades. Dessa forma, ser pai implica poder pensar e refletir esses processos e, na medida do possível, buscar condições e maneiras de exercer esse papel de forma mais autêntica, espontânea e plena (STAUDT; WAGNER, 2011).

Diante do exposto, abordaremos no item a seguir, diversas pesquisas que enfatizam a questão da paternidade em diferentes contextos.