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Paternidade: visões, conceitos e prática parental

Sobre estudos e reflexões envolvendo a questão da paternidade, Lamb (2000) considera que, apesar do tema ser debatido desde o final do século XIX, foi somente no início dos anos setenta que estudiosos investiram intensamente nessa temática e nos anos oitenta e noventa os estudos dedicaram-se essencialmente à identificação e caracterização de eventuais mudanças nos comportamentos e atitudes do pai na relação com os filhos e na vida familiar. Assim, passamos a apresentar alguns dos estudos que abordam a temática da paternidade a partir de diferentes enfoques.

Uma interessante pesquisa realizada por Balancho (2004) em Portugal, objetivou comparar as caracterizações, significados, funções e valorações atribuídas à paternidade de dois modos: 1. “Pai do passado” e 2. “Pai do presente”, por dois grupos de pais, de duas gerações. O grupo chamado 1ª geração, era formado por genitores que também eram avôs, nascidos entre 1919 e 1934. O grupo denominado de 2ª geração, era formado por genitores nascidos entre 1958 e 1957. Os dois grupos, de 1ª e de 2ª geração, responderam a entrevistas semi-estruturadas com questionários semelhantes cuja diferença estava no foco das questões no tempo presente ou simultaneamente no presente e no passado. Os resultados mostraram que o “Pai do passado” foi caracterizado por ambos os grupos, de 1ª e 2ª geração, como: prepotente/imposição de autoridade, ausente da vida dos filhos, disciplinador e distante emocionalmente nessa mesma ordem. Quanto ao “Pai do presente”, ambos os grupos caracterizaram a paternidade vista como compreensiva/dialogante e presente na vida dos filhos. No entanto, seguindo essa caracterização do “Pai do presente”, os pais de 1ª geração destacaram que a paternidade, hoje em dia, é sensibilidade/expressão afetiva, enquanto

os pais de 2ª geração destacaram partilha do poder/conquista da autoridade e capacidade de ser descontraído e lúdico.

Há, claramente, diferenças apontadas entre as paternidades do passado e do presente. Essa nova tendência, segundo a autora da pesquisa, é uma antítese do pai do passado, uma vez que a autoridade não é imposta, mas discreta e suavemente colocada para os filhos. O pai é uma figura viva no dia a dia dos filhos em vez de estar distanciado dessa vida. Tem a capacidade de compreender e dialogar, em vez de disciplinar cegamente e de se descontrair e brincar com os filhos, em vez de se manter distante para reinar na sua posição de força.

Corroborando com esses resultados, Lamb (1997) diz que os pais contemporâneos, especialmente aqueles com crianças pequenas, se percebem como possuindo maior responsabilidade pelo cuidado diário dos filhos, e a evidência empírica demonstra que passam mais tempo com eles do que passavam os pais de gerações anteriores. Demo (1982) verificou que com o passar do tempo a participação masculina tornou-se bem mais efetiva, principalmente quando os pais têm menos de 30 anos de idade ou aqueles com filhos em idade pré-escolar. No geral, no entanto, o próprio Demo reconhece que as mudanças da participação dos homens na vida dos filhos não têm sido as esperadas. Este sociólogo ainda levanta a hipótese de que a participação dos pais tenderia a aumentar à medida que os filhos crescem, com os adolescentes tendendo a receber mais atenção do que os bebês, já que os pais não dão de mamar nem mães costumam acompanhar os filhos a jogos de futebol.

No nordeste do Brasil, um estudo realizado com dez homens casados, pais de mais de um filho, objetivou compreender a experiência como pai e o significado que a paternidade confere ao homem no espaço familiar. Os resultados apontaram mudanças significativas nesse contexto. Alguns homens começam a se preocupar em paternar o filho, acompanhando seu crescimento e desenvolvimento de modo mais próximo, realizando cuidados socialmente considerados femininos de modo que o provedor afetivo vem emergindo do provedor material. As relações de autoridade vão dando espaço a relações permeadas por afeto e negociações, possibilitando que pais e mães compartilhem os cuidados e estreitem os vínculos afetivos com os filhos, de forma que a paternagem colabora para a ruptura de estereótipos de uma masculinidade insensível e intocável (FREITAS; SILVA; COELHO; GUEDES; LUCENA; COSTA, 2009).

Outro estudo brasileiro, na região sul, envolvendo a questão da paternidade, pesquisou as diferenças entre pais adolescentes e adultos na interação com seus filhos

pequenos. Participaram do estudo 20 pais, sendo 9 adolescentes e 11 adultos que esperavam seu primeiro filho. Quando o bebê completou 3 meses, foi realizada observação domiciliar da interação da díade pai-bebê. Os resultados apontaram para a inexistência de dificuldades na interação entre os pais adolescentes e seus filhos pequenos. Aos três meses de vida do bebê, pais adolescentes e adultos comportaram-se de forma bastante semelhante na situação de interação livre observada nesse estudo, sendo todos responsivos ao bebê (LEVANDOWSKI; PICCININI, 2002). Outras pesquisas também apontam certo nível de envolvimento paterno do adolescente e ausência de diferenças entre adolescentes e adultos. Em diversas pesquisas relativamente recentes, os pais adolescentes referiram um envolvimento expressivo na vida da criança, seja através de contribuição financeira ou outras formas de cuidado (ALLEN; DOHERTY, 1996; DALLAS; CHEN, 1999; TRINDADE; BRUNS, 1999).

Uma interessante pesquisa realizada por Staudt e Wagner (2011) no Rio Grande do Sul, buscou conhecer como os homens se autoavaliam no exercício da paternidade. O estudo investigou 178 homens, pais de crianças em idade escolar que freqüentavam desde o 1º até o 5º ano do ensino fundamental. Staudt (2007) também pesquisou, com o mesmo objetivo do último estudo acima citado, 133 pais de crianças residentes na Espanha, que freqüentam a educação primária (correspondente no Brasil do 1º ao 5º ano do ensino fundamental) de três escolas públicas da cidade de Girona, Catalunha/Espanha e observamos que os resultados apontam diversas semelhanças entre as duas populações estudadas.

Sobre o tempo que os pais despendem para estar com seus filhos durante a semana, os brasileiros investem cerca de 21 horas por semana com os filhos, enquanto os espanhóis, cerca de 18 horas. Os pais investigados, das duas nacionalidades, afirmaram que gostariam de passar mais tempo com seus filhos do que de fato passam, assim também como gostariam de passar mais tempo a sós com seus filhos. Os pais brasileiros demonstraram, de forma mais expressiva, estarem cientes da importância de suas orientações no processo de aprendizagem dos filhos para que eles se relacionem bem socialmente. No geral, as duas populações pesquisadas se mostraram parecidas na avaliação dos pais sobre suas interações com seus filhos. Por meio de uma técnica exploratória denominada cluster foram apontados dois grupos, que apresentaram características homogêneas nas respostas quanto ao exercício da paternidade em uma perspectiva real e ideal. São os seguintes grupos:

1. Orientação, favorecimento do desenvolvimento, interação e afeto: este grupo caracteriza aqueles pais que utilizam um amplo repertório de comportamentos a fim de atender as necessidades dos filhos no que diz respeito a aspectos como orientar, interagir e ser afetivo, além de favorecer, de diferentes formas o desenvolvimento deles.

2. Acompanhamento em situações da vida cotidiana: este grupo caracteriza aqueles pais que exercem a paternidade dando acompanhamento aos filhos em situações cotidianas, tais como levar ao médico, participar de reuniões escolares e acompanhar para comprar roupas, por exemplo.

Alguns resultados, segundo os autores da pesquisa, apontam que 86% da amostra total, brasileiros e espanhóis, se caracterizam como sendo do grupo 1. Isto é, são pais que costumam utilizar um repertório de comportamentos e atitudes bastante diversificado, tais como: chamar a atenção do filho para seguir regras e comportar-se bem, oferecer um ambiente seguro e estruturado pela ele, despender tempo conversando e brincando, ter paciência e flexibilidade, estar atentos aos sentimentos dos filhos, etc. As autoras afirmam que ao buscar problematizar a paternidade contemporânea, é necessário ter um olhar cuidadoso sobre os diversos aspectos que permeiam esse fenômeno. Um deles é a identificação das nuanças desta contemporaneidade, que tornam as relações cada vez menos generalizáveis, principalmente se considerarmos que cada vivência humana pertence a um contexto sócio-histórico-cultural determinado (STAUDT; WAGNER, 2011).

Santos e Dias (2008) investigaram a vivência de papeis desempenhados por idosos durante o Ciclo de Vida Familiar, com doze homens, moradores do nordeste brasileiro. Os resultados apontaram que os idosos têm importância fundamental na família, seja através da transmissão de valores e de seu papel como conciliador e agregador, como também do suporte financeiro. Entre todos, o papel como provedor foi o mais enfatizado. Assim, reproduziram o modelo adquirido de suas famílias de origem e também o que prevalecia na época. Ao mesmo tempo em que questionaram o papel dos próprios pais, não souberam exercê-lo de forma diferente do aprendido.

Os estudos citados parecem demonstrar que, ainda a passos lentos, a questão da paternidade tem se transformado ao longo do tempo mediante diversas outras transformações sociais. Essas pesquisas enfocam a paternidade na adolescência, a compreensão do homem diante do papel de pai, a interação dos pais com os filhos e a relação dessas transformações com a mudança de paradigmas alicerçados no modelo

patriarcal, deixando algumas questões ainda não respondidas. É no intuito de contribuir com esse cenário e tentar encontrar algumas respostas, que propusemos este estudo envolvendo o genitor que vivencia a paternidade na meia-idade, enfocando a sua dinâmica familiar nuclear. Não temos a pretensão de esgotar um assunto que ainda é pouco debatido, porém, almejamos pôr em pauta essa discussão, esse novo desafio que ora se apresenta em diversas famílias brasileiras.

A revisão bibliográfica aqui apresentada nos ofereceu subsídios para a formulação dos objetivos da pesquisa que apresentaremos a seguir.

III - OBJETIVOS