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Muito prazer: representação de felicidade e prazer sobre o corpo masculino em veículos homoeróticos

No documento Estudos Culturais / Estudios Culturales (páginas 197-200)

muriel emídio P. do amaral

murielamaral@yahoo.com.br

Universidade Estadual Paulista

Resumo

Sai de cena as referências políticas ideológicas e entram as percepções de prazer e felicidade. Esse movimento de representação foi o que marcou a dinâmica da imprensa homoerótica brasileira. Em um primeiro momento, essa qualidade de imprensa teve como proposta o reconhecimento dos homossexuais no espaço social no final dos anos de 1970, bem como a retirada deles da condição de marginalidade. Todavia, essa proposta se enfraqueceu ao longo dos anos e a imprensa homoerótica reverencia os signos de prazer e felicidade. Atualmente, o discurso midiático homoerótico, tanto verbal quanto imagético, se articula para a oferta de prazeres e felicidade, principalmente mediados pelo corpo. Para oferecer subsídios teóricos sobre esse movimento realizado pela imprensa, serão apresentadas as reflexões de Hannah Arendt (1983) sobre o entendimento de felicidade, levando em consideração suas pontuações sobre a concepção de felicidade e as relações envolvendo consumo e capitalismo. Sobre as formas e relações de prazer, será apresentada uma discussão acerca das considerações de Jurandir Freire Costa (2005) quanto ao tema, segundo uma perspectiva psicanalítica. Quanto aos estudos de midiatização, esse trabalho se ampara nas considerações de Muniz Sodré (2006) para a compreensão da interferência dos discursos midiáticos no cotidiano social. Sobre o entendimento do corpo, serão oferecidas reflexões baseadas nas considerações de Michel Foucault (1999) sobre a influência do poder no entendimento do corpo, além de outras referências sociológicas e culturais para a compreensão de como a mídia interfere sobre a representação do corpo, mesclando os signos de verdade e ilusão. Os objetos de estudo dessa pesquisa foram as edições do jornal Lampião da Esquina e da revista Junior. O jornal circulou entre os anos de 1979 e 1981, sendo considerado o primeiro jornal de conteúdo homoerótico de maior circulação em território nacional. A principal medida adota pelo jornal era de se articular no reconhecimento dos homossexuais quanto à cidadania e valorização social, segundo o viés ideológico. Entretanto, esse pensamento deixou de ser praticado. A revista Junior apresenta uma linha editorial com outro enfoque. As condições ideológicas amenizaram e os discursos de prazer e felicidade se tornaram práticas recorrentes dentro do veículo. O corpo se torna um elo para alcançar as promessas anunciadas: músculos túrgidos, roupas, procedimentos estéticos, roupas de grife, viagens internacionais e cuidados com o corpo são algumas possibilidades que se encontram presentes nessas práticas discursivas. Nessa perspectiva, a cultura atual apresenta outra configuração de sentido: os valores da cultura serão entendidos quanto ao conceito de cultura-mundo, proferido por Lipovetsky e Serroy (2011). Esse conceito contribui muito para a compreensão da representação do corpo masculino em veículos homoeróticos porque perpassa referências de individualismo, capitalismo e tecnologias, signos quem compõem o código moral contemporâneo.

Palavras-Chave: Comunicação; corpo; homoerotismo; culturas Introdução

Muito prazer: representação de felicidade e prazer sobre o corpo masculino em veículos homoeróticos

Comunicação ibero-americana: os desafios da Internacionalização - Livro de Atas do II Congresso Mundial de Comunicação ibero-americana Muriel Emídio P. do Amaral

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ou até mesmo a reconsideração subjetivada individualizada daquilo que pode ser felicidade. Independente da qualidade de felicidade, esse sentimento sempre esteve atrelado com as referências cultuais dos códigos morais de cada momento histó- rico e social. Na contemporaneidade, como será que se articulam os sinais para o entendimento da felicidade? Muito embora a resposta dessa pergunta traga à tona considerações de cunho muito íntimo e pessoal, algumas interferências dialogam com os prazeres oferecidos pelo consumo, seja de bens materiais e simbólicos. Aliás, a felicidade se tornou uma obrigação inexorável na atualidade, uma ditadura outor- gada no código moral contemporâneo. Um movimento orquestrado para a realiza- ção dos prazeres e oferecer um sentido a mais que a vida maçante e urbana insiste em roubar dos indivíduos. Música, moda, fotografia, cinema e publicidade são alguns dos elementos que se articulam na promoção da felicidade em nome do prazer.

Para esse trabalho, os sinais para desvendar as relações de prazer e felicidade serão os corpos masculinos em veículos de comunicação homoeróticos. Perceber a configuração dessa qualidade de representação do corpo pode-se deferir que houve deslocamento referencial do entendimento do corpo nessas mídias. A necessidade de oferecer uma condição ideológica e combatente de reconhecimento no espaço social condicionou o corpo para a representação da busca pela cidadania e amorte- cimento da marginalização a que muitos homossexuais se limitavam até o final dos anos de 1970, assim era a proposta do jornal Lampião da Esquina. Do corpo ideoló- gico, a cultura vigente o tornou como imaginário, uma referencial de sensorial para o prazer e, consequentemente, a felicidade, como sugere a representação proposta pela revista Junior.

corpoe cultura

Mais que uma carcaça orgânica, o corpo se torna um discurso sempre inaca- bado justamente pela capacidade ser reinterpretado pelas contingências culturais a que é submetido. Essas mudanças não ocorrem apenas no âmbito das considerações individuais, mas também se infiltram pela ordem social que são originadas pelas extensões das ações do homem e passam a assumir uma condição de lei, como apresenta David Le Breton (2006), ou seja, o corpo é um processo inacabado, sempre se reconfigurando e apresentando novas propostas de representação.

Como o corpo se relaciona com as propostas culturais de cada momento social, é nessa perspectiva que atualmente se encontra em diálogo com o consumo, que se torna um código inclusive de cidadania1. Ou seja, o corpo como sendo um objeto de consumo também se torna um experimento de cidadania, mesmo que hedonista, contrariando os sinais de coletividade que o tema requer, uma práxis recorrente na articulação dos discursos midiáticos.

1 Desse modo, consumir, independente da qualidade do objeto, até mesmo aquilo que é obrigação de oferta pelo Estado

como educação, saúde e segurança, o indivíduo compartilha de signos de cidadania para reconhecimento e pertencimento no espaço social. (Canclini, 2008)

Dessa forma, como se estabelece a relação entre cultura e corpo? Primeiramente, há a necessidade de pontuar que a cultura como sendo um processo de caráter simbólico estabelecida pelo próprio homem

(...) essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. É justamente uma explicação que eu procuro, ao construir expres- sões socais enigmáticas na sua superfície (Geertz, 1978: 15).

Pela relação estabelecida simbólica é que são fundamentadas as represen- tações culturais. Para esse trabalha a significação da cultura contemporânea se edifica nas reflexões apresentadas por Lipovestsky e Serroy (2011). Os autores se posicionaram para conferir os valores daquilo que chamaram de cultura-mundo, uma representação cultural que se significa basicamente em três eixos: consumo, tecnologia e individualismo. São perdidas as noções de coletividade em nome das relações estipuladas pela ordem tecnocapitalista.

Cultura-mundo significa o fim da heterogeneidade tradicional da esfera cultural e a universalização da cultura mercantil, apoderando-se das esferas da vida social, dos modos de existência, da quase totalidade das atividades humanas. Com a cultura- -mundo dissemina-se em todo o globo a cultura da tecnociência, do mercado, do indivíduo, das mídias, do consumo (...) impõe-se a cultura ampliada do capita- lismo, do individualismo e da tecnociência, uma cultura globalitária que estrutura de maneira radicalemente nova a relação homem consigo e com o mundo. Uma cultura-mundo que não reflete o mundo, mas o constitui, o engendra, o modela, o faz evoluir, e isso de maneira planetária (Lipovestky & Serroy, 2011: 9-11).

Esse posicionamento oferece condições para perceber a influência da comu- nicação no cotidiano da vida em sociedade e oferece um alerta acerca no esva- ziamento de outras perspectivas que não dialogam com as forças do capital e da tecnociência, ou seja, os discursos que não se propõem a estabelecer essa ponte são condicionados fora dessa cultura são excluídos.

Dentro dessa perspectiva que a valorização do corpo se torna uma prática do contemporâneo. Lucia Santaella (2004) considera o corpo como um sintoma da cultura. Na proposta da autora, ela propõe um diálogo com a Psicanálise ao esta- belecer que o sintoma seria uma linguagem que surge na forma de signos que poderão ser decodificados. A leitura desses sinais é o resultado das relações de gozo e recalque, ou seja, aquilo que assegura o prazer e a dor. Por isso o entendimento do corpo imaginário como sendo imaginário (p.144), o gozo desenfreado, sem limites e sem balizas; há a consideração apenas do “eu”, anulando a presença do “outro”; o corpo simbólico (p.145) em que surgem a linguagem e a cultura. Esses elementos se tornam importantes para reter a práticas do prazer, pois oferece condição de percepção do “outro” nos modos de viver2.

2 Há também o corpo real (p.47) em que pelas capacidades físico-fisiológicas que o corpo obtém o seu prazer, da sua

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Dentro dessa perspectiva, a autora conclui que “o corpo como sintoma da cultura aponta, em nossos dias, para uma perda social das balizas do gozo” (Santaella, 2004: 151), imperando as relações narcísicas do indivíduo. Essas representações são mais visíveis ainda mais quando o corpo é apresentado pelos discursos midiáticos, mesmo havendo diversas de representações do corpo em outras manifestações discursivas, a construção da qualidade midiática não se altera, permanecendo impávida a despeito de mudanças sociais. Ainda de acordo com Santaella, ela aponta uma reflexão inte- ressante sobre a qualidade do corpo dentro de uma perspectiva midiática sobre a necessidade de refletir das práticas de felicidade e prazer. “Ora, nas mídias, aquilo que dá suporte às ilusões do eu são, sobretudo, as imagens do corpo, o corpo reificado, fetichizado, modelizado como ideal a ser atingido em consonância com o cumpri- mento da promessa de uma felicidade sem máculas” (Santaella, 2003: 125-126).

A valorização do corpo remota ao discurso religioso que a preservação do corpo seria um canal de contato com a divindade. Práticas de exercício, alimentação balanceada e preocupação com saúde e higiene eram alguns dos modos de cuida- dos de si e que deveriam se tornar hábitos coletivizados.

(...) uma crença, com acentos religiosos e proselitistas, de que uma metamorfose corporal é possível; a idéia de que a salvação individual e a regeneração da nação dependem simultaneamente dessa metamorfose; uma rejeição à institui- ção médica, acentuada pela vontade de se responsabilizar pela saúde do próprio corpo; e enfim um senso agudo do comércio, que percebeu, desde cedo, que o corpo é um mercado. É sobre o fundo desta genealogia religião-saúde-comércio que se inscreve sempre a racionalidade das práticas contemporâneas do corpo americano (Courtine, 2005: 89).

Com isso, o corpo se torna um capital que é apropriado pelas formas de comu- nicação de massa como um fetiche a ser alcançado. Christian Ferrer (2010) considera o quanto os veículos de comunicação se esmeram em oferecer um produto espe- tacular no sentido idealizado por Guy Debord no livro “A Sociedade do Espetáculo” em que são borradas as representações de verdade e visão para o consumo de espetáculos, visando a felicidade obrigatória. Assim, a felicidade se torna um código preponderante na sociedade contemporânea.

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O prazer e a felicidade se tornam códigos morais imperativos nas práticas contemporâneas. O sofrimento, a dor ou qualquer outra condição que venha desafiar e estremecer a condição de felicidade e de prazer, no sentido freudiano de ocasionar o mal-estar, não apresenta sentido condição de existência na vida, como apresenta Birman

A obtenção do prazer e a evitação do desprazer passaram a ser critérios distin- tivos para que o indivídio pudesse atingir o estado supremo de estar feliz. Para isso, no entanto, o registro da alma passou a ser regulado pelo do corpo, na perda

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