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CAPÍTULO II – A MULHER NO MAGISTÉRIO: UMA RECONSTRUÇÃO

2.2 Mulher e magistério: a emergência de uma nova realidade social no

Um dos fatores apontados para explicar a feminização da mulher no magistério é o fator social, pois o trabalho extradomiciliar passa a fazer parte das atividades da nova sociedade industrial que emergia no século XX. A integração da mulher nesse universo representa o desempenho de um papel social conquistado ou imposto pela necessidade, porém não vinculado socialmente ao comportamento esperado do sexo feminino.

Para a ordem social estabelecida, a liberação econômica das mulheres por meio do trabalho remunerado e sua autonomia intelectual, representada por uma educação não diferenciada da dos homens, significava a ruptura com os acordos tacitamente estabelecidos desde outras épocas e poderia promover desordem social ao alijar do sexo dominado essa subordinação. Portanto, tornava-se necessário que fossem educadas, porém somente se o lar, o marido e os filhos fossem com isso beneficiados.

Mantida dentro de certos limites, a instrução feminina não ameaçaria os lares, a família e o homem. Essa educação, que, a princípio e de acordo com a tradição portuguesa, fora negada sob o pretexto de que conhecimento e sabedoria eram desnecessários e prejudiciais à sua frágil constituição física e intelectual, acabou por revelar-se desejável, quando a mulher passou a ser vista, na sociedade da época, como a principal mantenedora da família e da pátria, conforme pregava o discurso eugênico e positivista. Nesse contexto, o magistério configurou-se bastante adequado ao papel da mulher como regeneradora da sociedade e salvadora da pátria e tornou-se aceitável, em termos sociais, familiares e pessoais.

Historicamente, pode-se dizer que, com o advento da burguesia, surge uma nova mentalidade, modificando e redefinindo o cotidiano. Dessa maneira, a mulher passa a conciliar mais de uma função, articulando os afazeres domésticos e o trabalho fora de casa. E, no decorrer do século XX, principalmente, entra em uma dinâmica de dupla jornada.

O trabalho doméstico é tido como parte da essência feminina, ou seja, é obrigação de mulher. Ele não é contabilizado numa sociedade capitalista por não ser atividade considerada como um trabalho produtivo (LEMOS, 1995, p. 37).

Segundo Del Priori,

O papel da dona de cada, desempenhado pela maior parte das mulheres em idade adulta, é contabilizado nas coletas como inativamente econômica. Dada a maior difusão e aceitação social dessa função feminina, é bastante provável que ela seja declarada como a principal ocupação da informante, mesmo quando ela exerce também outro tipo de tarefa (DEL PRIORI, 1994, p. 65).

Nas fábricas, no início do século XX, estavam à frente do trabalho mulheres e crianças. “As primeiras ficavam com as tarefas menos especializadas e mal remuneradas” (RAGO, 1997, p. 584). Ainda hoje persistem traços desse sistema de exploração, porque, segundo Blass,

as próprias mulheres internalizam de tal maneira as imagens socialmente elaboradas sobre o trabalho feminino que admitem como natural e inevitável a sua condição de trabalhadoras de segunda classe a sua discriminação no trabalho e na sociedade decorrem do seu corpo, da sua capacidade reprodutiva e responsabilidades sociais que, justamente não lhes fornecem identidade social e econômica propriamente de trabalhadora (BLASS, 1999, p. 2).

Do princípio até metade do século XX, a vida social, as expectativas sobre a conduta feminina, as doutrinações religiosas da Igreja Católica, as implicações na sexualidade, o controle da feminilidade e as normalizações sociais, aliadas às exigências de casamento religioso, batismo dos filhos e a confissão dos pecados, significavam uma exacerbada vigilância do corpo e da alma das mulheres. A necessidade de instruir-se e educar-se

constituíam um dos principais anseios para sua liberação e uma forma de alterar um destino imposto pela sociedade moralizadora que se erigia nos padrões de uma época resultante de um acelerado processo de urbanização.

Segundo Almeida (1998), os limites urbanos, com seus olhos vigilantes, impuseram costumes distintos e hábitos severos. As mulheres, guardadas zelosamente por pais, irmãos e maridos, mantidas intencionalmente na ignorância, não poderiam, senão por meio da educação, ter condições de comandar suas vidas e inserir-se no ainda limitado espaço público. Conscientes dos receios masculinos e também femininos, de que a mulher educada abandonasse a sagrada missão a ela destinada, enquanto mãe e esposa, e que o excesso de instrução interferisse na sua saúde e capacidade reprodutiva, apressaram-se as pioneiras feministas em declarar que a educação feminina só traria benefícios para a sociedade.

A concepção vigente para a educação feminina começou a dar sinais de mudança no Brasil, em particular no Estado de São Paulo, quando as necessidades da classe média e a situação econômica do país, por volta dos anos 20, principiavam a apresentar indícios de transformações que já demonstravam uma certa intencionalidade de se dar ocupação profissional às órfãs sem dote e às demais jovens que, por um motivo ou outro, precisassem lutar por seu sustento. As mulheres de classe elevada sempre poderiam garantir-se financeiramente por meio do casamento ou da fortuna familiar. Mas, havia aquelas que, sem possibilidade de casar-se, tinham que depender da boa vontade de parentes ou amigos ou se resignar a um triste papel de governanta em casas ricas (ALMEIDA, 1998).

Outro fator importante que impulsionou a presença da mulher no magistério foram as necessidades apresentadas pela 2ª Guerra Mundial. Na ausência dos homens, a sociedade civil deveria continuar subsistindo e as mulheres foram às fábricas, ao comércio, aos setores de produção. Dos anos de guerra na Europa que afetaram todos os países do mundo ocidental, emergiu uma mulher mais independente e foram dados os primeiros passos em direção a uma real emancipação feminina.

Para se educarem e se instruírem, no espaço público, as mulheres procuraram, mediante o conhecimento e o trabalho, adequar-se às normas sociais e ao mundo novo que se descortinava e principiava a selecionar os mais preparados. Possuidoras de saberes domésticos e privados sobre o mundo dos homens, desejavam o saber público. Esse saber público tornava-se a via de acesso ao poder e era passível de confronto com os sistemas de desigualdade e de opressão.

Os estudos de Apple (1988, p. 15) sobre o magistério feminino mostram a prática docente como um “processo de trabalho articulado às mudanças, ao longo do tempo, na divisão sexual do trabalho e nas relações patriarcais e de classe”. Ou seja, essas relações possibilitaram que o trabalho docente, exercido por homens e por mulheres, na lógica capitalista, sofresse um processo de desqualificação que não é diferente das outras ocupações profissionais, notadamente se estas estivessem voltadas para as obras sociais. Assim, segundo Apple (1988, p. 15),

Quando qualquer profissão está direcionada para o atendimento da população de baixa renda, o sistema capitalista consegue levá-la a perder sua qualificação profissional e seu poder aquisitivo. As profissões voltadas para as elites e para o sistema produtivo e tecnológico sempre se encontram plenamente qualificadas, prestigiadas e bem remuneradas. O mesmo autor complementa, dizendo

que na passagem progressiva de trabalho masculino a trabalho feminino, as condições econômicas e as de gênero são determinantes e no processo de desvalorização do magistério, as inserções de classe social por certo transcendem a questão simplesmente sexual e englobam os dois sexos. (APPLE, 1988, p. 24).

Portanto, o trabalho feminino, historicamente, tem sofrido pressões e tentativas de controle ideológico e econômico por parte do elemento masculino e das instâncias sociais, como o têm apontado os pesquisadores e, principalmente, pesquisadoras de vários países. O trabalho docente feminino, além do processo regulador imposto pelo sistema capitalista, também se encontra atrelado a esse modelo de normalização exigido pelas

regras masculinas e é acentuado pelo controle que o sistema social pretende exercer sobre as mulheres, nesses mesmos planos. Além disso, não há como negar que os setores ocupacionais que remuneram com os menores salários são e sempre foram ocupados por mulheres, nos mais diversos países (ALMEIDA, 1998).