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1. LINGUÍSTICA QUEER – UMA LINGUÍSTICA APLICADA

2.3 Mulher(es), questões de gênero

Ao abordar essa questão, retomamos o pensamento de Livia e Hall (2010), para quem a separação entre sexualidade e gênero forma uma questão chave para a teoria queer, pois o estudo de sexualidade não é coextensivo ao estudo de gênero, assim como a agenda anti-homofóbica não é coextensiva à agenda feminista. Nessa discussão, elas explicam que se a distinção/separação entre sexualidade e gênero é um elemento chave da teoria queer, a separação de sexo e de gênero, ou de sexo biológico e de produção social de identidades femininas e masculinas, é um ponto chave para o feminismo. Elas frisam que não pretendem explicar o campo complexo da teoria queer, mas discutir algumas questões que são úteis à linguística e ao estudo da linguagem em seus contextos de produção, bem como fazer o caminho contrário de apresentar a contribuição que a linguística fez à teoria queer.

Elas explicam que a teoria queer tinha interesse pelas forças sociais hegemônicas e não pelos falantes individuais, ressaltando que essa foi uma

41 | P á g i n a posição herdada do pós-modernismo, que pode ser vista como uma reação à política de identidade do feminismo. Elas esclarecem que a

(...) política de identidade é um termo comumente aplicado de fora com o propósito de desestabilizar a posição assim descrita, é baseada no reconhecimento individual pertencentes a um grupo (tipicamente oprimido): mulheres, negros, classes populares, deficientes (LIVIA e HALL, 2010).

Elas destacam que a noção estava ligada à identidade pessoal, e não na associação política, por isso, essa era uma das crenças mais radicais que apontava que apenas indivíduos diretamente envolvidos têm a autoridade para falar pela comunidade. Nessa compreensão, significa que são os gays quem deve teorizar e combater sua opressão e as lésbicas combater a marginalização. Livia e Hall (2010) argumentam que uma das críticas mais relevantes à política de identidade é a de ter um caráter essencialista, porque pressupõe que a identidade pessoal não é uma categoria problemática e que todas as relações sociais são derivadas dela.

As pesquisadoras alertam que não desejam reduzir o feminismo à política de identidade, olhando o gênero como a categoria mais saliente ou ainda afirmar que a teoria feminista prioriza a política de identidade. Livia e Hall (2010) almejam chamar a atenção para o fato de que a teoria feminista tem se caracterizado contra os postulados que a teoria queer desenvolveu. Parece trivial, mas tanto o feminismo quanto a teoria queer nos fornecem ferramentas úteis à pesquisa linguística, esclarecem as pesquisadoras.

Essas pesquisadoras abordam a noção de performatividade de gênero, articulada por Judith Butler, para quem a teoria da performatividade de gênero afasta-nos da construção social para nos direcionarmos à construção discursiva de gênero. O exemplo dado por elas faz-nos entender como ocorre a construção discursiva de gênero. Com o pronunciamento “É uma menina”, dito pela parteira ou pelo médico, inicia-se o processo de fazer um corpo, especificamente, feminino. Assim, o gênero é visto como performativo, como ocorre com a clássica declaração “É uma menina”, salientando que declaração de gênero não é nunca descritiva, mas prescritiva.

No curso online “Gênero e atuação legislativa”, oferecido pela Câmara dos Deputados, compreendemos que há mais de 60 anos, a filósofa e feminista francesa Simone de Beauvoir afirmou: “Não se nasce mulher, torna- se mulher”. Para Beauvoir (1970), ser homem ou ser mulher não é algo natural, mas que foi se naturalizando, pois consiste em um processo de aprendizagem, uma construção cultural, no sentido de reprodução na qual se ensina a criança, desde muito pequena, como agir e como se comportar de acordo com o que tem sido definido como “feminino” e “masculino”. Assim, voltamos a reiterar a concepção de Santos Filho (2015a): o foco é sobre corpos e vidas que são privados do viver e até mesmo do ser, no entendimento de que ao logo do tempo instituições como a família, a escola, a

42 | P á g i n a igreja e demais aparelhos ideológicos do Estado vão moldando determinados comportamentos, ditando como os indivíduos devem atuar na sociedade.

Essas diferenças se caracterizam em uma guerra sexual ou uma guerra em torno da identidade sexual (SANTOS FILHO 2015a), que tem ocasionado uma série de movimentos sociais, entre eles: movimento feminista. De acordo com Alex Neriz Turci, doutor em ciências sociais, não é possível especificar quando o movimento feminista teve início, mas tem o seu ponto político marcado pela luta do direito das mulheres no século XIX. Assim, de acordo com ele, esse movimento está no bojo das revoluções que ocorreram na Europa a partir de 1948. Para ele, durante a Revolução Francesa, no século XVIII, já era possível encontrar a mulher procurando assumir uma posição de destaque na sociedade da época. Turci (2015) argumenta que o feminismo é um movimento tanto político, porque a mulher passa a lutar por igualdade de direito entre homens e mulher quanto intelectual, pois busca desconstruir os estereótipos em relação à figura feminina. Ele cita que no século XVII já era possível encontrar mulheres que já procuravam se destacar e valorizar a figura feminina na sociedade, como Flora Tristan, no século XIX, que de alguma forma procurou falar a respeito da mulher, da participação e da importância da figura feminina na sociedade. Flora Tristan é considerada uma das expressões socialistas de sua época, usando a palavra para denunciar as péssimas condições em que vivia a classe operária na França, e, sobretudo a posição de submissão em que se encontrava a mulher na sociedade. Escreveu importantes obras como “A União Operária”, de 1843, e “A Emancipação da Mulher”, de 1846.

Turci (2015) explica que historicamente a exclusão da mulher e de alguns direitos na sociedade começa desde a história do Cristianismo, porque a mulher já era vista como a pecadora. O professor também fala que há no Cristianismo momentos em que a mulher é valorizada e em outros momentos ela é denegrida. Ele frisa também que nessa religião não há sacerdotes femininas, ou seja, não há mulheres podendo participar da igreja, da religião, exercendo o papel que cabe a um sacerdote homem, diferentemente da igreja anglicana, em que mulheres participam e tem uma posição importante como sacerdote. No pensamento desse pesquisador, buscar a origem da inferiorização da mulher é complexo, porque muitos antropólogos explicam que essa inferiorização desenvolveu-se com a própria sociedade, a partir do momento em que se tem a divisão do trabalho entre função de homens e mulheres. Assim, começa a se consolidar uma existência quase natural, em que a mulher por ser frágil, por não ter um aspecto físico ágil não poderia caçar, lutar. Então, ficava no espaço doméstico.

Nem sempre a mulher foi um sujeito inferiorizado e/ou submisso. Então, interrogamos como ocorreu esse processo? Turci (2015) explica que as sociedades mais primitivas tinham uma estrutura matriarcal, mas o desenvolvimento das primeiras sociedades fez com que o homem fosse subjugando a mulher, restringindo-a às atividades de âmbito doméstico. Assim, a sociedade foi cada vez mais sendo ditada pelos valores dos homens. Nas primeiras sociedades primitivas, já é possível perceber isso. Também os

43 | P á g i n a romanos postulavam que a mulher era uma espécie de objeto na mão do marido. O professor ressalta que o poder imposto pela força do homem sobre a mulher deu origem a uma sociedade patriarcal. Nesse bojo, não podemos deixar de mencionar que a mulher não tinha poder sobre o seu corpo, porque era uma espécie de propriedade do outro (o pai, o marido, o irmão, a igreja). No pilar do patriarcalismo, ser mulher era um símbolo de inferiorização. Assim, de acordo com SANTOS (2006) apud Santos, Silva e Santos Filho (2015), na China Antiga, quando a mulher estava em trabalho de parto, havia uma caixa com cinzas para que quando a criança nascesse se fosse observado que a sua morfologia era “feminina” ela era sufocada até a morte. Outro exemplo dado por eles é a crueldade contra os direitos femininos, pois, na Índia, as recém-nascidas eram estranguladas, envenenadas, jogadas ao mar, para que quando nascesse novamente retornassem com uma morfologia “masculina”.

O movimento feminista na sociedade ocidental evoluiu no século XX, impulsionado pela década de 1960, em que a industrialização permitiu inserir a mulher no mercado de trabalho. Outro momento importante para Turci (2015) é o período pós-guerra, no qual as mulheres deixam o espaço doméstico e vão ocupar espaços que eram masculinos, como as indústrias que produziam armamento. Um marco interessante na sociedade do século XX é a figura da filósofa Simone de Beauvoir, que nos fins dos anos 1950 lança o livro “O Segundo sexo”.

Na nossa sociedade, o movimento feminista tem sido mal interpretado, porque muitas pessoas entendiam que ele pregava a inferioridade dos homens, a sobreposição da mulher ou desintegração da família. Mas, na verdade, o que ele questiona é a visão estereotipada sobre a mulher, porque, na década de 1960, era como se a mulher tivesse que seguir um “projeto de vida” já estabelecido, tal como casar, ser mãe, cuidar da casa etc. Assim, a mulher não tinha direito sobre o seu próprio corpo, nem de sua sexualidade. Um momento importante para a emancipação sexual e social da mulher foi a pílula anticoncepcional, porque libertou a mulher do estigma de ter uma relação sexual e engravidar, explica Turci (2015).

As lutas do movimento feminista não se esgotam, porque apesar das conquistas das mulheres, ainda há entre mulheres e homens profundas diferenças em diversos campos. No Brasil, a “Lei Maria da Penha” pode ser vista como um avanço, mas também mostra a desigualdade, porque é preciso criar leis para complementar ou fazer vigorar leis que já existem. Salientamos que a “Lei Maria da Penha” é uma lei de proteção criada para combater/denunciar a violência sofrida pelas mulheres nos mais diversos níveis. É preciso citar que nos últimos anos, as mulheres brasileiras vêm se destacando, porque atualmente compõem cerca de mais de 50% do eleitorado e são chefes de casa. Outro exemplo é a eleição de Dilma Rousseff para a Presidência da República como a primeira mulher a ocupar esse cargo em nosso país no ano de 2010. A reeleição da presidenta Dilma em 2014 provocou uma série de protestos e/ou manifestações. Assim, não podemos deixar de falar da misoginia frente à presidenta, fato que ocorre porque Dilma

44 | P á g i n a forja o aspecto da mulher forte, guerreira, intelectual e atuante na política. Logo, ela está fora dos padrões impostos pela sociedade. A matéria da revista “Veja” publicada em 2016, ao enaltecer a figura de Marcela Temer, esposa do vice-presidente Michel Temer, através dos adjetivos “bela”, “recatada” e “do lar”, como um exemplo de mulher a ser seguido pelas outras mulheres, consiste em apresentar Marcela como um exemplo, negando outros tipos de mulheres, dentre eles o de uma mulher atuante politicamente.

No tocante ao voto feminino, a mídia tem noticiado as conquistas femininas nos últimos tempos, como é o caso do voto feminino na Arábia Saudita, que, em pleno século XXI, as mulheres não tinham o estatuto de sujeito, pois eram proibidas de votar. O país era o último a negar o direito ao voto feminino. Essa privação foi superada devido a uma série de lutas, conquistas e desafios que as mulheres vêm enfrentando na sociedade. Em 2015, foi a primeira vez que as mulheres tiveram o direito de votar naquele país.

Nesse paralelo com os direitos políticos da mulher, o filme “As Sufragistas”, lançado em 12 de outubro, de 2015, nos é útil para pensarmos o contexto de forte opressão construído sobre as mulheres. O movimento sufragista foi constituído por mulheres da classe trabalhadora no início do século XX, em 1912. Foi um movimento que questionava os padrões de uma sociedade machista. Nessa época, grande parte das mulheres desenvolviam atividades de lavadeiras nas fábricas, onde sofriam danos à própria saúde, por conta do gás das fábricas, das feridas, queimaduras, etc. Muitas vezes eram abusadas sexualmente pelos seus patrões. É preciso frisar também que elas recebiam um péssimo salário. Em um cenário adverso ao das fábricas, temos os homens discutindo no Parlamento sobre a crença de que as mulheres não possuíam aptidão mental para opinar ou exercer julgamentos no campo político.

O exercício do voto é usado no filme como um mote para explicar a desigualdade entre os sexos. Nessa concepção, o filme retoma a luta pela igualdade, pela defesa das minorias e pela eliminação de uma sociedade patriarcal, ancorada nos pressupostos do cristianismo. A proibição das mulheres votar era baseada em características particulares, que foram ao longo do tempo forjadas sobre elas como algo natural. Nessa compreensão, a proibição do voto era considerada tão “natural” na sociedade como são consideradas as restrições de direitos aos gays, as lésbicas, aos bissexuais e às transexuais na contemporaneidade.

Na sequência tratamos da mulher nordestina, trazendo o pensamento de Falci (2004) e a perspectiva queer na análise de outdoors do pesquisador Santos Filho (2015a), e argumentamos como esses estudos dialogam com o nosso corpus. Miridan Knox Falci (2004) enxerga a literatura de cordel como um testemunho da vida da mulher nordestina, sobretudo aquelas de poucas condições econômicas, que não tiveram oportunidades de frequentar a escola. Falci (2004) postula que o feminino ultrapassa a categoria do social, pois não importa se são “mulheres ricas, mulheres pobres; cultas ou analfabetas; mulheres livres ou escravas do sertão” (FALCI, 2004, p.241). A autora diz que

45 | P á g i n a as mulheres do sertão nordestino ao nascerem são chamadas de “mininu fêmea”, e que nelas foram moldados determinados comportamentos, atitudes, pensamentos e posturas.

As mulheres que Falci (2004) faz referenciação são aquelas que viveram no século XIX, que habitaram as províncias de Piauí e Ceará, e que aparecem (são construídas) pela literatura de cordel, em testamentos, inventários ou livros de memórias. As mulheres ricas ou as que integram a elite intelectual aparecem nas páginas de inventários, em livros, com suas joias, posse de terras e escravos (FALCI, 2004). Assim, existe a dificuldade em conhecer a vida das mulheres pobres livres, as lavadeiras, as doceiras, as costureiras e rendeiras – tão conhecidas nas cantigas de cordel do Nordeste, as apanhadeiras de água nos riachos, as quebradeiras de coco e parteiras. Sobre todas essas, temos mais dificuldade em conhecer, porque nenhum legado deixaram, era em grande

parte analfabetas.Para refletimos acerca da questão da mulher e do gênero na

nossa sociedade, Santos Filho (2015a) frisa algumas questões que são pertinentes para a nossa pesquisa, como: i) O que é ser mulher?; ii) O que é ser homem?; iii) Qual a condição do feminino? e iv) Qual a condição do masculino?. Assim, devemos olhar para o(s) script(s), olhar para os meandros da cultura, seus fundamentos políticos, sociais e históricos, pensando sobre sua configuração via discursos.

Na compreensão de Falci (2004), existia uma organização social no Nordeste que gerou uma sociedade fundamentada no patriarcalismo, marcada pela estratificação existente entre homens e mulheres, entre ricos e pobres, entre escravos e senhores, entre “brancos” e “caboclos”. Ela observa que existia um grande número de casamentos inter-raciais, pois os homens formavam famílias com pardas e caboclas. Falci (2004) salienta que havia no Nordeste hierarquias rígidas, que colocava a figura do homem no centro das questões.

Hierarquias rígidas, gradações reconhecidas: em primeiro lugar e acima de tudo, o homem, o fazendeiro, o político local ou provincial, o “culto” pelo grau de doutor, anel e passagem pelo curso jurídico de Olinda ou Universidade de Coimbra, ou mesmo o vaqueiro (FALCI, 2004, p. 242).

Na concepção de Falci (2004), o reconhecimento social era marcado pelo status econômico e também por uma questão racial. Segundo ela, havia um ideal de mulher no sertão, que era ser filha de fazendeiro, ter a pele branca, ser herdeira de escravos, gados e terras. Também o tipo físico das mulheres do Nordeste se caracterizava por serem gordas, pois era o padrão de beleza da época, fato que acontecia cedo porque a maioria delas possuía uma vida sedentária.

Como vivia a mulher que habitava o sertão nordestino no século XIX? De acordo com essa pesquisadora, as mulheres do sertão não tinham muitas atividades fora do lar, pois eram educadas desde cedo a aprenderem o papel

46 | P á g i n a de mãe e as “prendas domésticas”, tais como orientar os filhos, costurar, bordar, cozinhar. Algumas mulheres mais humildes ou de elite empobrecida, faziam doces, arranjos de flores, bordados, davam aulas de piano, atividades que ajudavam no sustento da família. Falci (2004) ressalta que essas atividades desenvolvidas por mulheres não eram aceitas, nem bem vistas pela sociedade, porque julgavam a incapacidade do homem da casa. As mulheres pobres não tinham outros meios de sobrevivência, por isso, eram costureiras e rendeiras, lavadeiras, fiadeiras ou roceiras – “estas últimas, na enxada, ao lado de irmãos, pais ou companheiros, faziam todo o trabalho considerado masculino como torar paus, carregar feixes de lenha, cavoucar, semear, limpar a roça do mato e colher” (FALCI, 2004, p. 250).

Diante do que foi exposto nesse estudo, torna-se necessário abordar o gênero, porque, assim, é necessário entender que nos deparamos com diversos enunciados como os jornais, as revistas, os telejornais e o próprio objeto de pesquisa desse trabalho, os folhetos de cordéis, nos quais há diferenças gritantes entre homens e mulheres. São enunciação vinda de diferentes esferas que constroem de alguma forma a realidade de homens e de mulheres que vivem, realidades ancoradas em comportamentos específicas, que busca desde o nascimento (no espaço da própria cultura) diferenciar homens e mulheres ancorado em uma distinção que é também morfológica. O estudo de Santos Filho (2015a) realizado em Paulo Afonso, cidade situada no quadrilátero sertanejo, analisa outdoors em virtude do dia internacional da mulher. Ele explica-nos que muitas empresas públicas ou particulares, divulgaram homenagem às mulheres, e a partir desse gênero discursivo o pesquisador começou a indagar que mulher nessas enunciações foi homenageada, se todas, e que homenagem a ela foi feita. Para ele, homenagear é uma atitude de dar reconhecimento às mulheres, dar visibilidade, sendo essas compreendidas, numa postura insurgente, como múltiplas em seu modo ou maneira de viver.

Em uma leitura queer, o pesquisador explica sua percepção acerca dos

outdoors que buscavam homenagear as mulheres:

Por tais escolhas, seja da cor, das flores, da singularização (...) da denominação ou da qualificação, parece-me que as mulheres, em sua pluralização, foram apagadas, negligenciadas nesses outdoors, dando lugar apenas à ideia de uma mulher universal e a partir da noção de papel de sexo, quando entendemos que o ser mulher sendo generalizado é apenas um, de um único modo, e, sendo assim, teria seu corpo determinado biologicamente, assim como seu comportamento e suas escolhas, inclusive de cores – o rosa, que estaria relacionado e daria vida a uma mulher dócil, delicada e feminina. Sensível. Bela! Seria, então, ainda a dona de casa, com mãos para cozer e cozinhar? Possivelmente. Essa mulher é também branca, como as retratadas nesses grandes textos. Dessa inteligibilidade construída acerca das “homenagens” às mulheres em outdoors no quadrilátero

47 | P á g i n a sertanejo, consideramos que apenas duas empresas mencionaram a submissão pela qual as mulheres têm passado, por sua condição de gênero, e citaram as conquistas, as lutas, que essas têm realizado, no intuito de que as mulheres precisam ser vistas, ouvidas e consideradas. (SANTOS FILHO, 2015a).

A perspectiva queer integra o trabalho do pesquisador, pois ele argumenta que no tocante aos outdoors como atos performativos, é interessante rememorarmos que cada um se constitui um ato performativo e o conjunto deles se configura como uma grande ação de validação de sentidos sobre a mulher, entendida como feminina, dentre outros aspectos, nos termos que o feminino ainda é visto no senso comum dominante. Assim, ele destaca que a autoridade moral vinculante é inserida (e sustentada) pela iterabilidade, pela citação desses significados sobre o que é ser mulher, como mecanismo de sua produção e articulação (BUTLER, 2010).

O movimento feminista e a noção de gênero trazida por Santos Filho (2015a; 2015b; 2015c), ancorada no pensamento de outros pesquisadores, torna-se relevante, pois diante dessa discussão teórica, vamos em seguida realizar a análise do corpus por um viés da etnolinguística da fala ordinária viva, refletindo sobre a performatividade como um ato político nos folhetos.

48 | P á g i n a 3. NO CORDEL, A PERFORMATIVIDADE DA(S) MULHER(ES), NOS SÉC. XIX E XX

o Capítulo 01, buscamos situar os estudos em Linguística Queer, frisando que esse campo do saber possibilita-nos refletir acerca da performatividade de gênero e sexualidade, como propõe Hall e Livia (2010). Para tal, também argumentamos sobre a relação inquietante entre os estudos feministas da década de 1970 e 1980 com a teoria queer, e que tanto o feminismo quanto a teoria queer nos fornecem ferramentas úteis para a constituição da Linguística Queer. Destacamos que essa abordagem linguística

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