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No cordel, a performatização da(s) mulher(es): um estudo em linguística queer.

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFAL CAMPUS SERTÃO CURSO DE LETRAS. NO CORDEL, A PERFORMATIZAÇÃO DA(S) MULHER(ES): UM ESTUDO EM LINGUÍSTICA QUEER. LUANA RAFAELA DOS SANTOS DE SOUZA. L. 2016. etra 1|Página.

(2) UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CURSO DE LETRAS. NO CORDEL, A PERFORMATIZAÇÃO DA(S) MULHER(ES): UM ESTUDO EM LINGUÍSTICA QUEER. LUANA RAFAELA DOS SANTOS DE SOUZA. Delmiro Gouveia (AL) 2016. 2|Página.

(3) LUANA RAFAELA DOS SANTOS DE SOUZA. NO CORDEL, A PERFORMATIZAÇÃO DA(S) MULHER(ES): UM ESTUDO EM LINGUÍSTICA QUEER. Trabalho de Conclusão do Curso de Letras, sob a orientação do professor Doutor Ismar Inácio dos Santos Filho, apresentado à Banca Examinadora como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciada em LetrasPortuguês.. Delmiro Gouveia (AL) 2016 3|Página.

(4) S729c. Souza, Luana Rafaela dos Santos de. No cordel, a performatização da(s) mulher(es): um estudo de linguística queer / Luana Rafaela dos Santos de Souza. - 2016. 88f.:il. Monografia (Letras) – Universidade Federal de Alagoas, Delmiro Gouveia, 2016. Orientador(a): Prof. Dr. Ismar Inácio dos Santos Filho. 1. Linguística aplicada. 2. Linguística Queer. 3. Cordel.. CDU 800. Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Campus do Sertão UFAL – Delmiro Gouveia. 4|Página.

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(6) Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino (BEAUVOIR, 1970, p.2). 5|Página.

(7) A todos os professores e todas as professoras do Curso de Letras – 2012. À minha turma que, apesar das dificuldades, nunca desistiu. Ao Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Diversidade e Educação no Sertão Alagoano (NUDES), coordenado pela professora Doutora Maria Aparecida Silva. Ao Projeto Ser-tão Alagoana, coordenado pela professora Doutora Vanuza Souza Silva. Ao Grupo de Estudos em Linguística Aplicada em Questões do Sertão Alagoano (GELASAL), coordenado pelo professor Doutor Ismar Inácio dos Santos Filho. Ao Programa de Bolsas de Desenvolvimento Acadêmico e Institucional (BDAI). Ao Programa Ode Ayé, coordenado pela professora Doutora Clara Suassuna Fernandes. Ao meu querido orientador Doutor Ismar Inácio, com quem aprendi um mundo de coisas que jamais imaginei saber.. 6|Página.

(8) Aos meus pais, Oscar e Luciana, que sempre animaram meu espírito com muitos risos e brincadeiras, e também aos quais dedico todo amor e gratidão.. 7|Página.

(9) RESUMO Na contemporaneidade ainda vivemos condições de gêneros que são gritantes, pois o poder tem sido sempre exercido pelos homens. No entanto, determinar a origem da inferiorização da mulher é algo complexo. A esse respeito, muitos antropólogos explicam que essa inferiorização desenvolveu-se com a própria sociedade, a partir do momento em que se teve a divisão do trabalho entre função de homens e mulheres. Assim, começou-se a se consolidar uma existência quase natural em que a mulher por ser considerada frágil e por não ser vista como tendo um aspecto físico ágil não poderia caçar, lutar, ficando, então, no espaço doméstico. Além disso, estamos situados também na compreensão de gênero inteligível, no senso comum dominante. Nesse contexto, este estudo objetivou compreender que visão de mulher(es) impera em folhetos de cordel do século XIX e XX. Para isso, foram selecionados três folhetos de Leandro Gomes de Barros, quais sejam, “Os Martírios de Genoveva”, de 1874, “O testamento da Cigana Esmeralda”, de 1874, e “História da Donzela Teodora”, de 1875, com republicação na década de 1970. A pesquisa perpassa por questões como: i) que sentidos foram autorizados nos folhetos?, ii) que sujeitos foram nessas enunciações autorizados?, iii) que “citações” foram repetidas? , iv) será que tais “frases anteriores” têm poder vinculante? e v) será que os cordéis se constituem em atos performativos com êxito?. Nosso estudo está situado no campo da Linguística Queer, campo que assume um lugar teórico-metodológico nos estudos em linguagem voltando seu olhar para as identidades em condição de pós-identidade. Seu objeto é ancorado na relação entre sujeito, linguagem, significado e identidade, relação que deve ser estranhada. A pesquisa foi realizada em perspectiva indisciplinar/transdisciplinar, dialogando com a literatura, em Alves (2013), Barroso (2012), Medeviédev(2012) e Tezza (2001), com os propósitos da Linguística Aplicada, na qual abordamos a etnolinguística da fala viva, que enxerga a língua(gem) como constante processo, tratando-a como viva por meio da enunciação concreta, como “atos de fala”. A etnolinguística da fala viva ajuda-nos a enxergar os diversos textos, sejam orais ou escritos, como atividades dos sujeitos sobre a linguagem nas relações sociais com outros sujeitos. Buscamos fundamentação em Bento (2014), Borba (2006), Misckolci (2014), Louro (2008) Moita Lopes (2006), Nelson (2006) Santos Filho (2012; 2015a; 2015b; 2015c), entre outros. Palavras-chave: Cordel; Mulher; Gênero; Performatividade; Linguística Queer.. 8|Página.

(10) ABSTRACT In contemporary times we still live in genre conditions that are glaring because power has always been exercised by men. However, determining the origin of the woman's inferiority is somewhat complex. In this respect, many anthropologists explain that this inferiorization developed with society itself, from the moment in which the division of labor between the function of men and women. Thus, an almost natural existence began to take shape, in which the woman, because she was considered fragile and not seen as having an agile physical appearance, could not hunt, fight, remaining in the domestic space. In addition, we are also situated in the understanding of intelligible genre, in the dominant common sense. In this context, this study aimed to understand that woman's vision reigns in cordel booklets in century XIX e XX. For this, three cordel booklets of Leandro Gomes de Barros were selected, namely, "The Martyrdoms of Genoveva", 1874, "The Testament of the Emerald Gypsy", 1874, and "History of the Theodora Maiden", 1875, with republication in the 1970s. The research was driven by questions such as: (i) which were sent as documents, (ii) what forms of expression were activated, (iii) what citations were repeated? what could be "previous phrases" with binding power? and (v) are the cords made up of performative acts committed? Our study is situated in the field of Queer Linguistics, a field that assumes a theoretical-methodological place in language studies, turning its attention to identities in a post-identity condition. Its object is anchored in the relation between subject, language, meaning and identity, a relation that must be strange. The research was carried out in an indisciplinary / transdisciplinary perspective, in dialogue with the literature, in Alves (2013), Barroso (2012), Medeviédev (2012) and Tezza (2001), with the purposes of Applied Linguistics, in which we address speech ethnolinguistics alive, who sees the language as a constant process, treating it as alive through concrete enunciation, as "acts of speech." Living speech ethnolinguistics helps us to see texts, whether oral or written, as activities on language in social relations with other subjects. We seek a foundation in Bento (2014), Borba (2006), Misckolci (2014), Louro (2008) Moita Lopes (2006), Nelson (2006) Santos Filho (2012, 2015a, 2015b, 2015c), among others. Key-word: Cordel; Woman; Genre; Performativity; Queer Linguistic.. 9|Página.

(11) SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................ 11 1. LINGUÍSTICA QUEER – UMA LINGUÍSTICA APLICADA ............................................................................................................................. 1.1 O que é uma Linguística Queer? .............................................................. 1.2 Mas o que é o queer? Movimentos e Estudos ....................................... 1.3 Linguística Queer como Linguística Aplicada ....................................... 15 18 25 26. 2. LITERATURA, CORDEL E MULHER: VIDA SOCIAL ............................................................................................................................ 2.1 A configuração da esfera literária ........................................................... 2.2 O surgimento do (verbete) cordel: características e história ............. 2.3 Mulher(es), questões de gênero ............................................................... 30 30 36 40. 3. NO CORDEL, A PERFORMATIVIDADE DA(S) MULHER(ES), NOS SÉC. XIX E XX .................................................. 3.1 Contextualização para uma abordagem queer – uma leitura queer ...... 3.2 Processos de referenciação e predicação e modos de inter-relação entre discursos ................................................................................................. 3.3 “História da Donzela Teodora”: dominação cultural e religiosa ....... 3.3.1 A ressignificação e a republicação ....................................................... 3.3.2 Performatização da donzela, da(s) mulher(es) ................................... 3.3.3 O caráter simbólico da advinha ........................................................... 3.3.4.Algumas considerações .......................................................................... 48 49 53 56 57 60 73 75. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 79. REFERÊNCIAS ........................................................................................... 83. 10 | P á g i n a.

(12) INTRODUÇÃO. A. desigualdade entre homens e mulheres sempre foi visível na sociedade, pois é uma questão que vem desde o surgimento da sociedade. De acordo com Turci (2015), a inferiorização da(s) mulher(es) se desenvolveu com a própria sociedade, a partir do momento em que se teve a divisão do trabalho entre função de homens e função de mulheres. Destarte, começa a se consolidar uma existência quase natural, em que a mulher, por ser frágil, por não ter um aspecto físico ágil não poderia caçar, lutar. Então, ocupava o espaço doméstico. Em nosso contexto macrossocial, vivemos uma cultura heterormativa, entendida como uma cultura de recusas e de preconceitos contra as sexualidades e os gêneros dissidentes e também contra os heterossexuais que se desviam do padrão. Essa cultura exige que todos os indivíduos sigam a coerência (suposta) entre a genitália (sexo) e gênero, pois insiste em não reconhecer e a aprender com as diferenças. Essas diferenças são recusadas e propagadas pela escola, em enunciados como “Menino já nasce menino. Menina já nasce menina. Educação com ideologia de gênero é opressão” (SANTOS FILHO, 2015a). Assim, a heterossexualidade se apresenta como única forma de vivência da sexualidade (COLLIG, 2015), de modo que se torna compulsória, forçada, compelida, “regime epistemológico”, conforme Butler (2003). Santos Filho (2012) frisa que para Foucault (1988), a sexualidade é o conjunto de efeitos produzidos nos corpos, nos comportamentos e nas relações sociais, e que, assim, interessa-nos pensar que a sexualidade é um conjunto de efeitos sobre o sujeito. Logo, Estamos negando a concepção de um gênero inteligível, aquele no qual a sexualidade é compreendida como biológica, e assumimos a compreensão que os comportamentos/atividades/desejos/identidades são construções discursivas sobre as características anátomofisiológicas, essas discursivamente também forjadas. Nesse sentido, o corpo participa da sexualidade, não como constituído de marcas eternas, mas como possibilidades discursivas em uma dada comunidade e cultura (SANTOS FILHO, 2012, p. 54).. Nesse escopo, objetivamos nesse estudo analisar como a(s) mulher(es) são construída pelos folhetos de cordel de Leandro Gomes de Barros, cordelista nascido em Pombal (CE), em 19 de novembro de 1865, e falecido em Recife, em 4 de março de 1918, a partir da problematização entre sujeito, linguagem, significado e identidade, na perspectiva da performatividade, de modo que possamos entender noção do gênero feminino que é forjada pela literatura popular, através da Linguística Queer, que se constrói na teia da. 11 | P á g i n a.

(13) linguagem, gênero e sexualidade, refletindo sobre a linguagem na vida dos indivíduos, bem como sua interação no meio social. Esse campo é visto como um arcabouço epistemológico construído pelos estudos linguísticoenunciativo-discursivos (pragmáticos) com a Teoria Queer, compreendida como uma proposta analítica da normalização. Nesse sentido, a Linguística Queer assume um lugar teórico-metodológico nos estudos em linguagem voltando seu olhar para as identidades em condição de pós-identidade. Seu objeto é ancorado na relação entre sujeito, linguagem, significado e identidade, relação que deve ser estranhada e problematizada, perpassando pelas noções de suplementariedade e de desconstrução, de Jacques Derrida (1975). Na delimitação do nosso corpus, selecionamos três folhetos de cordel, quais sejam, “História da Donzela Teodora”, de 1975; “ Os martírios de Genoveva”, de 1974 e “O testamento da Cigana Esmeralda”, de 1974, de Leandro Gomes de Barros, considerado um dos maiores poeta da literatura popular. Esses folhetos foram republicados na década de 1970, contexto social em que iniciaram as lutas por condições de igualdade de gênero. A discussão parte dos seguintes questionamentos: a) Que sentidos são autorizados nos folhetos selecionados?; b) Que perfil de mulher é construído nesses folhetos?, c) Qual a condição do feminino? Assim, devemos olhar para o(s) script(s), olhar para os meandros da cultura, seus fundamentos políticos, sociais e históricos, pensando sobre sua configuração via discursos. Falci (2004) ajuda-nos a entender que as mulheres do sertão nordestino, no século XIX, não tinham muitas atividades fora do lar, pois eram educadas desde cedo a aprender o papel de mãe e as “prendas domésticas”, tais como orientar os filhos, costurar, bordar, cozinhar. O movimento feminista e a noção de gênero trazida por ele é relevante em nosso estudo, porque aborda a distinção entre sexualidade e gênero, ponto chave da teoria queer. Também é importante a concepção de gênero tratada por Louro (2014), que destaca que, para Judith Butler, o gênero é um processo contínuo do qual não se pode determinar o fim, nem mesmo a origem. Mais do que isso, acredita que é um processo do qual nunca se atingiria a meta. Louro (2014) cita que gênero não é algo que somos, mas algo que fazemos, algo que vai sempre sendo reiterado e repetido – uma conformação a um dado estilo. Louro (2014) explica que para essa filósofa pós-estruturalista, Judith Butler, o gênero é uma repetição, assim é a contínua estilização do corpo, um conjunto de atos repetidos, no interior de um quadro regulatório altamente rígido, que se cristaliza ao longo do tempo para produzir a aparência de uma substância, a aparência de uma maneira natural de ser (LOURO, 2014, p. 3).. Nesse estudo abordamos as concepções de Cristovão Tezza e do pensamento bakhtiniano, incluindo as ideias de Medviédev, que compõe o Círculo de Bakhtin, acerca da literatura. Logo, distanciamo-nos da tradição formalista, vertente que imperou até o final de 1980. O conhecimento. 12 | P á g i n a.

(14) produzido em diálogo intelectual pelo Círculo de Bakhtin e seus seguidores, como Tezza (2001) possibilita-nos ampliar as reflexões em relação à linguagem. Medeviédev (2012) faz uma importante discussão sobre a literatura, enfocando seus métodos e à necessidade de um viés sociológico. Por meio disso, entendemos que há relações de interdependência entre a linguagem e o gênero discursivo, seja no campo artístico, seja no cotidiano, em que o imbricamento entre a linguagem, os sujeitos, a(s) sociedade(s) e cultura é indissociável. Essa relação torna-se importante para a nossa pesquisa porque integra a intersecção entre linguagem, gênero e sexualidade, ressaltando que os significados/sentidos não são isentos de historicidades, uma vez que são produzidos em um dado contexto, dentro de uma determinada cultura. Assim, toda enunciação deve considerar o seu falante, ou seja, o perfil psicossocial do “eu”, o contexto de fala e os sentidos que ali foram produzidos, se eles possuem êxito ou não. Nosso estudo está organizado em três capítulo, sendo o primeiro “Linguística Queer – uma Linguística Aplicada”, subdividido em três tópicos, quais sejam, “ O que é a Linguística Queer?”; “Mas e o que é Queer? Movimentos e Estudos” e “Linguística Queer como Linguística Aplicada”. O segundo capítulo está intitulado de “Literatura, Cordel e Mulher(es): Vida Social”, subdividido em quatro tópico: “ A Configuração da Esfera Literária”; “O surgimento do verbete cordel: Literatura de menor valor?”; “A caducidade do Cordel” e “Mulher(es), questão de gênero”. No primeiro capítulo, fazemos uma introdução da Linguística Queer, bem como suas contribuições para os saberes linguístico-discursivos e para os estudos queer. A linguística dentro teoria queer olha para os fundamentos linguísticos dos estudos queer, como propuseram Livia e Hall (1997) e Santos Filho (2012, 2015a, 2015b, 2015c). Nesse capítulo, citamos que a linguística queer, ao abordar as questões de gênero, sexualidade e identidade, precisa ser na perspectiva de uma linguística aplicada. No segundo capítulo, explicamos como se organiza a esfera literária e quais posicionamentos adotamos para compreender o corpus, qual seja: a literatura de cordel. Então, expomos alguns aspectos que nos ajudam a analisar o corpus, tais como: princípio dialógico, que mantém essa interação entre o “eu” e o outro; a perspectiva da etnolinguística da fala ordinária viva, que toma os textos, sejam escritos ou orais, como processo de atividades dos indivíduos com e sobre a língua(gem) nas interação com outros sujeitos. Nesse capítulo também explicamos nossa filiação ao estudo de Falci (2004), sobre as mulheres do sertão nordestino. No terceiro capítulo, fazemos uma abordagem metodológica de como se realiza uma leitura queer com base nas ideias de Santos Filho (2015a; 2015b; 2015c), utilizando como exemplo a leitura queer dos outdoors feita pelo pesquisador. Realizamos uma contextualização acerca dos procedimentos de uma leitura queer, tratando de questões conceituais e da abordagem metodológica em linguística queer. Nesse capítulo, efetuamos uma leitura na temporalidade, olhando os aspectos de construção, bem como os sentidos de mulher propostos nos folhetos. Além dos pesquisadores já citados nesse. 13 | P á g i n a.

(15) estudo, também buscamos fundamentação nas ideias de outros pesquisadores, como Borba (2006); Misckolci (2014); Míguez (2014); Moita Lopes (2006); Barroso (2014), Santos Filho (2012, 2015) e Tezza (2006).. 14 | P á g i n a.

(16) 1. LINGUÍSTICA QUEER – UMA LINGUÍSTICA APLICADA. S. ituando os estudos de gênero, sexualidade e linguagem, devemos salientar que durante décadas anteriores existiu uma quantidade significativa de pesquisas sobre a linguagem que consideraram questões de sexualidade, ou melhor, ou de orientação sexual, como critério de análise. No entanto, grande parte desses estudos enxergavam gênero como uma categoria não problemática, que estaria ligada inicialmente ao sexo do falante ou escritor, conforme explicam Hall e Lívia (1997). Tais estudos falavam sobre linguagem e orientação sexual, nas décadas de 1960 e 1970, por exemplo, e centravam suas análises no léxico, em decorrência dos quais foram elaborados muitos glossários e dicionários gays, como A Lexicon of Gay Slang, The Queen’s Vernacular e outros. Um dos primeiros glossários da linguagem gay foi o The Language of Homosexuality: An American Glossary, compilado por Gershon Legman, em 1941, que continha uma lista de 329 termos, conforme explicam as pesquisadoras Hall e Livia (1997). O glossário de Legman inclui somente gírias de homens gays. Como exemplo desse tipo de glossário temos o “Glossário do mundo gay” construído a partir da cena humorística “Glossário”. Vejamos: O que dizem? Elza Picuman Carão Caricata Matim Maricona Neuza Bofe Neca Truque Checar Atraque Aliban Quebrar louça. Significado Roubo Peruca Luxo Palhaça Xinfrim, peba Bicha da terceira idade Feia Homem Pênis Jeito Cagar Confusão Polícia Quando dois homossexuais transam. Quadro 01: Glossário do mundo gay Fonte: Disponível em < https://mullerdiego.wordpress.com/2010/09/13/glossario-asgirias-do-mundo-gay/ >. Acesso em 04 de maio de 2016.. Acerca desses estudos, Santos Filho (2015c), em “Linguística queer – para além da língua(gem) como expressão do lugar do falante”, pontua que reproduziam a verborragia, a parolagem, a verbosidade, e também a crença popular existente sobre gênero, sexualidade e linguagem. Ou seja, não apenas compartilhavam, mas reproduziam a ideia de essência biológica, porque forjavam um estilo particular de fala para homens e mulheres. A verborragia,. 15 | P á g i n a.

(17) estilo particular atrelado a cada sexo, era analisada como um comportamento que se refletia na língua(gem). Assim, podemos compreender que Nesse conhecimento, e dessa maneira, a língua(gem) não é problematizada, não são problematizados os sujeitos e suas identidades. No bojo desse saber, estudos de linguagem que se atrelaram às questões de gênero (não de sexualidade) estiveram interessados na verbosidade, na parolagem, na verborragia, isto é, estiveram interessados no (suposto) estilo particular de fala de homens e mulheres, sendo esses percebidos a partir da noção de papel de sexo. É a noção de língua(gem) como expressão do lugar de seu falante: a mulher fala “X” porque é mulher, o homem fala “Y” porque é homem, e o gay fala “X” porque se compreende como mulher, por exemplo (SANTOS FILHO, 2015b, p. 18).. Em tais estudos, que relacionam linguagem e questões de “sexualidade” e “gênero”, não havia a problematização da linguagem, dos sujeitos, nem de suas identidades. Essas pesquisas também almejavam construir uma “linguagem gay”, “linguagem do homem”, “linguagem da mulher”, como expressão do lugar de seu falante, focando o estudo de “gênero” (que era tratado como papel de sexo), mas não de “sexualidade”, pois o foco era a orientação sexual. Desse modo, nem o gênero nem a sexualidade foram problematizados nesses estudos em linguagem, uma vez que existiam as dicotomias corpo versus sexo e gênero versus corpo, que proporcionavam possibilidades limitadas de análise. Uma possível explicação sobre o porquê de o conceito de sexualidade não ter sido incluído como critério analítico nesses estudos é o de que os falantes gays foram incluídos no grupo de informantes masculinos e as lésbicas colocadas no grupo de mulheres (HALL e LIVIA, 1997). Essas pesquisadoras explicam que essa classificação encontra-se fundamentada na pressuposição de que o compartilhamento de um gênero fornece similaridades que prevalecem sobre a orientação sexual. Continuando pensando a esse respeito, ser homem ou ser mulher para o senso comum perpassa pela noção de sistema de gênero inteligível, conceito abordado por Butler (2003, 2009, 2010) apud Santos Filho (2012), noção na qual se reproduz e se mantém a heteronormatividade, esperando/forjando modos de ser e de viver de acordo com um projeto heterossexual. Essa é uma concepção binária e heteronormativa, na qual a heterossexualidade funciona como uma norma, ou seja, a ideia de que cada sexo só poderia se relacionar com o sexo oposto. Na visão do senso comum, é como se cada corpo tivesse uma essência, uma morfologia que a ela está atrelada o papel de sexo. Nesse sentido, nossa cultura acredita que cada morfologia tem uma essência que determina o modo como o sujeito deve agir e se comportar, gerando expectativas para cada corpo. Por exemplo, os meninos estão sempre livres jogando bola, correndo, competindo e lutando, já as meninas costumam ficar sentadinhas, brincando de boneca e conversando. No tocante à subordinação a um projeto heterossexual, Preciado (2014) critica a força perversa do. 16 | P á g i n a.

(18) capitalismo e sua ação normalizadora de corpos, comportamentos e discurso. O capitalismo mencionado por ela é entendido como estrutura de subordinação a um projeto heterossexual, normativo, de corpos a serviço da produção e da reprodução. As pesquisas comentadas anteriormente almejavam estudar “linguagem gay”, “linguagem de homem”, “linguagem de mulher” como expressão do lugar de seu falante. Eles recaíam sobre o estudo de gênero, e não de sexualidade, pois pensavam em um estilo particular atrelado a cada corpo. Assim, a verborragia, estilo particular ligado a cada sexo, era analisada como um comportamento que se refletia na língua(gem). Não havia a problematização da linguagem, dos sujeitos nem de suas identidades. O pensamento de Preciado (2014) ajuda-nos a entender que estamos inseridos em uma sociedade que tem o sistema de gênero inteligível (SANTOS FILHO, 2012; 2015a; 2015b; 2015c) rotulando modos de ser homem e de ser mulher heterossexual presentes nos mais diversos enunciados. Com base no acervo da Casa Rui Barbosa, os folhetos “História da Donzela Teodora”; “Os Martírios de Genoveva”, e “O testamento da Cigana Esmeralda”, foram republicados nos anos de 1974 e 1975. Será que tais folhetos também reproduzem tal projeto, no sentido de criar modos de ser mulher na sociedade? Pensemos! [...] além dessas qualidades em tudo era preciosa modéstia e trabalhadora cortês e religiosa graças a educação de sua mãe extremada (BARROS, 1974, p. 2). Mesmo existindo discursos dentro do projeto de gênero inteligível, como postula Preciado (2014), um sistema que rotula modos de ser homem e mulher na perspectiva heteronormativa, também há outros discursos que fogem desse projeto inteligível. Houve nas últimas décadas uma explosão discursiva sobre sexualidade, transformada em objeto de estudos de diferentes áreas, tais como a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia. Essa explosão discursiva se configurou como o reflexo de mudanças sociais profundas que têm mostrado que a diversidade de significados e categorias sexuais é multifacetada, argumenta Borba (2015). Porém, as áreas de estudo ainda enxergavam essas mudanças como uma questão a ser pesquisada, questionada, diagnosticada, e consequentemente, normalizada. Logo, essa explosão discursiva tornou-se uma preocupação para as Ciências Sociais por causa das interpretações limitadas e limitadoras que eram dadas a tais questões (BORBA, 2015). Essa explosão não foi só em torno da sexualidade, mas também do gênero. Assim, podemos citar o estudo de Santos Filho (2012), no qual o pesquisador analisa a capa da revista “Veja”, de agosto de 2001. Para ele, a capa “Homem – o super-herói fragilizado” trouxe uma nova discussão, pois a 17 | P á g i n a.

(19) revista menciona que a obrigação de manter a imagem de super-herói, vista como sinônimo de força e poder, estava provocando uma angústia masculina. Já a outra edição da “Veja”, de 1º de outubro de 2003, com a reportagem de capa “O Novo Homem”, Santos Filho (2012) explica que na capa, a revista já dizia que o novo homem é aquele com preocupações com a forma física, cabelos e roupas, mas, mais do que isso, é aquele homem com uma nova maneira de ver o mundo, e de atuar nele de maneira diferente, até mesmo impensada, nas últimas décadas. Um dos itens apontado para o comportamento desse novo homem, chamado de metrossexual, é a incursão pelo universo feminino (SANTOS FILHO, 2012, p. 16).. Também a reportagem de 2006, sobre a sexualidade da cantora Ana Carolina, destacava a bissexualidade em todas as falas da intérprete, como em “eu sou bissexual” e “acho natural gostar de homens e mulheres”. Diante desses novos discursos que se configuram como subversão ao sistema de gênero inteligível, torna-se necessário adotar outro viés diferente daquele que eram realizados nas décadas de 1960 e 1970, caracterizados pela parolagem, pela verborragia. Assim, o nascimento dos estudos queer ocorre devido aos movimentos sociais, feministas, gays e lésbicas. Surgem nos fins da década de 1980, nos Estados Unidos. Santos Filho (2015a) explica que a Linguística Queer intenciona problematizar a performatividade de gênero e sexualidade (e de outras identidades), problematizando/estranhando, desse modo, a configuração do ato político. O pesquisador ancorado no pensamento de Butler (2009; 2015b) argumenta que o bojo de questões de/para uma Linguística Queer, com a qual mantém aproximação com os propósitos dos estudos queer, visa (...) interrogar a emergência e o desaparecimento do humano nos limites do que podemos saber [saberes linguísticosdiscursivos] (...) revigorar os projetos intelectuais da crítica (subversiva), do questionamento, da tentativa de entender as dificuldades e demandas de tradução cultural e do discurso [inserção e negrito do pesquisador] (Butler, 2011, p. 31 apud SANTOS FILHO (2015b).. Dentro desses estudos está a linguística queer, entendida como campo que se constrói na teia da linguagem, gênero e sexualidade, refletindo sobre a linguagem na vida dos indivíduos, bem como sua interação no meio social. 1.1 O que é a Linguística Queer? Nesse contexto, nossa pesquisa está situada no campo da Linguística Queer, área que aborda uma proposta analítica da normalização vigente em nossa sociedade. Essa normalização é fruto de uma cultura hetenormativa que. 18 | P á g i n a.

(20) molda e/ou de(forma) para que o indivíduo possa ser visto como normal, logo aceitável. Na visão de Santos Filho (2015a), vivemos uma cultura de recusas e preconceitos contra as sexualidades e os gêneros dissidentes e também contra os heterossexuais que se desviam da normalização. Nessa compreensão, a identidade deve ser um objeto de reflexão, o qual passa a ser visto em uma concepção pós-identitária, assumindo a noção de performatividade. A normalização se dá pelo princípio da desconstrução como realiza Santos Filho (2015b) numa leitura queer dos outdoors que visam dar reconhecimento às mulheres. Essa leitura do pesquisador será explorada na sequência desta pesquisa. Em nosso estudo, são analisados três cordéis de Leandro Gomes de Barros, quais sejam, “Os Martírios de Genoveva”, de 1874; “O testamento da Cigana Esmeralda”, de 1874, e “História da Donzela Teodora”, de 1875. Sobre esses, questionamos: Será a literatura de cordel uma matriz de poder que trabalha para a reprodução de uma sociedade patriarcal? Que visão de mulher impera em folhetos do século XIX? Nesse estudo, objetivamos problematizar a relação sujeito, linguagem, significado e identidade, compreendendo acerca do(s) modo(s) de ser feminino (e masculino) nos folhetos de cordel mencionados. Distanciamo-nos da visão tradicional da linguagem que postula que falar é descrever ou representar as coisas do mundo. Santos Filho (2015) citando Butler (2003, 2009, 2011, 2015a) explica que a língua(gem) falha ao representar. Assim, os supostos “projetos de representação” são entendidos como atividades performativas, que buscam autorizar sujeitos e sentidos. Adotamos o pensamento de Austin (1962) em que dizer significa fazer, porque os atos de fala são organizados, mantidos e configurados pela linguagem. Desse modo, a linguagem não nos representa, mas nos constrói. Nessa perspectiva, Santos Filho (2015) argumenta que são os atos de fala que organizam o gênero e a sexualidade. Na concepção de performatividade, podemos entender que a cultura influencia, mas que esses não determinam a morfologia de corpos, no sentido de instituir um sujeito já-lá. Santos Filho (2015) pontua que a Linguística Queer está conectada com o ato performativo queer, seja dos movimentos sociais e/ou dos estudos queer, em sentido de subversão. A incorporação do ato performativo à linguística queer se opõe à superficialidade dos estudos realizados desde a década de 1940, em que a relação língua(gem), gênero e sexualidade não era uma tríade problematizada. O pesquisador explica que a linguística queer ao se apropriar da noção de performatividade assume também a noção de construção, mas se afasta do construcionismo linguístico-social, pois entende que a língua(gem) não determina seu objeto de discurso. Os fundamentos de tal estudo está na Linguística Queer, linguística que ganhou espaço na perspectiva queer no bojo das reflexões anteriores, sendo um campo ainda em desenvolvimento no Brasil, que pode ser compreendida como um arcabouço epistemológico construído por meio do diálogo entre os estudos linguístico-enunciativo-discursivo com a Teoria Queer, forjando uma proposta analítica da heteronormatividade, explica Santos Filho (2012), doutor. 19 | P á g i n a.

(21) em Linguística, com ênfase para os estudos em Linguística Aplicada e Linguística Queer. No Brasil, ele foi o primeiro a ministrar a disciplina eletiva “Linguística Queer”, a partir de 2014, pela Universidade Federal de Alagoas – Campus do Sertão, onde atualmente trabalha como professor no curso de Letras. Também é autor de inúmeros trabalhos, entre eles ensaios, artigos, resumos etc., em que problematiza a relação entre linguagem, gênero e sexualidade, dando vida a essa área de estudos linguísticos. A primeira aparição da Linguística Queer no Brasil se deu por Borba (2006), momento também em que a teoria queer começava a adentrar em nossa academia. O artigo do pesquisador, “Linguística queer: uma perspectiva pósidentitária para os estudos da linguagem”, foi de suma importância, porque deu visibilidade à área e trouxe para o cenário brasileiro a discussão sobre um campo relativamente recente para os estudos da linguagem: a jovem área da linguística queer. Em 2012, temos a publicação da tese de Santos Filho, com o capítulo “Linguística queer e performatividade: linguagem em performances de gênero e sexualidade”. Nesse estudo, Santos Filho (2012) explica que, nos últimos anos, devido ao boom da Internet, tem ocorrido nos chats um movimento de homens que desejam “conversar” com outros homens, para estabelecer relações sexuais. Para o pesquisador, nas conversas tecladas as masculinidades têm sido reconfiguradas, instituindo homens que se posicionam como bissexuais. Em vista disto, o estudo de Santos Filho (2012) teve como objetivo entender o posicionamento desses homens nas conversas de chats; quais performances de masculinidades bissexuais são por eles construídas; que imagens e comportamentos são propostos para esses homens e que identificação ou distanciamento são forjados em relações às masculinidades heterossexual e homossexual e se tais posicionamentos provocam rupturas no sistema de gênero inteligível. O trabalho de Santos Filho (2012) é relevante para o atual contexto em que vivemos uma guerra em torno da identidade sexual (Santos Filho, 2015a), pois cria inteligibilidade sobre a linguagem, a vida e as questões que permeiam o nosso cotidiano. Assim, através do estudo do pesquisador, compreendemos que há “outros” modos de viver as masculinidades que são forjadas nos espaços virtuais. A necessidade de uma Linguística Queer consiste em não mais pensar/aceitar a ideia de gênero, sexo e sexualidade atrelada à morfologia do corpo. Por isso, esse campo se opõe às pesquisas realizados durante duas décadas anteriores, em que poucas discutiam a questão de sexualidade e de gênero como critério analítico nos estudos em linguagem. A Linguística Queer também desnaturaliza esse modo de pensar a língua(gem) que paira sobre o senso comum dominante, e na academia, especialmente, fora dos estudos linguísticos (SANTOS FILHO, 2015c), de que existem modos de ser e de viver determinados para cada corpo, uma vez que essa compreensão sustenta nosso script cultural, perpetuando o pensamento de que há uma “linguagem de mulher”, “linguagem de gay” e uma “linguagem de homem”, ligada ao sexo de cada um.. 20 | P á g i n a.

(22) Para Santos Filho (2015b), a Linguística Queer contribui para os conhecimentos linguístico-discursivos dos estudos queer, pois Lança o olhar para a atividade linguístico-enunciativodiscursiva em sua dimensão política e para o enunciado e sua força performativa na manutenção e subversão de gênero e sexualidade, mas não só; preocupa-se com os recursos e estratégias em tais construções enunciativo-discursivas (SANTOS FILHO, 2015b, p. 6).. Nessa perspectiva, Borba (2006), a partir de Barret (2002), faz-nos entender que a Linguística Queer era definida como o estudo da linguagem em uso conectado com os elementos da teoria queer. Ou seja, o encontro de dois campos aparentemente distintos, em complementação, no qual o foco dos estudos recaía em entender a maneira como os sujeitos usam a linguagem em diversas práticas sociais. Dessa forma, analisava-se como os sujeitos através de suas vivências sexuais e corporais faziam o uso da língua(gem) para se posicionarem em relação ao mundo. No ensaio “Da emergência da linguística queer”, Santos Filho (2015b) propõe pensarmos sobre o sujeito que fala e que age, entendido como um efeito de poder no qual implica esquemas normalizadores de inteligibilidade e seus efeitos de subversões, em cenas discursivas e/ou interpelativas. Nesse sentido, o pesquisador esclarece que as enunciações não são expressões de si ou de um suposto lugar do falante, são “decisões” sobre corpos, porque desencadeiam modos de “fazer” um corpo dentro das convenções, porque a linguagem é ação, no sentido de instituir ou criar a existência de algo. É importante destacar que, para esse pesquisador, a linguística queer não estuda somente os sujeitos considerados abjetos, como propõe Borba (2006, 2014), mas focaliza a relação língua(gem), gênero e sex(o)ualidade, não apenas de sujeitos queer, mas de todo e qualquer sujeito, argumenta Santos Filho (2015b). Santos Filho (2012) explica em sua tese que, para Foucault (1988), no tocante a “História da Sexualidade – a vontade de saber”, as práticas sexuais estavam ligadas à reprodução como algo ligado à natureza e à concepção de que as atividades sexuais deveriam seguir esta ordem (SANTOS FILHO, 2012). O pesquisador argumenta que existia por parte da igreja católica uma monitoração sobre a vida moral dos fiéis, pois procurava impedi-los de burlar a natureza. Nessa visão, eram impedidos a sodomia, o coito interrompido e outras formas de exercer a sexualidade que não estivesse de acordo com a ordem natural. Santos Filho (2012), fundamentado em Foucault (1988), ressalta que a sexualidade é o conjunto de efeitos produzidos nos corpos, nos comportamentos e nas relações sociais, e que, assim, interessa-nos pensar que a sexualidade é um conjunto de efeitos sobre o sujeito. Por isso, ele afirma que Estamos negando a concepção de um gênero inteligível, aquele no qual a sexualidade é compreendida como biológica, e assumimos a compreensão que os. 21 | P á g i n a.

(23) comportamentos/atividades/desejos/identidades são construções discursivas sobre as características anátomofisiológicas, essas discursivamente também forjadas. Nesse sentido, o corpo participa da sexualidade, não como constituído de marcas eternas, mas como possibilidades discursivas em uma dada comunidade e cultura (SANTOS FILHO, 2012, p. 54).. Livia e Hall (2010) também citam que, para esse filósofo, são as “práticas que sistematicamente criam o objeto do qual falam” (FOUCAULT, 1972, p. 49). Santos Filho (2010) na pesquisa “Em tempos de sexualidade plástica, o item lexical “heteroafinidade”, explica que nossa atual sociedade ainda lida com as condutas sexuais pela visão do sistema de gênero inteligível, aquele para o qual existe uma sexualidade verdadeira, natural, divina: a heterossexualidade. Dessa maneira, para o senso comum dominante, o masculino e o feminino são aspectos do ser humano que nascem atrelados em cada sujeito, dependendo do sexo, e que instituem e mantêm coerência e continuidade com a prática e o desejo sexuais. Louro (2014), em “Uma sequência de atos”, argumenta que, para Judith Butler, o gênero é um processo contínuo do qual não se pode precisar o fim, talvez nem mesmo a origem. Mais do que isso, acredita que é um processo do qual nunca se atingiria a meta. E se isso é pensado sobre a mulher, também pode ser pensado sobre o homem. Louro (2014) diz que, para Butler, o gênero é uma repetição. Assim “é a contínua estilização do corpo, um conjunto de atos repetidos, no interior de um quadro regulatório altamente rígido, que se cristaliza ao longo do tempo para produzir a aparência de uma substância, a aparência de uma maneira natural de ser” (LOURO, 2014, p. 3). Essa pesquisadora frisa que, para essa filósofa pós-estruturalista, tornar-se um indivíduo feminino ou masculino não é algo que aconteça de uma só vez, mas um processo que é contínuo, que nunca se completa. Louro (2014) cita que Butler complica a noção de “identidade de gênero”. Afirma que gênero não é algo que somos, mas algo que fazemos. Não é natural, que se “deduz” no corpo. Em vez disso, é a própria nomeação de um corpo, sua designação como macho ou como fêmea, como masculino ou feminino, que “faz” esse corpo. O gênero é efeito de discursos. O gênero é performativo. Nesse entendimento, consideramos que, ao enunciar, nos cordéis, Leandro Gomes de Barros não representa uma mulher “já-lá”, dada no mundo, mas institui a existência dessa, porque o gênero, a sexualidade, o(s) desejo(s) e os corpos, na ideia de performatividade, acontecem em “uma sequência de atos” (SANTOS FILHO, 2012). A Linguística Queer é um campo que se constrói na teia da linguagem, gênero e sexualidade, refletindo sobre a linguagem na vida dos indivíduos, bem como sua interação no contexto social. O livro “Queerly Phrased: Language, Gender and Sexuality”, organizado por Anna Livia e Kira Hall é um marco importante, pois problematiza a linguagem, o gênero e a sexualidade. É uma coletânea de ensaios que busca dar uma resposta às normas estabelecidas na. 22 | P á g i n a.

(24) pesquisa em linguagem como a verborragia, a parolagem, que não problematizam o gênero e a sexualidade, pois se fundamentavam no papel de sexo. Neste sentido, o livro procura entender gênero e sexualidade como questões conectadas, revisando também o discurso do binarismo homem e mulher, e procura compreender a sexualidade queer. De acordo com Santos Filho (2015b), os principais conceitos úteis à Linguística, pontuados por Livia e Hall, são: i) a noção de “eu” como sujeito não pré-discursivo; ii) a ideia de que o significado não é transcendental, ou seja, ele não pode representar; iii) a iterabilidade do discurso; iv) a ideia de que os dêiticos não são mais um conjunto limitado; v) o conceito de performatividade, como problematização da noção de “construcionismo linguístico”. Santos Filho (2015b) explica que Borba (2006) em seu artigo “Linguística Queer: uma perspectiva pós-identitária para os estudos em linguagem”, faz uma reflexão teórica sobre a área, destacando que esse campo segue as propostas da teoria queer, e que deu vozes aos novos sujeitos, tais como lésbicas, gays, transexuais, etc. Porém, salienta que não se pode dizer que a Linguística Queer seja um estudo de uma categoria pré-definida. O estudo realizado por Borba (2006) focaliza as identidades sexuais. Santos Filho (2015) se opõe a esse entendimento e cogita que a Linguística Queer não focaliza somente a relação linguagem e sexualidade, mas a relação língua(gem), gênero e sex(o)ualidade, não apenas de sujeitos queer, mas de todo e qualquer sujeito, porque as questões de gênero e sexualidade não são apenas de minoria, mas centrais da esfera política e cultural (MISKOLCI, 2015). Essa percepção é útil para olharmos a construção da(s) mulher(es) nos folhetos de cordéis, não apenas considerando as questões de gênero e sexualidade, mas como ela(s) são construída(s), reconfigurada(s) e mantida(s) pela língua(gem). Santos Filho (2015b) menciona que a abordagem metodológica da Linguística Queer, que na proposta por Borba (2006) deve ser realizada através de estudos etnográficos por meio de uma descrição densa, nos níveis micro e macrossocial, não se restringe apenas a esse viés, mas se aplica a outros, tal qual a “etnolinguística da fala viva”, em perspectiva de estudos enunciativodiscursivos. A esse respeito, Santos Filho (2012) explica, no capítulo “A Crítica ao Estruturalismo e ao Formalismo, a enunciação concreta: Bakhtin/Volochinov”, que a proposta de Mikhail Bakhtin era a de substituir a Linguística, em Saussure, pela Metalinguística, fundamentada na etnolinguística da fala viva. Nesse ângulo, são as relações dialógicas que se tornam o objeto de estudo da metalinguística (SANTOS FILHO, 2012). Essa proposta, de uma metalinguística ou translinguística, é a de entender a “fala”, a conversa do cotidiano, os diversos discursos, sejam orais ou escritos, como processo que integra as atividades humanas com e sobre a linguagem nas relações sociais. De acordo com esse pesquisador, as expressões semióticas têm o psiquismo como uma instância obrigatória de passagem e que sem a exteriorização o discurso interior não existe, no sentido de que o discurso interior não é fechado em um organismo vivo, mas condicionado às leis sóciohistóricas (SANTOS FILHO, 2012).. 23 | P á g i n a.

(25) Ancorado em Santos Filho (2015b), entendemos que os enunciados são construídos em diálogo com a autoridade moral, na qual a estrutura do discurso é relevante para compreender o modo como a autoridade moral é introduzida e sustentada, uma vez que se o discurso está presente não apenas quando nos dirigimos ao Outro, mas também passamos a existir no momento em que o discurso nos alcança. Quando esse discurso falha em nos conversar sobre algo, passamos a ter uma existência precária. Ou seja, aqueles/aquelas que não se identificam com os “projetos de representação” de alguma forma, levam uma vida precária, pois é como se estivessem vivendo uma vida não autorizada (SANTOS FILHO, 2015b). Na proposta desse linguista, a língua(gem) não expressa, nem representa, pois a partir dela se faz uma ação. Assim, a fala ordinária é um exercício performativo. Interessa-nos compreender como a autoridade moral é sustentada pelos diferentes enunciados no corpus apresentado. O ato performativo não é um ato linguístico em si, pois ele não reporta apenas a materialidade semiótica de um enunciado, mas os sujeitos que se tornam “objeto de discurso”. Entendemos que as práticas discursivas são tomadas como “atos linguísticos”, as quais podem atender às exigências de nosso script cultural inteligível ou ser dissidente dele (SANTOS FILHO, 2015b). Para ele, cada ato performativo, configura-se como uma cena de interpelação, de convocação ao outro, que também convoca o “eu” do discurso, a identificar-se com os sentidos ali propostos. Santos Filho (2015b) explica que os atos de fala são enunciados que exercem um dado poder vinculante, pois eles validam e autorizam um determinado ato linguístico. Santos Filho (2015), ancorado nas ideias de Judith Butler (2002, 2010), explica que um ato linguístico se transforma em um ato performativo com êxito das citações que têm poder vinculante. Esse poder cria esquemas normativos de inteligibilidade que condicionam o gênero, a sexualidade e o desejo, uma vez que esses tornam-se regras culturais binárias, tendo a heteronormatividade como fundamento (SANTOS FILHO, 2015a). Logo, podemos entender que a citação é um discurso que vai sendo reiterado e repetido ao longo da história, que vai sendo ressignificado. De acordo com Santos Filho (2015b) um ato linguístico transforma-se em um ato performativo com êxito quando as citações têm poder vinculante, ou seja, quando produz um efeito “obrigatório”, no entendimento de que devem ser tomados como modelo ou padrão. Desse modo, podemos interrogar: i) que sentidos de quem foram autorizados nos cordéis?; ii) que sujeitos foram nessas enunciações autorizados?; iii) que “citações” foram repetidas?; iv) será que tais “frases anteriores” têm poder vinculante? e v) será que os cordéis se constituem em atos performativos, com êxito? No folheto intitulado “História da Donzela Teodora”, qual mulher o “eu” discursivo constrói? Vejamos um trecho: Andando um dia na rua numa praça pôde ver uma donzela cristã. 24 | P á g i n a.

(26) ali para se vender o mercador vendo aquilo não pôde mais se conter (BARROS, 1975, p. 1).. Nossa filiação à linguística queer nos faz olhar para o enunciado do cordel e questionar: Por que esse perfil de mulher era adotado e não outro e qual analogia ou relação de intertextualidade é reiterado nesse folheto? No trecho seguinte da narrativa, indagamos se o conhecimento da jovem donzela possibilita livrar-se da coisificação do homem. Pensemos! Ela que já era um ente nascido por excelência como quem tivesse vindo das entranhas da ciência tinha por pai o saber e por mãe, a inteligência (BARROS, 1975, p. 2).. 1.2 Mas e o que é Queer? Movimentos e Estudos Se nos perguntamos o que seria o sujeito queer, encontramos a dificuldade de tradução do termo para outras línguas. O termo queer vem da raiz torquere, que significa torcer. Na língua inglesa, significa estranho, esquisto, anormal. Ao consultar o dicionário online Michaelis, disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?r=1&f=1&t=0&palavra=queer, vemos que a palavra queer possui duas acepções, que são adjetivo e verbo. De acordo com Miguez (2014) apud Spargo: “Queer” pode funcionar como substantivo, adjetivo ou verbo, mas em qualquer caso se define contra o ‘normal’ ou normalizador. A teoria queer não é um quadro de referência singular, conceitual ou sistemático, mas sim uma coleção de compromissos intelectuais com as relações entre sexo, gênero e desejo sexual (SPARGO, 2006, p. 8).. Como adjetivo, o termo queer pode significar estranho, suspeito, esquisito, ridículo, extraordinário; como verbo é estragar, prejudicar (SANTOS FILHO, 2015, p. 3). Diante dessas acepções, não conhecemos a palavra queer no sentido de injúria, agressão, ofensa. Mas, como explica Santos Filho (2015c), a palavra queer foi usada inicialmente como uma forma de insulto aos homossexuais, no século XX. Logo, um termo ofensivo e agressivo. E ainda é. O termo queer não é algo recente na nossa sociedade, e, de acordo com a colunista Helena Vieira, citada por Santos Filho (2015), há registro em que a palavra queer é usada há mais de 400 anos. Para ela, na Inglaterra havia uma “Queer Street”, em que viviam os vagabundos, as. 25 | P á g i n a.

(27) prostitutas, os pervertidos e os devassos. Logo, ser um sujeito queer era/é estar às margens da sociedade (SANTOS FILHO, 2015). Nessas origens, é preciso compreendermos que a ressignificação política do termo queer começou em 1980, com a força dos movimentos gays, podendo citar a revolta de “StoneWall”, de 1969, nos Estados Unidos, em que ocorreram conflitos violentos entre gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros e a polícia de Nova York, tendo início no “Bar Stonewall Inn”. Foi neste embate que a comunidade LGBTQ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e queer) resistiu, provocando seus opressores, como a polícia, que fazia o uso de maustratos e torturas (BENTO, 2014). A resposta da sociedade civil foi o surgimento de movimentos sociais como o ACT-UP e o Queer Nation, que paralelamente surgiram nas ruas e nas academias. O movimento ficou conhecido pelo ato performativo queer: o grito dos diferentes sujeitos que mantinham o espírito de transformação na sociedade (SANTOS FILHO, 2015b). A enunciação “We’re queer, we’re here! Get to it!” (Nós somos estranhos, estamos aqui!), já evidenciava o caráter insurgente do movimento, pois forjava novos modos de ser e de viver que não aspiravam o centro e nem o queriam como referência. Com base em Louro (2008, p. 07-08), entendemos o queer como “o excêntrico que não deseja ser ‘integrado’ e muito menos ‘tolerado’ (...) um corpo estranho, que incomoda, perturba, provoca e fascina”. Santos Filho (2015b) pontua que a Linguística queer está conectada com o ato performativo queer, seja dos movimentos sociais e/ou dos estudos queer, em seu caráter de subversão. A incorporação do ato performativo à linguística queer se opõe à superficialidade dos estudos antes realizados acerca da relação língua(gem), gênero e sexualidade, problematizando essa tríade. Nesse bojo, o pesquisador explica que a linguística queer ao se apropriar da noção de performatividade, assume também a noção de construção, mas se afasta do construcionismo linguístico-social, pois entende que a língua(gem) não determina seu objeto de discurso. Assim, não se concebe a performatividade em seu caráter divino, no sentido bíblico, em que Deus diz: “Faça-se luz! E a luz foi feita (...)”, assim, distanciando-se também da noção de ideologia de gênero, que enxerga a mudança linguística como “desconstrução” da realidade, como se existisse usos linguístico-discursivos naturais e verdadeiros. 1.3 Linguística Queer como Linguística Aplicada O 18º Congresso Mundial de Linguística Aplicada, no Rio de Janeiro, com o tema “Inovações e desafios epistemológicos na linguística aplicada”, traz diversos trabalhos sobre invocações e desafios na pesquisa em Linguística Aplicada. Entre as/os conferencistas estavam Luiz Paulo da Moita Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Tommaso Milani, da University of Witwatersrand, em Johannesburg. A pesquisa de Milani aborda “Linguística Queer: Inovações e desafios para a LA”, com uma discussão já existente em Nelson (2006), qual seja, a de entender a Linguística Queer como uma Linguística Aplicada. A Linguística Queer como uma Linguística Aplicada pode. 26 | P á g i n a.

(28) ser compreendida como um campo que dentro dos estudos em linguagem, sobretudo, os estudos de gênero discursivo, na qual a relação de gênero e sexualidade passa a ser estranhada, problematizada, e, consequentemente criase inteligibilidade sobre questões que eram antes tomadas como naturais ou biológicas. A Linguística Aplicada permite olhar para a Linguística Queer (doravante LQ) abordando o caráter interdisciplinar e indisciplinar na pesquisa. Assim, a LQ ao abordar as questões de gênero, sexualidade e identidade precisa ser na perspectiva de uma LA. A linguística aplicada (LA) mestiça, de caráter indisciplinar/transdisciplinar, como postula Moita Lopes (2006), possibilita analisar as relações de gênero e sexualidade na sociedade. Logo, enxergar a linguística queer como uma linguística aplica implica em reconhecer as construções de subjetividades, entrar em contato com outras discursividades, e, consequentemente, com outras visões de mundo. Na sequência, será argumentado mais sobre esse assunto. Tendo em vista que a LA se preocupa com as práticas discursivas, tanto dentro do âmbito educacional quanto fora dele, pois, seus interesses não se restringem apenas à educação, à linguística, configura-se, assim, como um campo do saber que constrói uma postura interdisciplinar ou indisciplinar, como pontua Moita Lopes (2006). Nesse sentido, na contemporaneidade, ela não pode ser vista sob a ótica solucionista, pois não tem como objetivo imediato solucionar problemas, mas problematizar e construir conhecimento sobre eles. Segundo Moita Lopes (2006), Havia nessa perspectiva uma simplificação da área, então entendida como lugar de encontrar soluções para problemas relativos ao uso da linguagem, apagando a complexidade e efemeridade das situações de uso estudadas, que não, necessariamente, se replicam da mesma forma, o que impossibilita pensar soluções (MOITA LOPES, 2006, p. 20).. Para cumprir essa postura, algumas teorizações das ciências sociais e humanas são importantes, pois trazem a concepção de sujeito social que precisa ser incorporada também aos estudos em LA, pensando, dessa forma, em novos modos de fazer pesquisa/criar inteligibilidade nessa área, tanto nos processos teóricos quanto metodológicos. É certo que durante muito tempo (e ainda na contemporaneidade), a LA é um campo do saber que está fortemente entrelaçada com a teoria linguística, que se ocupa dos estudos em língua(gem), principalmente o ensino e a aprendizagem de línguas, por isso vista como um campo de “aplicação” da linguística. Mas, como ressalta Moita Lopes (2006), nenhuma teoria linguística pode dar conta, de forma independente e eficaz, dos aspectos sociais e psicológicos relacionados à aprendizagem de línguas, o que possibilita que ela seja uma área interdisciplinar, podendo trazer conceitos de outros campos para compreensão de um determinado objeto. Logo, é o caráter interdisciplinar/transdisciplinar da LA que permite tratar de questões contemporâneas envolvendo o uso da língua(gem) e olhar. 27 | P á g i n a.

(29) para o sujeito visto em sua complexidade, seus entrelaçamentos/atravessamentos identitários, que são forjados discursivamente (MOITA LOPES, 2006). Nesta perspectiva, é preciso considerar que o discurso do sujeito está sempre conectado ao de sua historicidade, sua classe social, seus desejos sexuais, gênero, etnia. Ou seja, aos seus aspectos de heterogeneidade integram o processo constitutivo do seu ser. Nesse sentido, a subjetividade é o que permite levar em conta as alteridades, os empoderamentos, os posicionamentos políticos e também o caráter de insurgência. Por isso, Moita Lopes (2006) esclarece que Para muitos que fazem pesquisa em LA e em Ciência Sociais atualmente, a alteridade é representada por aqueles que operam dentro dos limites disciplinares, com visões objetivistas de conhecimento, com base em uma racionalidade descoporificada, sem compreensão acerca da heterogeneidade, fragmentação e mutabilidade do sujeito social, compreendido como situado em vácuo sócio-histórico, e sem contemplar questões de ética e poder. [Mas] a alteridade é um problema que tem a ver com o lado da fronteira em que está localizado [inserção nossa] (MOITA LOPES, 2006, p. 27).. Assim, compreendemos que a LA transgressora nos propõe pensar o impensável, ou seja, questionar uma ordem naturalizada. Entretanto, entendemos que a ordem social não é somente vista pela língua(gem), textualidade e semiose, mas também na perspectiva da performatividade em que o corpo, o espaço, o tempo, os conflitos marcados pelas diferenças sexuais e raciais são aspetos constitutivos do/no discurso. No bojo dessas questões, Linguística Queer pode ser compreendida como linguística aplicada, na qual se trabalha a identidade na condição de pósidentidade. Assim, podemos entender que a identidade não é algo préestabelecido, desde o nascimento, mas um feixe de identidade que faz com que o indivíduo no decorrer do tempo possa construir outras performances, reiventando novos modos de ser e de viver. A grande questão da atualidade recai sobre a heterogeneidade identitária (MOITA LOPES, 2006), à qual os sujeitos estão filiados e à forma como se produz um determinado tipo de conhecimento, com base em outros olhares e vozes que cooperem para a reinvenção da vida social. Na metáfora de Santos (2000), de “aprender com o Sul”, abordando a necessidade de conhecer as margens para conhecer também o centro, é preciso conhecer o discurso dos marginalizados/excluídos, para então formar um projeto emancipador, atrelando as políticas culturais de reconhecimento. Esta proposta emancipadora se relaciona com a concepção de uma coligação anti-hegemônica (que tem origem no compartilhamento do sofrimento humano) que está no solo da criação do pluriversalismo/universalismo em oposição à hegemonia do pensamento globalizado único (MOITA LOPES, 2006).. 28 | P á g i n a.

(30) Moita Lopes (2006, p. 86) ressalta a preocupação de muitos linguistas aplicados contemporâneos em produzir teorizações ancoradas em novos modos de compreender a vida social com base em crítica à modernidade. Assim, podemos falar em teorias pós-modernas críticas, teorias queer, feministas, antirracistas, pós-coloniais etc. Moita Lopes (2006) cita a preparação de uma agenda para a linguística aplicada transformadora/intervencionista, na qual o ponto crucial dessa agenda ética é a renarração/descrição da vida social. O linguista aplicado, ao passo que busca situar seu trabalho no mundo, busca também responder as questões que permeiam a contemporaneidade. Nessa linha de compreensão, o pensamento de Nelson (2006) é relevante porque as identidades sexuais são pensadas numa perspectiva construtivista, uma vez que “o foco mudou na direção de pensar as identidades sexuais como ‘atos’ em vez de como fatos e na direção de problematizar todas as identidades sexuais, em vez de considerar a liberação daquelas oprimidas” (NELSON, 2006, p. 216). Dessa maneira, na pesquisa em LA que entrelaça sexualidade e educação se torna necessário a força de um pensamento transcendente, no sentido de que as identidades sexuais não são tomadas como verdades ou fatos, mas como construtos teóricos, uma vez que “as identidades sexuais são relações sexuais que estão sendo desempenhadas, contestadas e continuamente negociadas por meio das interações cotidianas” (NELSON, 2006, p. 230). Conciliando a concepção da pesquisadora com os trabalhos de Santos Filho (2012, 2015a, 2015b, 2015c), entendemos que o foco da linguística queer problematiza a relação sujeito, linguagem, identidade e significado. Nesses meandros, a LQ como uma LA não se limita apenas às identidades sexuais não hetenormativas, porque aborda a intersecção na teia da linguagem, gênero e sexualidade, permitindo a compreensão desde o valor indicial da língua ao elo crítico entre linguagem e poder, problematizando a linguagem na/sobre a vida humana e sua interação dentro dos grupos sociais (SANTOS FILHO, 2015b). É ancorado nas vozes dos/das pesquisadores/as presentes nesse trabalho que é possível pensamos numa crítica indisciplinar/interdisciplinar/transdisciplinar e transformadora, a que podemos classificar no que chamamos de queer. Neste sentido, uma LQ como LA integrada nas causas políticas, sociais e culturais preocupa-se com as diferenças vistas no aspecto da heterogeneidade, transitoriedade e fluidez. Preocupa-se com os sujeitos subalternos/marginalizados que, ao longo do tempo, receberam uma carga pejorativa, e que na contemporaneidade constrem novas performances. É preciso frisar também que o foco não está apenas sobre sujeitos subalternos/marginalizados, mas também sobre os projetos de representação que objetivam forjar corpos e sujeitos dentro do sistema de gênero inteligível. Santos Filho (2015b) explica que a ideia da representação política e linguística estabelece a priori o critério segundo o qual os próprios sujeitos são formados, como resultados de a representação só se estender e alcançar ao que pode ser reconhecido como sujeito.. 29 | P á g i n a.

Referências

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