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CRISE MUNDIAL DO CAPITALISMO NO PÓS-1970, REAÇÃO BURGUESA E A CONTRARREFORMA DO ENSINO SUPERIOR NOS PAÍSES CAPITALISTAS

CAPÍTULO 1 – FORMAÇÃO SOCIAL E HISTÓRICA BRASILEIRA: A CONSTITUIÇÃO DO ENSINO SUPERIOR EM UM PAÍS CAPITALISTA

1.2 CRISE MUNDIAL DO CAPITALISMO NO PÓS-1970, REAÇÃO BURGUESA E A CONTRARREFORMA DO ENSINO SUPERIOR NOS PAÍSES CAPITALISTAS

DEPENDENTES

O período conhecido como a “Era de Ouro” (HOBSBAWN, 1995, p.14), com altas taxas de crescimento para o capitalismo, entra em declínio com a crise mundial do capitalismo que se adensa no pós-1970, consubstanciada numa longa e profunda recessão com a queda nas taxas de crescimento da economia e aumento das taxas inflacionárias. Tal crise acontece inicialmente nos países centrais, alastrando-se paulatinamente para os países periféricos.

Behring e Boschetti (2009) vão apresentar, embasadas pela concepção de Mandel,14 que se iniciava uma “onda longa depressiva” no ciclo do capitalismo, com o declínio da “onda longa expansiva”. Este autor, ao buscar compreender as fases históricas do capitalismo, embasou-se na teoria marxista para desenvolver a análise sobre os ciclos de expansão e estagnação do capitalismo. Sendo assim, considerou a teoria das ondas longas do desenvolvimento capitalista como produto histórico, a partir das tendências do capitalismo de oscilar entre momentos de ascensão e de recessão e queda das taxas inflacionárias.

Sendo assim,

Ele parte do princípio dialético fundamental da crítica marxiana da economia política de que não existe produção sem perturbações, ou melhor, não se configuram tendências de equilíbrio no capitalismo. A perseguição dos superlucros é sempre a busca pelo diferencial de produtividade do trabalho e, como consequência, a fuga a qualquer nivelamento da taxa de lucros. Assim, é inerente ao mundo do capital seu desenvolvimento desigual e combinado, ou seja, um vínculo estrutural entre desenvolvimento e subdesenvolvimento. A combinação variada das possibilidades de extração de superlucros [...] é a base para os movimentos de aceleração e desaceleração sucessivos no capitalismo: as ondas longas (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 113).

Portanto, a lógica de funcionamento da ordem burguesa, pautada no princípio da acumulação, é demarcada pelo desenvolvimento desigual e combinado,15 associada a períodos

14 Ernest Mandel foi uma marxista belga que desenvolveu a periodização da história do capitalismo com o intuito

de compreender a crise desencadeada a partir da década de 1960 (BEHRING, 2006). De acordo com esta mesma autora, “Mandel (1982) identifica um período concorrencial (a partir de 1848), marcado pela revolução do vapor; o imperialismo clássico (final do século XIX até os anos 30), que se distingue pelo processo de monopolização do capital; e o capitalismo tardio (ou maduro), período que vai do final da Segunda Guerra até os dias de hoje, que tem como característica central a automação (terceira revolução tecnológica) e o encurtamento do tempo de rotação do capital fixo (meios de produção), bem como a intervenção estatal, no sentido de controlar a insegurança que a aceleração de conjunto dos ciclos do capital tende a promover, em função da questão da rotação do capital” (BEHRING, 2006, p. 17).

15 A teoria do desenvolvimento desigual e combinado, construída por Trotsky, foi fundamental para o

de crise e de expansão. Deste modo, a recessão instaurada a partir dos anos 1974 e 1975 desconstruiu a concepção de que as crises do capital estariam controladas pela intervenção keynesiana (BEHRING e BOSCHETTI, 2009).

Diante destes apontamentos, torna-se importante perceber que a história do sistema capitalista foi demarcada por constantes crises econômicas – umas passageiras e superficiais, outras mais prolongadas. Em meio a essas crises, a classe dominante busca encontrar medidas de prevenção e intervenção, com vistas à retomada das taxas de lucros e da manutenção de sua supremacia político-cultural (CASTELO, 2011).

De acordo com Harvey (2008), este período de recessão foi exacerbado durante o momento conhecido como “choque do petróleo”,16 em meio aos conflitos políticos deflagrados no Oriente Médio e aumento dos preços instituídos pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Instaurando, nas décadas de 1970 e 1980, um processo de reestruturação econômica e transformações sociais e políticas. Assim, o período de recessão instaurado no início dos anos de 1970 consistiu numa crise do padrão de acumulação capitalista, pautada na superprodução, com a eclosão da queda da demanda global e a erosão da taxa média de lucros, causados em virtude de fatores como:

O agravamento do problema do desemprego (não nas proporções atuais) pela introdução de técnicas capital-intensivas e poupadoras de mão-de-obra, a alta dos preços de matérias-primas importantes, a queda do volume do comércio mundial, e um poder de barganha razoável dos trabalhadores empregados, advindo do ainda presente pleno emprego no capitalismo central (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 113).

O capital manifestou uma contundente reação à crise instaurada. Sendo assim, a década de 1980 foi demarcada por uma restauração no mundo da produção e do trabalho com os ajustes neoliberais, reestruturação produtiva e o processo de mundialização do capital, trazendo repercussões na participação dos Estados nacionais na implementação das políticas sociais e na desestruturação dos direitos até então conquistados (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 124).

esta teoria foi formulada com o intuito de compreender as contradições econômicas e sociais do desenvolvimento dependente nos países de capitalismo dependente. “Contrariamente a Lênin que examinava o desenvolvimento do capitalismo na Rússia sobretudo a partir das contradições internas da agricultura, Trotsky o aborda sob o ângulo da inserção da economia russa no sistema capitalista. A formação social russa era tomada como um subconjunto periférico do capitalismo mundial, que formava, de forma determinante, sua estrutura econômica e social” (LOWY, 1995, p.74). O desenvolvimento desigual representava os diferentes estágios de desenvolvimento dos países. Já o termo “combinado” indicava que as relações entre as economias apresentavam funções internacionais específicas que integram o sistema como um todo (DEMIER, 2007).

16 Cabe esclarecer que a crise do petróleo foi uma das expressões do panorama de crise do padrão de acumulação

Anderson (1995), ao desenvolver um “balanço do neoliberalismo”, aponta que o neoliberalismo emerge após a II Guerra Mundial, na Europa e América do Norte, consistindo numa reação teórica e política, proposta pelos intelectuais Hayek e Friedman. Estes teóricos desenvolveram fortes críticas ao keynesianismo e ao Estado de Bem-Estar social. Somente a partir da crise de 1969-1973 que estes teóricos assumem expressividade.

As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais (ANDERSON,1995, p.2).

Cabe salientar que os primeiros países a adotarem as receitas neoliberais foram a Inglaterra com Thatcher e os Estados Unidos com Reagan. Posteriormente, os países social- democratas também aderiram ao neoliberalismo, mediante pressões internas (elite local) e externa (organismos internacionais). Conforme Anderson (1995, p. 03):

Na Inglaterra, foi eleito o governo Thatcher, o primeiro regime de um país de capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o programa neoliberal. Um ano depois, em 1980, Reagan chegou à presidência dos Estados Unidos. Em 1982, Kohl derrotou o regime social liberal de Helmut Schmidt, na Alemanha. Em 1983, a Dinamarca, Estado modelo do bem-estar escandinavo, caiu sob o controle de uma coalizão clara de direita, o governo de Schluter. Em seguida, quase todos os países do norte da Europa ocidental, com exceção da Suécia e da Áustria, também viraram à direita.

Na década de 1980, o ideário neoliberal ganha hegemonia nos países de capitalismo central, demarcado pelo processo de privatização, contenção dos gastos sociais, desregulamentação e liberalização das economias (BEHRING e BOSCHETTI, 2009).

O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa "natural" de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos (ANDERSON, 1995, p. 02) Os neoliberais defendiam a existência da máxima ação do Estado atendendo aos interesses do capital, com a privatização do patrimônio público e a desregulamentação da economia. Em contrapartida, reforçaram a desigualdade e sustentavam uma intervenção mínima do Estado na provisão social, com a proposta de focalização e seletividade das políticas sociais. Cabe assinalar que o neoliberalismo não foi capaz de superar a crise do capitalismo, à

medida que não alterou os altos índices de recessão e o baixo crescimento econômico (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 127).

O projeto neoliberal esteve acompanhado também pelo processo de reestruturação produtiva, que engendrou profundas modificações17 tanto no âmbito da produção como do trabalho, com a introdução de inovações tecnológicas e organizacionais. Consubstanciou-se um contexto de grande salto tecnológico, com a automação, robótica e microeletrônica, espraiando- se pelo universo fabril, e transformando as relações de produção e trabalho (ANTUNES, 2006, p.23). Este processo foi deflagrado na transição do modelo de produção taylorista/fordista, que consistia num padrão rígido de produção em massa, para o modelo de produção toyotista ou regime de acumulação flexível (HARVEY, 1992).

Em linhas gerais a acumulação flexível demarca:

[...] um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de serviços’, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas [...] (Harvey, 1992, 140).

Instaura-se, assim, uma corrida tecnológica para desenvolvimento da produtividade e retomada das taxas de crescimento, a partir da intensificação do processo de exploração da força de trabalho. Este processo foi acompanhado pela flexibilização dos direitos trabalhistas, cujos impactos se expressaram no desemprego crônico e estrutural,18 e fortes consequências para as condições de vida dos trabalhadores, bem como o processo de desmobilização e fragilização da organização da classe trabalhadora (BEHRING e BOSCHETTI, 2009).

17 Deflagrou-se um processo de desconcentração industrial, novos padrões de gestão do trabalho, dentre os quais

encontram-se os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), “gestão participativa”, a busca pela “Qualidade Total” (ANTUNES, 2006, p. 24).

18 Conforme Mészáros (2011), o desemprego é considerado crônico, pois assume proporção mundial, envolto pelas

contradições e antagonismos do capitalismo, é comparado pelo referido autor como a mais grave doença social. Para este autor, o “[...] aumento do desemprego crônico nos países capitalistas mais avançados representa um perigo sério para a totalidade do sistema” (MÉSZÁROS, 2011, p. 341).

O desemprego estrutural “[...] origina-se em mudanças na tecnologia de produção – aumento da mecanização e automação – ou nos padrões de demanda dos consumidores, o que faz com que algumas indústrias e profissões tornem-se obsoletas, provocando o surgimento de novas: nas duas situações, um número expressivo de trabalhadores fica desempregado a curto prazo, enquanto uma minoria é valorizada pela sua mão-de-obra” (SANDRONI, 1999, p. 168).

Destacamos também, o processo de mundialização do capital acirrado nesta conjuntura com a financeirização do capital, como uma das reações do capital à crise. A expressão “mundialização do capital” foi utilizada por Chesnais (1997) para designar o processo de internacionalização dos sistemas financeiros, concretizando o novo padrão de acumulação do capital. Em sua análise sobre o processo de mundialização do capital, ao resgatar a historicidade deste processo, este autor demonstra as contradições inerentes ao sistema capitalista.

Conforme o referido autor, a terminologia “mundialização do capital” fornece embasamento para a compreensão do “[...] quadro político e institucional que permitiu a emersão, sob égide dos EUA, de um modo de funcionamento específico do capitalismo, predominantemente financeiro e rentista, situado no quadro de prolongamento direto do estágio do imperialismo” (CHESNAIS, 1997, p. 46).

Nesse momento, o capital financeiro passa a dominar o processo de acumulação, comandada pelos grandes grupos industriais transnacionais, articulados ao mundo das finanças. De acordo com Chesnais (2001, p.10): “Os fundamentos da mundialização atual são tanto políticos como econômicos. É apenas na vulgata neoliberal que o Estado é ‘exterior’ ao ‘mercado’”.

Cabe ressaltar que o processo de mundialização do capital acirrou a hierarquização e a polarização entre os países, bem como as relações políticas de dominação e dependência entre as nações em relação à economia mundial. De acordo com as palavras de Chesnais (2001, p. 14):

A mundialização do capital não apaga a existência dos Estados nacionais, nem as relações políticas de dominação e de dependência entre estes. Ela acentuou, ao contrário, os fatores de hierarquização entre países. O abismo que separa os países que pertencem aos pólos da “Tríade” (América do Norte, Europa, Japão), ou que lhes são associados, daqueles que sofrem a dominação do capital financeiro sem retorno, e pior ainda, daqueles a quem não interessa mais de jeito nenhum o capital, desenvolveu-se continuamente há vinte anos.

Portanto, compreende-se que os processos de consolidação e espraiamento da mundialização do capital nos países não se deram de forma descolada dos Estados-nacionais, os quais desempenharam um papel importante na implementação de medidas para que tais processos ocorressem. Assim, a mundialização do capital passa a incidir nas diversas esferas da vida social, bem como na economia, política e Estado.

Isto posto, é em meio ao cenário de crise e reação burguesa à crise do padrão de acumulação capitalista que, ao adentrar na realidade dos países capitalistas dependentes, observa-se que a ideologia neoliberal assume expressividade a partir de 1980 como resposta à

crise do capital, instaurando contrarreformas19 políticas e econômicas, orientadas e monitoradas pelos organismos internacionais. Tal cenário foi demarcado pelo endividamento externo dos países capitalistas dependentes (acompanhado pela redução dos gastos sociais orientada pelos organismos internacionais e como estratégia de renegociação da dívida), pelo esgotamento da ideologia desenvolvimentista e a permanência da histórica inserção subordinada dos países capitalistas dependentes na economia mundial (LIMA, 2005).

De acordo com Pereira (2007, p. 78), a reação burguesa à crise mundial foi muito impactante para a realidade dos países da América Latina, fragilizando os direitos conquistados, além do acirramento da desigualdade social e da pobreza estrutural. Assim, a lógica neoliberal, sustentada pelos Estados nacionais, empreendeu nos países capitalistas dependentes uma fragilização e mesmo supressão dos direitos civis, políticos e sociais, em contextos ditatoriais e a progressiva mercantilização das diversas esferas da vida social. Sendo assim, nessa conjuntura de contrarreformas neoliberais, associada ao processo de reordenamento do papel dos Estados Nacionais, reestruturação produtiva e mundialização do capital, encontram-se as contrarreformas empreendidas na educação no contexto dos países capitalistas dependentes e a conformação de um padrão dependente de educação, conforme veremos nos parágrafos que se seguem.

Neste quadro demarcado pelo desmonte dos direitos sociais, civis e políticos, a política de educação e, particularmente o ensino superior passou por profundas modificações no contexto do século XX e XXI (LIMA, 2005).

Organismos multilaterais como o BM, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização Mundial de Comércio (OMC) e a Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)têm direcionado as políticas educacionais nos países capitalistas dependentes com o intuito de atender às exigências do capital e dar respostas à crise mundial. Sendo assim, a educação se torna um campo promissor e lucrativo a ser explorado pelo capital (LIMA, 2005).

Durante os anos de 1980, o BM realizou diversas exigências aos países de capitalismo dependente para liberação de empréstimos, dentre as quais podemos destacar as contrarreformas educacionais. Neste momento, privilegiou-se o ensino voltado à formação para o mercado de trabalho, defendendo o ensino fundamental (instrumento para conformação

19 Referendamos neste estudo a perspectiva defendida por Behring (2008) que na década de 1990, sob égide do

neoliberalismo, o país vivenciou um processo de contrarreforma do Estado, com a profunda regressão das políticas sociais. Cabe explicitar que discutiremos com maior profundidade tal conceito no segundo capítulo deste trabalho.

ideológica de um trabalhador adequado às novas exigências do mercado de trabalho), investindo na privatização do ensino secundário e reforçando o discurso do ensino superior como espaço para as classes privilegiadas (PEREIRA, 2007).

Já nos anos 1990, reforça-se “[...] o discurso apologético da educação como principal forma dos países pobres alcançaram o patamar da globalização” (PEREIRA, 2007, p. 83). De acordo com esta mesma autora, o Banco Mundial passou a defender a ideia de educação básica como prioridade, “[...] porque prevê a equidade e tem um retorno social mais rápido – como a queda na taxa de natalidade e a melhoria nos índices de saúde da população, o que diminui os gastos estatais” (PEREIRA, 2007, p. 83).

De acordo com Leher (1999), foi extremamente significativa a influência do Banco Mundial (BM) sobre as políticas educacionais no Brasil dos anos 1990, ao implementar condicionalidades para as políticas sociais a serem adotadas pelos países que adquiriam empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (LEHER, 1999). Cabe esclarecer que as condicionalidades estabelecidas pelo Banco Mundial, consistiam em atrelar o financiamento de projetos e programas sociais a exigências de ajustes macroeconômicos.

Nesse sentido, tais organismos indicavam aos países capitalistas dependentes o investimento no ensino fundamental como meio para “alívio” da pobreza. Por outro lado, nos países centrais capitalistas se privilegiava o ensino superior e o desenvolvimento da pesquisa. Acirrava-se, assim, a polarização educacional entre os países, e a dependência dos países capitalistas dependentes, com a importação de “pacotes tecnológicos” dos países capitalistas centrais - grandes centros financeiros e tecnológicos (PEREIRA, 2007).

Ugá (2004) analisa a centralidade do conceito de “pobreza” desde a década de 1990, citada nos relatórios dos organismos internacionais e também nos documentos de formulação e avaliação de políticas públicas. Segundo a referida autora a utilização

[...] do conceito de pobreza refere-se a um marco teórico definido – proposto pelo neoliberalismo -, que, ao priorizar os pobres como alvo de suas políticas, implica o deslocamento da política social da noção universalizada de direito e, em última instância, sugere a supressão da ideia e da realidade da cidadania social (UGÁ, 2004, p. 55).

Neste momento, o “alívio da pobreza” foi associado a uma condição transitória, vivenciada por alguns indivíduos ou grupos sociais menos capacitados, demandando ações focalizadas. Sob este viés reducionista e destituído de historicidade, a pobreza não foi

compreendida como uma condição permanente que demandasse políticas de assistência social de longo prazo. Lima (2005, p.81) alerta que:

[...] a política destes organismos internacionais cria uma aparência de enfrentamento da pobreza. Entretanto, esse enfrentamento não significa a superação, mas o “alívio da pobreza” com um caráter meramente instrumental e, objetivando, de fato, a legitimidade e a segurança que garantam a reprodução global do capital.

Conforme Ugá (2004, p.60), a construção de “pobreza” parte do seguinte conceito sociológico de entendimento: “O pobre é o indivíduo considerado incapaz que não consegue – ou não garante – o seu emprego e nem mesmo a sua subsistência”. Deste modo, difunde-se a associação da pobreza com o fracasso individual.

Corrobora-se, assim, um culto ao individualismo e o reforço à lógica meritocrática. De acordo com Lima (2005): “[...] a pobreza e o desemprego aparecem como infortúnios ou consequências da incapacidade individual. Cada indivíduo conseguirá acesso a bens e serviços conforme suas habilidades, competências e capacidades”. Nesse sentido, reforça-se a ideia de estímulo às capacidades enquanto estratégia para o “alívio da pobreza”.

Cabe retomar que a educação nos países capitalistas dependentes foi apresentada pelos organismos internacionais, ainda nas décadas de 1950 e 1960, mediante a ideologia desenvolvimentista, como uma “promessa” de passagem do subdesenvolvimento para o desenvolvimento. Esta perspectiva finca raízes nos fundamentos teóricos da Teoria do Capital Humano,20 incentivando o investimento, por parte dos países capitalistas dependentes, em “capital humano”, o que supostamente levaria ao patamar de desenvolvimento dos países capitalistas centrais (PEREIRA, 2007). Frigotto (2010, p. 153) afirma que:

[...] a teoria do capital humano, enquanto um determinado processo e forma de conhecimento da realidade, não é algo que nasce por acaso. A produção desta teoria e seu corpo de ideias guarda uma ligação estreita com as relações sociais de produção. Trata-se de um tipo de conhecimento que carrega a marca e a ótica burguesas. Com base na Teoria do Capital Humano, a educação foi concebida como produtora e potencializadora de capacidade para o trabalho, reforçando o individualismo e a meritocracia. Tal teoria atrela a educação ao desenvolvimento econômico, sendo sua fundamentação desvinculada da análise das relações entre as classes (FRIGOTTO, 2010).

De base de seus fundamentos, cabe pontuar que a Teoria do Capital Humano, desde a