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O mundo maravilhoso do Dr F

No documento A roupa depois da cena (páginas 127-132)

4 AS MARIONETES DE FAUSE HATEN – ESTUDO DE CASO

4.1 O mundo maravilhoso do Dr F

Um dia meu mestre Raul Cortez me disse: “Fause, você é um performer! Deveria pesquisar o mundo da performance”. Ele estava certo em suas percepções. Hoje, mais do que tudo, me sinto um artista performer. Na música, eu me vejo um ator que canta. No teatro, às vezes me vejo ainda tentando esconder o estilista. Na moda, sinto, muitas vezes, que estou atuando. O que o teatro trouxe para o meu trabalho na moda foi a verdade (informação pessoal)89.

Ao longo da trajetória profissional do estilista e figurinista Fause Haten desde os anos 1990, quando se lançou nas passarelas do evento Phytoervas, sempre foi visível em seu trabalho uma inquietude no processo criativo, o que o levou a ampliar sua visão de moda através de percursos pelo universo do teatro, da música e da performance.

Durante esses quase trinta anos no cenário da moda brasileira e internacional, tornou-se uma referência entre os criadores brasileiros que construíram uma moda autoral. Fause Haten estreita os limites entre moda e teatro em suas criações, trazendo para os desfiles fortes referências das artes cênicas, ao mesmo tempo em que foi premiado por figurinos criados para espetáculos teatrais90 nos últimos anos. O trabalho entre esses dois universos é intenso, seja como estilista, figurinista ou ator.

A influência teatral em seus desfiles ficou fortemente caracterizada a partir de 2010, ano em que conquistou sua liberdade, segundo ele, tanto na criação das roupas como na concepção cada vez mais teatral e performática. Fause Haten se libertou de qualquer tipo de “enquadramento” em seus desfiles, a partir das seguintes coleções: CAOS (inverno 2010), Híbridos (verão 2011), NADA (inverno 2011) e Silêncio (verão 2012).

O desfile realizado em março de 2013 no Teatro da FAAP O Mundo Maravilhoso do Dr. F, foi ainda mais inovador e emblemático. Fause Haten reuniu a moda, o teatro de marionetes e a música com um trabalho de encenação requintado em uma apresentação que foi muito além de roupas ou tendências.

90 Fause Haten foi vencedor do Prêmio Bibi Ferreira como melhor figurinista em 2012, com o musical

O Mágico de Oz, e novamente em 2014, com os figurinos criados para a peça A madrinha embriagada.

Como o desfile foi muito impactante e criativo, acabou tendo uma grande repercussão, inclusive no exterior91. Seja pela maneira criativa de apresentar uma coleção de moda ou pelo requinte do material desenvolvido, houve, logo em seguida, o convite para exposições.

A nossa aproximação com a Coleção Marionetes foi possível, pois Fause Haten precisou de orientações específicas sobre a conservação preventiva desse material, como também para o transporte e as sucessivas montagens das exposições. Este estudo de caso respeitou as limitações existentes, por se tratar de um acondicionamento feito dentro das possibilidades financeiras do estilista/ figurinista. O resultado foi muito satisfatório e, mesmo após muitas exposições, a coleção continua com um bom nível de conservação.

91 A SÃO PAULO, FAUSE HATEN FAIT DÉFILER DES MARIONNETTES. Jornal Le Monde, Cahier Style, 22 de Março de 2013.

Figura 49

Marionete inspirada em Kate Moss

Figura 50

Marionete Inspirada em Giselle Bundchen

• O figurinista e o ator

Fause Haten aproximou-se do universo teatral com a criação de figurinos. Inicialmente elaborou trajes de cena para as atrizes Marília Pêra, Glória Menezes e Fernanda Montenegro, sendo essa a maneira que encontrou para justificar a sua vontade de fazer um curso de teatro, pois, na verdade, queria ser ator92.

O interesse pelo processo de treinamento do ator levou o estilista a estudar mímica, dança e diversos trabalhos corporais para uma melhor atuação. Em 2009, quando se formou, segundo ele, em “ator desempregado”, já tinha ampliado seu universo criativo com cursos de cinema, memória sensorial, dramaturgia, desenho, composição musical e fotografia.

Nesse período de novas experimentações, a música foi uma das vertentes que passou a fazer parte de seu universo criativo. No desfile Caos, em 2010, Fause trouxe a banda que havia formado para o meio da passarela e, com um chapéu de cabra encobrindo seu rosto, estreou como cantor. Começou a realizar shows, interpretando repertório de vários compositores, e lançou, em seguida, seu primeiro CD, chamado CDFH93.

Seus desfiles passaram a ser mais conceituais, realizados de maneira performática, propondo a reunião de moda, teatro e música. Como declara em entrevista:

Percebi que, no teatro, eu poderia criar as roupas, desenhar o cenário onde essas roupas estariam, coordenar essas cores e formas e todos os outros personagens a cada cena, escolher os movimentos de corpo e as palavras a serem ditas, desenhar a luz de cada momento94.(informação pessoal)

O texto abaixo, foi recitado pelo estilista, enquanto conduzia, com seus assistentes, as modelos vendadas pela sala do desfile, ao som de caixinhas de

92 Fause Haten estudou três anos no Teatro Escola Célia Helena, em São Paulo. Em 2014, fez seu primeiro trabalho como ator na peça A feia Lulu, no Teatro da Faap, em São Paulo.

93 No livro Algumas Palavras, lançado em 2011, Fause apresenta textos e músicas do CD, ilustrado por fotos de Paulo Cabral.

música, no desfile da coleção Silêncio, verão 2011/2012, da marca FH95. por Fause

Haten.

[...] Sim, ela dorme, não me faça interromper o seu sono. A menina dorme. Uma mulher, eu digo seu nome: Clarice. Seu sono vem de outros tempos, vem de lugares e leva para lugares, seu sono é um véu que cobre seus olhos e abre janelas.

Com o domínio da construção de roupas e a vontade de participar de uma montagem teatral, o Fause Haten iniciou seu trabalho como figurinista, aceitando o convite para desenvolver trajes de cena para a peça O médico e o monstro em 2010. Cerca de duzentos figurinos foram desenvolvidos com volumes e proporções inspirados na Belle Époque, dentro de uma releitura contemporânea.

Em seu processo criativo como figurinista, Fause Haten prefere não ver as montagens anteriores: “Prefiro não ver, me sinto mais livre. Às vezes você pode chegar ao mesmo lugar que no filme ou montagem anterior, mas prefiro chegar sem

95 No ano de 2008, a empresa e a marca Fause Haten foram vendidas ao grupo I’M (Identidade Moda). A partir da coleção verão 2008/2009, o estilista passa a assinar a marca como FH por Fause Haten.

Figura 51

Fause Haten conduzindo a modelo durante o desfile/ performance “ Silêncio

ter visto antes” (informação pessoal).96 Com sua percepção de estudioso de teatro,

ele define muitos detalhes do figurino, assistindo aos ensaios, o que lhe permite relacionar a direção da luz com as cores e estampas que usará, como também a proporção do palco com o efeito do figurino em cena97.

Sua estreia como ator foi na performance dramática A Feia Lulu criada e dirigida por ele em parceria com Fábio Retti, Gregory Slivar, Francisco Carlos, Marina Caron e Ondina Clais Castilho em abril de 2014. A peça é sobre a história do relacionamento do costureiro francês Yves Saint Laurent (1936-2008) e do empresário Pierre Bergé, narrada entre fragmentos inspirados em La vilaine Lulu, história em quadrinhos criada por Yves Saint Laurent na década de 50 e publicada em 1967, tendo como protagonista a personagem que dá título à obra.

Em artigo publicado na Revista da Cultura Fause Haten (2014) se descreve atualmente como um artista transdisciplinar, um estilista de moda consolidado que passou a levar aos palcos as experimentações cênicas de seus desfiles, atuando como figurinista, cenógrafo, escritor, ator e performer.

No documento A roupa depois da cena (páginas 127-132)