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As categorias mundo-da-vida e sistema são utilizadas por Jürgen Habermas em sua concepção de sociedade moderna, de forma a superar abordagens que entendiam a sociedade apenas como mundo-da-vida ou aquelas que a viam como sistema (ANDREWS, 2011). Assim, para o autor a sociedade pode ser compreendida como mundo-da-vida e como sistema, concomitantemente.

A cultura, a sociedade e a personalidade compõem o mundo-da-vida (HABERMAS, 2012a), que se reproduz pelo agir comunicativo: “manifesta-se como um complexo de tradições entrelaçadas, de ordens legítimas e de identidades pessoais - tudo reproduzido pelo agir comunicativo” (HABERMAS, 2012a, p. 42). Segundo Tenório (2005, p. 106), “O mundo-da-vida é o espaço da razão comunicativa. É constituído pela cultura, sociedade e personalidade e se expressa pela busca do consenso entre os indivíduos, por intermédio do diálogo”.

[...] o mundo-da-vida é bem mais estruturado pelas tradições culturais e ordens institucionais do que pelas identidades que surgem dos processos de socialização. Por esta razão, não constitui uma organização à qual os indivíduos possam pertencer enquanto membros, nem uma associação em que os mesmos se juntam, nem um coletivo composto por participantes individuais. Em vez disso, as práticas comunicativas cotidianas em que o mundo-da-vida se centra são alimentadas por intermédio de uma interação entre reprodução cultural, integração social e socialização, que se encontra por sua vez enraizada nestas práticas (HABERMAS, 2002, p. 143).

Segundo Habermas, o agir comunicativo, que é orientado para o entendimento mútuo, “leva em conta o entendimento linguístico enquanto mecanismo da coordenação da ação”, e dessa forma, exerce função de médium de entendimento (HABERMAS, 2012a, p. 35).

O mundo-da-vida constitui um pano de fundo do agir comunicativo, um horizonte para situações de fala e uma fonte de interpretações para os atores que agem comunicativamente. E sua função primordial é estabilizar essa comunicação improvável que, ao mesmo tempo que possibilita o consenso, é aberta à constante problematização e ao grande risco de dissenso (MIRANDA, 2009, p. 105).

O sistema, constituído pelas instituições, é marcado por ações instrumentais, estratégicas. Nos sistemas, a linguagem não é compreendida no seu intuito de integração social ou obtenção de um consenso, mas apenas como uma “ferramenta para transmitir informação, de forma objetiva, para chegar a um determinado fim que será alcançado pela utilização dos meios adequados: o dinheiro (Economia) e o poder administrativo (Estado)” (MIRANDA, 2009, p. 109).

Lüchmann (2012) considera que o sistema constitui-se de dois subsistemas, a saber: Estado e mercado. Afirma ainda que “os mecanismos de coordenação da ação nesses subsistemas são respectivamente o poder e o dinheiro, caracterizando, portanto, uma ação baseada na racionalidade estratégica e/ou instrumental” (LÜCHMANN, 2012, p. 167). Tenório (2005) corrobora Lüchmann ao considerar que no sistema

predomina a razão instrumental, razão que se expressa em mecanismos funcionais, construídos em torno do poder e do dinheiro e que coordenam as ações humanas, garantindo a reprodução do mundo material; é o espaço do trabalho, da técnica, da economia, da administração, etc. (TENÓRIO, 2005, p. 106).

Habermas (2012c) analisa que a sociedade moderna ocidental é constituída pelas duas categorias (mundo-da-vida e sistema) e as ações comunicativas e estratégicas que as compõem. Os estudos que tratam de apenas uma delas não são capazes de analisar a sociedade em sua totalidade.

O conceito dual de sociedade refere-se à relação de dois mundos diferenciados estruturalmente pela racionalização em “sistema” e “mundo- da-vida”. Estas duas noções são utilizadas por Habermas para compreender a sociedade moderna racionalizada. Refletem o duplo conceito de racionalização que desemboca em dois tipos de ação: instrumental e comunicativa. Designam as funções de integração na sociedade (sistêmica e social), nos diferentes contextos de ação (instrumental e comunicativa) (LUBENOW, 2007, p. 120).

Em sua obra, Direito e Democracia, Habermas (2011b, 2012a) trabalha a democracia deliberativa pautada na ação comunicativa, destacando que o mundo-da-vida pode influenciar e interferir no sistema e, dessa forma, as decisões dos sistemas levam em consideração as opiniões públicas desenvolvidas no mundo-da-vida ao considerar o Estado Democrático de Direito e a Soberania Popular. Assim, para Habermas (2011b, p. 93)

[...] o mundo-da-vida é um reservatório para interações simples; e os sistemas de ação e de saber especializados, que se formam no interior do mundo-da-vida, continuam vinculados a ele. Eles se ligam a funções gerais de reprodução do mundo-da-vida (como é o caso da religião, da escola e da família), ou a diferentes aspectos de validade do saber comunicado através da linguagem comum (como é o caso da ciência, da moral, da arte).

Essa concepção permite o entendimento conforme Cohen e Arato (1992) da sociedade civil como parte importante do mundo-da-vida. Segundo colocam Alcântara e Pereira (2017, p. 4) “Cohen e Arato (1992) interpretaram a sociedade civil como a dimensão institucional do mundo-da-vida e em Direito e Democracia Habermas (2011b) se refere a essa interpretação considerando-a coerente”. Assim, o próprio Habermas em “Direito e Democracia” concebe a

sociedade civil como esfera autônoma (em relação ao Estado e ao mercado) formada pelos movimentos sociais, associações livres, etc. Nas palavras dele:

A sociedade civil compõe de movimentos, organizações e associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera pública política. O núcleo da sociedade civil forma uma espécie de associação que institucionaliza os discursos capazes de solucionar problemas, transformando-o em questões de interesse geral no quadro de esferas públicas (HABERMAS, 2011b, p. 100).

Disso resulta também a ligação entre a vida privada, a esfera pública e a sociedade civil:

As estruturas comunicacionais da esfera pública estão muito ligadas aos domínios da vida privada, fazendo com que a periferia, ou seja, a sociedade civil, possua uma sensibilidade maior para os novos problemas, conseguindo captá-los e identifica-los antes que os centros da política (HABERMAS, 2011b, p. 115).

Finalmente, as relações entre mundo-da-vida e sistema, mediados pela linguagem do Direito, são fundamentais para a formação da Esfera Pública.