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O texto legal da ficha limpa: o projeto de lei após as alterações do Congresso e

5.2 A tramitação do Projeto de Lei no Sistema Político

5.2.2 O texto legal da ficha limpa: o projeto de lei após as alterações do Congresso e

No Anexo B, apresenta-se um comparativo entre o Projeto de Lei que fora apresentado à Câmara dos Deputados, aos 29 de setembro de 2009 e a Lei Complementar 135 de 04 de junho de 2009, aprovada pelas Casas Legislativas e sancionada pelo Presidente da República. Pode-se perceber que a proposta inicial não sofreu mudanças que descaracterizassem seu objetivo de impedir políticos que tivessem a ficha suja, ou seja, que não possuíssem condições éticas e morais mínimas, de participarem do processo eleitoral, apenas amenizou os rigores iniciais para o enquadramento das hipóteses de inelegibilidade, operou mudanças nos tempos verbais para manter o texto uniforme, dentre outras alterações.

A LC 135/10 operou significativas mudanças na LC 64/90, seja pela inserção de novas hipóteses de inelegibilidades, seja referente ao tempo de duração dessa inelegibilidade, que antes podia ser de 3 (três) anos, 4 (quatro) ou 5 (cinco) anos, passou para 8 (oito) anos (BRASIL, 1990a). Em síntese, com a Lei da Ficha Limpa, são inelegíveis, para qualquer cargo, “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena” (BRASIL, 2010a, art. 2, alínea “e”), por crimes como, por exemplo, contra a economia popular, o patrimônio público, contra o meio ambiente e saúde pública, crimes eleitorais aos quais são cominados pena privativa de liberdade, tráfico de entorpecentes e drogas afins, tortura, terrorismo, hediondos, redução à condição análoga de escravo, crimes contra a vida e a dignidade sexual, crimes praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando (BRASIL, 2010a). Portanto, entre as mudanças trazidas pela Lei da Ficha Limpa, destaca-se a inelegibilidade por condenações sem a necessidade que tenha havido o trânsito em julgado da

decisão, bastando que a decisão tenha sido proferida por órgão colegiado (LC 135/2010, art. 2º, que alterou o art. 1º da LC 64/90).

Da mesma forma, não poderão ser eleitos, entre outras hipóteses arroladas nas alíneas “f” a “q” do art. 1º, I, da LC 64/90, com redação dada pela LC 135/2010: os que forem declarados indignos do oficialato ou, com ele, incompatíveis; os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente; os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma; os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito; os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional; os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade (BRASIL, 1990a, 2010a).

Nota-se que as hipóteses de inelegibilidades exigem que tenha havido o trânsito em julgado da sentença (ou seja, que não caiba mais recurso) ou que tenha ocorrido condenação por órgão colegiado. Há, ainda, a observância de certas restrições, como quando para sua ocorrência exige que a prática seja decorrente de ato doloso (aquele em que o agente tem intenção de cometê-lo), ou quando a lei dispõe que as inelegibilidades constantes na alínea “e” (que trata dos inelegíveis por condenação criminal naquelas hipóteses previstas) não se aplicam aos crimes culposos ou de menor potencial ofensivo, ou de ação privada. Esse tipo de analise não é objeto da presente pesquisa, cujo foco é o processo de criação da Lei da Ficha Limpa como um todo, para evidenciar suas particularidades sob a ótica deliberativa habermasiana, entretanto, algumas questões se fazem importantes de serem esclarecidas.

As mudanças feitas no texto do projeto pelas Casas Legislativas, como, por exemplo, a modificação da inelegibilidade por decisão em primeira instância, que passou a exigir que a

decisão tenha sido proferida por órgão colegiado, ocorreu em razão de receio dos parlamentares de serem inelegíveis “pela decisão de apenas um juiz de primeira instância, uma vez que, por ser um juízo de caráter regional, os conflitos e as intrigas que ocorrem no local poderiam influenciar na decisão daquele juiz” (ARAÜJO, 2012, p. 85). Além dessa, ocorreu a supressão, pela CCJ, da alínea “b” constante no artigo 1º do projeto entregue à Câmara dos Deputados, “por ser contrária aos interesses da maioria dos parlamentares” (ARAÚJO, 2012, p. 88), isso porque “não era de interesse dos parlamentares ter sua inelegibilidade suspensa pela infringência do art. 55 da Constituição Federal, mesmo que tenha perdido o mandato ou não, em razão de possuir conduta incompatível com o decoro parlamentar” (ARAÚJO, 2012, p. 88). Ou seja, seria gravosa a possibilidade de inelegibilidade em razão apenas da conduta incompatível, já que, algumas vezes, ocorre a conduta, mas o político não perde o mandato (ARAÚJO, 2012).

Por fim, Araújo (2012) destaca que o projeto aprovado pelo Congresso não é o mesmo que o apresentado pela sociedade, em razão da intervenção dos parlamentares na consolidação da lei, mas indica que as mudanças foram bem vistas pelos idealizadores do projeto e pelo movimento em torno da Ficha Limpa, que entenderam que as mudanças aperfeiçoaram e aprimoram o projeto inicial. Cumpre pontuar que em recente declaração, Marlon Reis, ao discutir sobre as alterações do texto da Ficha Limpa em comparação às mudanças textuais ocorridas no projeto de iniciativa popular pautado nas Dez Medidas Contra a Corrupção, disse que “‘A Lei da Ficha Limpa passou por tramitação como qualquer projeto, sofreu alterações redacionais, alguns acréscimos, deputados sugeriram inelegibilidades que não estavam previstas, mas o texto foi preservado na sua essência’” (TUROLLO JUNIOR, 2016, grifo nosso). Com relação à concordância e satisfação com as mudanças, o idealizador afirma que “[...] Inclusive, nós concordamos e aplaudimos as mudanças que foram feitas. É por isso que vai para o Parlamento, é natural que ele debata [...]” (TUROLLO JUNIOR, 2016).

Desde que começou a tramitar no Congresso Nacional, o texto da lei sofreu críticas e aspectos relacionados à sua aplicação às eleições que ocorreriam em outubro de 2010 suscitaram debates quanto a sua constitucionalidade, que deveriam ser sanadas pelo Poder Judiciário. Esse tópico teve por objeto apresentar a Lei da Ficha Limpa aprovada pelo Sistema e abordar as principais alterações introduzidas à Lei de Inelegibilidades (BRASIL, 1990a).

5.3 Do sistema ao mundo-da-vida: a aplicação da Lei da Ficha Limpa pelo Poder