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CAPÍTULO III – O TRABALHO DE CONCEPÇÃO

3.3 CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO DE GESTÃO DE PROJETO

3.4.2 Mundos profissionais e mundo comum: a busca de convergência na

Com base no quadro exposto, Béguin (2010) argumenta que trabalhar é habitar um mundo e, a cada situação, um trabalhador engendra suas maneiras de pensar, de fazer, de viver mobilizando um sistema de coordenadas profissionais que permitem aos sujeitos traçar caminhos próprios.

Logo, são essas maneiras de compreender o trabalho a ser feito, esse sistema de coordenadas mobilizados pelos trabalhadores, que Béguin chama de mundos profissionais e que, por sua vez, é calcado no referencial dos mundos possíveis da teoria literária (BÉGUIN, 2010).

Nesse enquadre, pode-se afirmar que diante de uma mesma situação de trabalho uma diversidade de mundos profissionais é possível (Béguin, 2010). Essa diversidade de mundos profissionais pode ser ilustrada por Bucciarelli (1984) que em suas análises do trabalho de concepção demonstrou que para um mesmo objeto podem existir conceitos diferentes. O que um projetista chama de botão de parada de urgência um engenheiro chama de botão de junção. Além disso, há maneiras diferentes de conduzir os procedimentos, intrumentos e sistemas de valores. Logo um mundo é um sistema.

Assim, o termo mundo profissional é definido como “um conjunto de valores implícitos, conceituais e práticos, que formam um sistema com o objeto da ação” (Béguin, 2010 p. 87). Portanto, nessa perspectiva, Béguin (2008) busca definir uma categoria da ação com o conceito de mundo profissional, pois foca na relação entre o trabalhador e a situação de trabalho, tendo como fundamento a ideia de que o trabalhador é um ator e não um expectador nessa relação.

Frente a isso, vale ressaltar que um mundo profissional não é a percepção ou a representação do trabalho a ser feito, mas a maneira de apreender o trabalho a fazer, a partir do qual se constrói uma representação. Desse modo, o conceito de mundo profissional visa caracterizar esse pano de fundo que orienta a interpretação e a compreensão da dimensão tangível da ação e que permite a construção de interpretações singulares para alcançar um determinado objetivo (BÉGUIN, 2008).

Construir um mundo profissional é, portanto, organizar em sistema, ordenar uma determinada situação com suas habilidades, competências e estratégias para evitar ficar à margem dos eventos. Nesse contexto, ser especialista é saber, mas é, também, construir um mundo profissional mais adaptado.

Com base nessas proposições depreende-se que o trabalho de concepção é um processo durante o qual os especialistas deverão articular e coordenar mundos profissionais diferentes para fazer uma obra comum. Tal processo não se fixa na sobreposição de mundos, mas procura criar espaços de trocas que sejam favoráveis a criação de coerência no projeto. Diante disso depreende-se que a criação de um mundo comum se assenta na possibilidade de aprendizados mútuos e na coordenação de mundos profissionais distintos (BÉGUIN, 2007; 2010).

Em suma o que está em jogo no âmbito do trabalhar em projetos é a articulação de diferentes mundos os quais tem diferentes lógicas. Nessa perspectiva é pertinente destacar que nesta tese o termo lógica é definido como o conjunto de critérios que embasam a ação compondo as características das atividades profissionais (CARBALLEDA, 1997). Tais critérios se relacionam aos objetos do mundo profissional, contudo não podem ser apreendidos de forma descolada dos movimentos e do sentido do trabalho.

Todavia, construir um Mundo Comum não é impor um mundo sobre o outro ou reduzir um mundo ao outro pelo jogo de autoridade. Trata-se, do contrário, de definir as posições relativas, complementares ou discordantes estabelecendo as interdependências e influências recíprocas. Nessa perspectiva, Béguin (2010) indica que o processo de concepção deve ser fundado numa situação de interlocução regulada a partir da qual os atores do trabalho de concepção construirão uma representação compartilhada do projeto.

Diante disso, convém marcar que a expressão mundo comum não se funda somente nas representações consensuais de um grupo, que são designadas pelo conceito de referencial operativo comum. Entre o engenheiro no escritório de projetos e o operador no chão de fábrica há dois mundos diferentes. Ora, o referencial operativo comum que se constrói ou não se constrói é condicionado pela forma e pela natureza das relações e das articulações que se estabelecem entre esses diferentes atores de um projeto. Logo, o conceito de Mundo Comum se volta justamente para investigar tais articulações que podem ser fecundas ou inexistentes, flexíveis e remodeladas na ação ou rígidas.

Ou seja, um mundo comum é um modo de considerar o outro, não para exclui-lo ou compreendê-lo, visto que isso nem sempre será possível, mas para lhe dar lugar no seio

uma relação de composição que supõe a possibilidade de ser diferente no coletivo levando em conta que existe algo específico a aportar no limite do desenvolvimento possível ou impossível de cada mundo profissional.

Esse desenvolvimento se situa no seio do coletivo pelo evidenciamento das zonas proximais de diálogo nas quais há uma polifonia, no senso dado por Bakthine (1984), que se refere ao diálogo que revela sempre duas posições a do emissor e a do outro. Nesse sentido o diálogo polifônico é ao mesmo tempo foco e vetor de trocas num grupo.

Sem o espaço para o dialogismo polifônico não há construção de um mundo comum, dado que em seu lugar opera aquilo que Bakhtine denomina de monologismo. O monologismo se trata de um discurso único, definitivo e uniforme que não permite a revelação de outas narrativas. Logo, segundo o referido autor, as obras da literatura consideradas monológicas se caracterizam pela presença de uma voz única que é a do próprio autor. No universo monológico, as personagens não têm mais nada a dizer, pois já disseram tudo, e o autor, de sua posição distanciada e com seu excedente de visão, já disse a última palavra por elas e por si (BAKHTINE, 1984; MARCUZZO, 2008)

Assim sendo, ao adotar as zonas proximais de diálogo como espaços vetores de trocas entre os atores de um projeto Béguin (2010) destaca que as equipes que trabalham na concepção não devem operar a partir de soluções cristalizadas, monológicas, mas sim permitir que haja uma diversidade de aventuras coletivas possíveis, com maneiras de fazer e pensar que evoluem face as situações dadas e/ou face a necessidade e singularidade de cada um.

No que tange a criação dos espaços de diálogos polifônicos a primeira coisa a ser feita é construir um contexto que permita ancorar as trocas e diálogos nos problemas complexos do mundo exterior ou em questões de um determinado ator do projeto que provocam interrogações em outros membros da equipe.

Para criação desse contexto podem ser utilizados objetos intermediários de concepção que servem tanto como recurso para comunicação entre atores de um projeto como para coordenar as diferentes especialidades. São exemplos de objetos intermediários: plantas, maquetes, documentos, esboços entre outros (BITTENCOURT, 2014).

Segudo Vinck (2013) os objetos intermediários revelam a evolução do projeto registrando as mudanças realizadas entre uma fase e outra, elencando tentativas frustradas e exitosas feitas durante o processo de concepção. Destarte os objetos intermediários registram as representações do projeto que os atores da equipe mobilizam para convencer, imaginar, lembrar, revisar, imaginar trauzindo e mediando o processo sociocognitivo do projeto o que

pode, por sua vez, potencializar os diálogos polifônicos e aprendizados mútuos que são condições para criar um mundo comum.

3.5 FECHAMENTO DO CAPÍTULO

Esse capítulo teve o intuito de apresentar pontos centrais do quadro teórico que norteou as análises realizadas nesta tese. Assim definiu a atividade de concepção como atividade central de um projeto que, por sua vez, é o processo por meio do qual uma vontade relativa ao futuro é elaborada. Além disso, também foi evidenciado que a atividade de concepção não é exclusiva das profissões que tradicionalmente desenvolvem artefatos podendo ser atribuída a qualquer trabalho que tenha como meta a transformação das condições existentes para condições preferíveis.

Em seguida, o capítulo abordou questões relativas à gestão de projetos demonstrando que esses são processos finalizados que evoluem ciclicamente por meio do diálogo entre o desejável e o possível, sendo determinados por um lado pelo conhecimento que avança na medida em que o projeto avança e, de outro lado, pelos graus de liberdade sobre as decisões que diminuem com o passar do tempo.

Dentre as características da gestão de projetos a necessidade de integração de atores heterogêneos nos processos de concepção gera uma complexidade adicional para gestão de projetos tendo em vista que essa integração deve ser feita de forma coordenada e coerente. E é por conta de tal necessidade que Béguin (2000, 2005, 2007, 2010) desenvolve os conceitos de mundos profissionais e mundo comum que são analisadores da integração de atores, saberes e práticas num processo de concepção.

A articulação entre esses conceitos e o universo do trabalho em saúde se dará de maneira mais contextualizada no capítulo IV desta tese.

CAPÍTULO IV – O TRABALHO EM EQUIPE MULTIPROFISSIONAL NA SAÚDE E