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CAPÍTULO II – O TRABALHO DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE

2.1 O SURGIMENTO DO TRABALHO DO AGENTE COMUNITÁRIO DE

A origem do trabalho do ACS no Brasil remonta a uma experiência ocorrida em 1979 que contou com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e colocou quatrocentos agentes de saúde atuando no Maranhão.

Em 1987 houve a implantação do Programa de Agentes de Saúde (PAS), no Ceará, em caráter emergencial em um período de seca, com apoio do Governo Federal, que buscava dar conta de duas questões relevantes naquela realidade: criar oportunidade de novos empregos para as mulheres que sofriam as consequências da seca e combater as altas taxas de mortalidade infantil por meio de ações de saúde da mulher e da criança (GOMES, 2009).

O PAS foi uma experiência que serviu de inspiração para o MS criar em 1991 o PACS que foi implantado, no primeiro momento, em treze estados das regiões Norte e Nordeste por conta das condições de vida da população e dos indicadores sociais e sanitários dessas regiões (GOMES, 2009).

Em 1994 o PACS ampliou sua ação incorporando médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e instituindo, assim, as equipes de saúde da família que deram origem à Estratégia Saúde da Família.

Mais recentemente, segundo dados de maio de 2013, a ESF era responsável pela cobertura de 192.379.287 pessoas no País e contava com 315.525 ACS credenciados pelo MS (DAB, 2013).

As atribuições previstas para os ACS, ponto de partida para apreensão da esfera de ação desses profissionais, vêm descritas no artigo 3º da Lei 11.350 de 5 de outubro de 2006, conforme apresentadas a seguir:

Art. 3º O Agente Comunitário de Saúde tem como atribuição exercício de atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor municipal, distrital, estadual ou federal.

Parágrafo único. São consideradas atividades do Agente Comunitário de Saúde, na sua área de atuação:

I - a utilização de instrumentos para diagnostico demográfico e sociocultural da comunidade;

II - a promoção de ações de educação para a saúde individual e coletiva; III - o registro, para fins exclusivos de controle e planejamento das ações de saúde, de nascimentos, óbitos, doenças e outros agravos à saúde;

IV - o estimulo à participação da comunidade nas politicas públicas voltadas para a área da saúde;

V - a realização de visitas domiciliares periódicas para monitoramento de situações de risco à família;

VI - a participação em ações que fortaleçam os elos entre o setor saúde e outras politicas que promovam a qualidade de vida (BRASIL, 2006).

Outros requisitos necessários ao trabalho do ACS referem-se à necessidade de residir na própria comunidade, ter perfil mais social que técnico, ser maior de dezoito anos e ter disponibilidade de tempo integral para exercer suas atividades (KLUTHCOVSKY; TAKAYANAGUI, 2006).

O ACS deve trabalhar com a adscrição da sua clientela e se responsabilizar por 150 famílias ou 750 pessoas realizando visitas domiciliares de acordo com critérios de estratificação de risco. Sobre o trabalho com as famílias Tomaz (2002) sintetiza as atribuições do ACS na tríade: identificar sinais e situações de riscos, orientar as famílias e comunidade e encaminhar/comunicar à equipe os casos e situações de risco identificadas.

Aprofundando a análise sobre as atividades do ACS, Tomaz (2002) ressalta que não há clareza na definição desse novo perfil profissional – um novo saber, um novo fazer, um novo ser –, mas que não há, também, especificações de qual seria esse novo perfil. A esse respeito, Gomes (2009) chama atenção para o fato de que apesar da miríade de atribuições desses trabalhadores a ênfase dada no momento da sua contratação resume-se ao local onde reside.

Essa indefinição do perfil dos ACS se deve ao surgimento recente da profissão ainda sem a consolidação de um suporte teórico e técnico de normas e saberes se comparado

aos saberes, historicamente constituído, dos outros profissionais que compõem as equipes da ESF (BARALHAS; PEREIRA, 2011).

Essa característica marca a atividade dos ACS como um desafio, à medida que não possuem um conjunto de saberes que os auxiliem na lida com a realidade do trabalho, mas, também, como possibilidade, uma vez que permite a construção de um patrimônio congruente com as propostas do SUS e da ESF (GOMES, 2009).

Vale destacar, também, que durante muitos anos não houve uma formação para o ACS e, por isso, o conhecimento necessário para o trabalho era adquirido de forma predominantemente empírica, por meio das relações estabelecidas e compartilhadas com a comunidade em que vivem e trabalham. Contudo, no fazer cotidiano, apesar desse conhecimento ser imprescindível não é suficiente para as exigências que se apresentam no campo da ESF (COSTA et al., 2012).

De outro lado, a missão de ser o elo entre a comunidade e as equipes de saúde da família e, em última instância, o agente das mudanças no modelo de saúde, imprime desafios ao trabalho dos ACS que são pouco explorados em textos normativos. Os recursos necessários para efetivação do trabalho do ACS, o dimensionamento da capacidade de atendimento desses profissionais e das equipes de saúde da família são temas que precisam de maior aprofundamento por parte do poder público e de especialistas em saúde (FONSECA et al., 2012; COSTA et al., 2012).

A esse respeito Tomaz (2002) afirma que há duas tendências na apresentação do trabalho do ACS. A primeira delas romantiza suas atribuições e negligencia as dificuldades e insuficiências das suas práticas. A segunda tendência considera-os super-heróis, como se fossem os responsáveis pela consolidação das propostas do SUS em detrimento de um conjunto de fatores técnicos, políticos, sociais e da importância do envolvimento de outros atores, tais como trabalhadores, gestores e usuários, para que isso ocorra.

Tal quadro é ratificado pela percepção que esses trabalhadores têm objetivos complexos para alcançar com seu trabalho e isso demanda que assumam diferentes papéis. Assim, nos textos estudados, verificou-se uma diversidade de papéis para os quais a figura do ACS é convocada. Educador, mediador, intérprete, apoiador das equipes de saúde da família, apoiadores de movimentos sociais da comunidade são apenas alguns exemplos dessas atribuições (ARRUDA et al, 2010; BARALHAS; PEREIRA, 2011; GALAVOTE, et al., 2013; OLIVEIRA, et al., 2012).

dualidade ao seu trabalho exigindo que esse profissional transite entre esses dois universos. Assim, o ACS deverá empregar todos os meios para que os profissionais de saúde se aproximem da realidade da comunidade e para que essa população entenda mais os termos, conceitos e práticas utilizados (GOMES, 2009).

A esse respeito Gomes (2009) afirma:

Destaca-se que a inserção deste ator na comunidade se altera significativamente quando ele passa a ser ACS. Ele deixa de ser “apenas” morador da comunidade e passa a ser representante do serviço de saúde da região, representante do Estado no território, o que muda a forma como é visto e o que representa para os moradores. Produzem-se novas relações, relações permeadas por novos valores e expectativas (GOMES, 2009, p. 137).

Essas questões ora levantadas serão discutidas com profundidade no item a seguir que se trata de uma metassíntese dos estudos publicados entre 2004 e 2014 que teve como objetivo levantar evidências sobre o processo de trabalho dos ACS privilegiando estudos que foram desenvolvidos a partir da perspectiva desse trabalhador.

2.2 O TRABALHO DOS ACS NO CONTEXTO DA ESF: METASSÍNTESE DOS