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Capítulo 2: Amostra e a sua contextualização geral

2.1. Contexto histórico

2.1.8. Não-adultos em Lisboa

Segundo a maioria das constituições sinodiais, o baptismo devia realizar-se até 8 dias após o nascimento da criança (Mattoso, 2011). Com sete anos as crianças eram consideradas capazes de mentir por isso tinham de se confessar (Mattoso, 2011). Aos catorzes os rapazes já podiam casar e as raparigas aos doze anos de idade, o que implicava a consumação carnal (Mattoso, 2011).

A alta mortalidade infantil e juvenil impunha que os progenitores tivessem consciência de que nem todos os seus filhos chegariam à idade adulta, sendo que a expectativa normal seria que um ou vários morreriam (Mattoso, 2011). Facto pelo qual os casais da época tinham famílias numerosas com muitos filhos. À medida que o tempo passava e as crianças iam crescendo o perigo de morte ia-se desvanecendo (Mattoso, 2011).

A delimitação das idades da vida era um tanto variável de autor para autor pelo que optei por apresentar esta designação segundo o padre Rafael Bluteau (1638-1734), na qual a palavra criatura aplicava-se ao feto e aos recém-nascidos, sendo que a palavra bebé ainda não existia, antes dos sete anos de idade como, também entre os sete e os catorze

anos de idade o rapaz era designado de menino, dos catorze ou quinze anos de idade aos 25 anos, adolescente, era designado de moço (Mattoso, 2011).

Em Portugal como noutros países da Europa antes do desenvolvimento da obstetrícia, os partos eram assistidos por parteiras ou vizinhas experientes, que necessitavam de obter uma licença das autoridades para que pudessem exercer o seu ofício (Mattoso, 2011). A maioria das crianças nascia em casa, sendo que nas cidades os partos das mães solteiras acontecia nos hospitais, pelo facto de estas não possuírem apoio familiar (Mattoso, 2011). Uma etapa muito importante seguia-se ao nascimento, etapa sem a qual a criança não existia para a comunidade, o baptismo (Mattoso, 2011).

Após o nascimento era comum, nas camadas mais abastadas da sociedade, a contratação de amas de leite, algo se encontrava inacessível ao patamar mais baixo da sociedade (Mattoso, 2011). Pelo que só as crianças das mães (camadas populares) com poucas ou nenhumas condições monetárias eram alimentadas pelas próprias mães biológicas (Mattoso, 2011).

E assim começava o processo de circulação das crianças, primeiro para a ama de leite, seguindo-se depois os mestres de um oficio, ir para longe servir como criados domésticos ou numa lavoura, emigrar, frequentar um colégio ou serem confiadas a um nobre para que este fique encarregue da sua educação (Mattoso, 2011). É claro que esta estrutura apenas se aplica às camadas mais abastadas da sociedade, sendo que as crianças pobres que eram a maioria não se incluem neste modelo, embora houvesse uma grande circulação entre famílias de acolhimento (Mattoso, 2011).

Embora as práticas educacionais de literacia fossem algo mais ligado a classes superiores, existem registos de nas vilas e cidades de escolas paroquiais que estavam abertas graças a professores que ofereciam os seus serviços (Mattoso, 2011).

“No entanto, para a maioria das crianças, a verdadeira educação era a dos meios profissionais onde cresciam. As exigências das autoridades passavam, quanto muito, pela aprendizagem da doutrina católica, que dispensava a literacia.” (Mattoso, 2011).

Mas nem só de pão vive o homem e sendo assim, as crianças também se dedicavam a brincadeiras e jogos visto que nas cidades o seu lugar era nas ruas (Mattoso, 2011). Sabe-se que os seus espaços lúdicos, entre rapazes e raparigas, eram distintos (Mattoso, 2011). As raparigas, se de bom nascimento, estavam confinadas ao espaço doméstico e ao perímetro das suas casas e, os rapazes à vida ao ar livre em espaços abertos (Mattoso, 2011).

“Para os rapazes havia uma gradação entre jogos: os honestos eram o aro, pela, o pião, mas as danças abriam-lhes os olhos para a malícia. E havia os nocivos, como jogar pedradas, esgrimir, correr a cavalo. Pior ainda eram os jogos de azar, como as cartas e os dados, que auguravam um futuro na marginalidade.” (Mattoso, 2011)

Relativamente ao afecto, o facto das taxas de mortalidade serem muito altas, das famílias serem muito numerosas e da circulação das crianças ser uma constante continua a criar polémica (Mattoso, 2011). Segundo Philippe Ariés, as crianças não eram objecto de grandes afectos e carinhos por parte dos pais e familiares, pelo menos antes de terem ultrapassado os, considerados, perigos da primeira infância (Mattoso, 2011). Considerava que estas viviam num mundo à parte do dos adultos e que a sua perda não era chorada como uma perda irreparável (Mattoso, 2011). Já segundo Alexandre Gusmão, falou sobre o amor que os pais deviam nutrir pelos filhos mas referiu que em primeiro lugar devia estar o amor a Deus e pela lei divina (Mattoso, 2011). Outra fontes, constatam a existência de uma cultura em que as crianças eram valorizadas e amadas, havendo registos de canções de embalar, provérbios, rimas infantis e objectos devocionais que eram colocados nos pescoços das crianças com o objectivo de as proteger do mal (Mattoso, 2011).

Nesta época era comum o infanticídio, o aborto, as crianças ilegítimas e o abandono ou a colocação na roda dos expostos. No caso do infanticídio as crianças eram mortas à

nascença ou deixadas em sítios ermos para que falecessem posteriormente ou eram atiradas a rios ou ribeiros (Mattoso, 2011). O aborto eram referia-se às crianças que eram mortas ainda no ventre da mãe ou às práticas que impediam que a mulher engravidasse (Mattoso, 2011). As crianças de descendência ilegítima eram tão comuns em algumas áreas que as famílias conviviam bem com essa realidade sendo estas bem toleradas (Mattoso, 2011). As razões apontadas para estes comportamentos prendem-se com relações ilícitas, o manter da honra de uma mulher, as mulheres solteiras que engravidavam e não tinham protecção familiar, a falta de condições monetárias e a fome (Mattoso, 2011).

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