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Capítulo 1 – Formação e abrigos

1.3 Não apenas fatos novos, mas ideias originais

A formação de Miguel Ozório de Almeida foi feita na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (tendo terminado o curso em 1911), onde foi interno de clínica médica pela cadeira de Miguel Couto na 7ª enfermaria na Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Conforme seus textos de divulgação científica, escritos nas décadas de 1920 e 1930, Miguel Couto teria tido um papel importante nos últimos anos de faculdade do irmão Álvaro e, posteriormente, também na formação de Miguel. Segundo Miguel Ozório de Almeida:

O grande Mestre porfiava por imprimir à Medicina no Brasil o caráter predominantemente cientifico desenvolvido nos principais centros europeus. A instalação de um laboratório, mesmo muito modesto, o estudo de problemas de Fisiologia patológica já com a contribuição da experiência, a análise rigorosa dos fatos clínicos, tudo isso transformava a Sétima enfermaria em um centro de pesquisa. Centro onde se tateava, onde se procurava a orientação em caminho novo e cheio de perigos, mas onde a ideia básica da necessidade de pesquisas já com força se impunha às jovens mentalidades.104

Segundo o fisiologista, Miguel Couto não duvidava do determinismo dos fenômenos, mas sabia que essas relações podiam ser bem definidas quando era limitado o número de fatores que influenciavam o problema. Nas ciências físicas, poderia se chegar a leis de grande precisão, mas no caso dos fenômenos patológicos era diferente, pois o número de variáveis em jogo era maior. Assim, as proposições tinham uma previsão mais reduzida. A patologia seria, então, uma ciência muito imperfeita e incompleta, e Miguel Couto ensinava aos alunos a desconfiar do que chamava de “diagnósticos algebricos”.105 Afirmava sempre que a definição de um quadro clínico era uma média, um esquema. Nas palavras de Ozório de Almeida:

Acredito bem que seja muito dificil aos nossos discipulos compreender desde o início as suas idéas diretrizes. Ora dá á lógica rigorosa uma preponderancia absoluta e falla com o maximo respeito da sciencia scientiarum. Ora parece esquecer esse respeito e se insurge contra os excessos de rigor deductivo, e dá francamente a supremacia ao bom senso, ao que Pascal chamava de o coração.106

104 ALMEIDA, M. O. Alvaro Ozorio de Almeida. op.cit.

105 ALMEIDA, Miguel Ozório de. “A proposito do jubileu de Miguel Couto”. In ALMEIDA, Miguel Ozório de.

A vulgarização do saber: ensaios. Rio de Janeiro: Ariel, 1931, p.103.

106 Ozório de Almeida vacila e ao falar sobre seu “mestre” e seus discípulos, utiliza “nossos discipulos”

deixando entrever que via na experiência que teve com seu professor as mesmas questões que ele estava enfrentando como docente. Ver ALMEIDA, Miguel Ozório de. “A proposito do jubileu de Miguel Couto”. In

Ao citar o filósofo francês Pascal, sublinhava que existia um conflito constante entre a razão e o coração, tendo que ser buscada sempre uma harmonia rara, mas preciosa. Existiam, portanto, certas dúvidas e questionamentos ao uso de métodos da ciência física para abordar o mundo biológico.

Segundo Miguel Ozório de Almeida, Miguel Couto teria sempre demonstrado que a medicina era inseparável da ciência e procurava despertar nos discípulos a curiosidade para coisas desconhecidas.

Ozório de Almeida afirmava, portanto, que “a sciencia é ainda um conhecimento incompleto e parcial dos phenomenos naturaes e está em plena evolução, em constante trabalho de renovação e crescimento.”107 É diante desse progresso que Ozório de Almeida sublinhava a importância que tinha tido Miguel Couto em seus anos de formação na Faculdade de Medicina:

Aos poucos elle se libertou do peso morto das idéas dominantes, quando encetou a sua actividade. É fácil orientarmo-nos quando nos mostram para onde devemos nos dirigir. Mas é uma prova de grande penetração, quando, no campo infindavel e sem marcos achamos por nós mesmo a via certa. Foi o que fez Miguel Couto, e se logo a orientação nova que elle queria imprimir não assumiu o caracter de uma revolução, foi porque o seu temperamento tranquilo preferiu a modificação lenta e contínua, sem destruiçoes dolorosas. Ao lado do velho edificio preferiu construir o novo, deixando que a comparação dos dois se impusesse aos olhos de todos. Ás vezes pergunta-se se elle fez bem ou mal assim procedendo. Deixando o antigo de pé, elle permittiu que muito lá fiquem até hoje abrigados, e demora a renovação total; haveria nisso um pequeno atrazo. Mas com o seu profundo senso psychologico e com sua infinita piedade, elle sabe que esses não poderiam penetrar no novo, e ficariam sem abrigo se fosse demolido o velho. E mais ainda, uma ou outra vez não desdenha ir ver com elles essa velha e tradicional casa onde foi educado e de onde se separou por necessidades inelutaveis de sua evolução intelectual.” 108

A imagem é forte e denota conflitos na forma de encarar a prática e o ensino médico. Como mencionamos anteriormente, segundo Flavio Edler, o movimento reformista do ensino médico debatido na corte e na Bahia, no início de 1880, procurou modernizar o ensino médico com a valorização da medicina experimental e a criação de diversos laboratórios na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.109 Esse movimento esteve associado à valorização da fisiologia experimental e sua relação com a patologia. Entretanto, é possível supor que ALMEIDA, Miguel Ozório de. A vulgarização do saber: ensaios. Rio de Janeiro: Ariel, 1931, p.104 (grifo no original).

107 ALMEIDA, M. O. “A proposito do jubileu de Miguel Couto”. op.cit., p.109. 108 Ibidem, p.110.

houvesse conflitos entre posições próximas à clínica, à fisiologia experimental ou à bacteriologia. Conforme demonstrou Canguilhem, o surgimento da fisiologia como disciplina autônoma esteve relacionado a seu afastamento da anatomia, e posteriormente, da bacteriologia110. Provavelmente, a causalidade específica das doenças reforçada pela bacteriologia era uma ideia ampla e vaga demais para os fisiologistas experimentais que valorizavam uma forte relação do organismo com o meio. Além disso, a fisiologia experimental esteve sempre muito vinculada à patologia, sendo dela que os fisiologistas tiravam muitos de seus problemas. Contudo, pela fala do cientista é possível perceber certo embate entre a fisiologia experimental e a bacteriologia com a clínica anatomopatológica.111

Isso fica mais claro quando ele discorreu sobre outro professor que marcou seus anos de formação: Miguel Pereira.112 Conforme o fisiologista:

Só para acompanhal-o de perto, e para ter a alegria de o seguir nos seus cursos, eu havia aceito o convite, que conservo como uma honra excepcional, para desempenhar o cargo de assistente de sua clinica. Nossos projectos eram inumeráveis. Miguel Pereira tinha bem a intuição clara que muito ha a esperar de uma associação mais estreita da Clinica com a Physiologia, aquella suscitando problemas para serem resolvidos por esta, com o auxilio de seus poderosos meios de pesquisa, e esta adeantando resultados seguros, onde aquela poderá firmemente se apoiar para a sua acção. Nossa Collaboração se iniciára já por uma nota comunicada á Sociedade Medica dos Hospitaes, acerca de um caso de paralysia facial, na qual discutimos a interpretação de certos symptomas dos casos desse gênero, que se nos deparava até então muito obscura.113

Conforme dstacou Miguel Ozório, a preocupação de Miguel Pereira na Faculdade de Medicina não era fazer coisas novas e originais: “isso foi varias vezes declarado em suas lições, mas única e exclusivamente ensinar, e ensinar bem o que se acha conhecido.”114 Ainda a respeito do mestre, afirmou:

110 EDLER. O debate em torno da medicina experimental no segundo reinado. História, Ciências, Saúde

Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, jul.-out. 1996, pp.284-299; CANGUILHEM, Georges. Ideologia e racionalidade nas ciências da vida. Lisboa: Edições 70, 1977.

111 CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.

112 Miguel Pereira (1871-1918) foi professor catedrático de patologia médica e depois de clínica médica da

Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi autor da célebre frase “o Brasil é um imenso hospital” (em discurso proferido em outubro de 1916), visto pela historiografia das ciências e da saúde como um marco decisivo para as transformações nas políticas de saúde pública na primeira metade do século XX. Ver SÁ, Dominichi Miranda de. A voz do Brasil: Miguel Pereira e o discurso sobre o “imenso hospital”. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 16, suppl. 1, 2009, pp.333-348.

113 ALMEIDA, Miguel Ozório de. “Miguel Pereira”. In ALMEIDA, Miguel Ozório de. Homens e coisas de

sciencia: ensaios. São Paulo: Monteiro Lobato, 1925. pp.47-48.

O meu eminente mestre, o Prof. Miguel Couto, costuma repetir: “Em medicina não há doenças, ha doentes.” A mesma coisa disse Miguel Pereira: “Não ha doente igual a outro doente, da mesma forma que não ha uma gotta d’agua igual a outra gotta d’agua”. Sabe-se o resultado de todas essas opiniões concordantes: a cadeira de Pathologia foi suprimida do curso medico.115

Sobre essa questão, o cientista fez uma crítica à forma de pensar de seu professor: Entretanto, analyzando os factos com inteira isenção de animo, como Miguel Pereira exigia que eles fossem esmiuçados, sem se deixar peiar pelo receio de discordar das opiniões as mais auctorizadas, talvez houvesse um certo exagero nesse modo de pensar. Em Medicina pratica, é evidente que só ha doentes, cada um se apresentando com suas reações proprias, e constituído sempre um problema novo a desafiar a argucia do clinico. Mas é inegável que nessa variedade de minucias ha uma certa uniformidade de caracteres, que justamente permittem o isolamento das diferentes entidades mórbidas. Uma doença é uma abstração, sem nenhuma duvida; mas é uma abstração feita a partir dos elementos colhidos pela observação e purificados, isolados, de modo a poderem ser cordenados e classificados, sem o que não poderia haver estudo. Todas as sciencias de observação, assim como as sciencias experimentaes, procedem do mesmo modo. Os casos particulares, uma vez rigorosamente examinados, permittem, approximados uns dos outros, formular uma lei, que contém em si o que existe de commum a todos elles. Essa lei é uma primeira abstracção, mas nem por isso sua utilidade póde ser negada: ella permitte uma immensa economia de trabalho e de esforço intellectual. Quando é possível reunir um certo numero de leis, ligando-as de modo a formar uma theoria, o progresso ainda é maior. A theoria faculta de uma só vez a visão de um numero mais consideravel de factos, e de um certo numero de leis. Ella constitui um verdadeiro centro coordenador. Ella é indubitavelmente uma segunda abstracção, mas afastada, cujo contacto com a realidade ainda é menos sensível, mas é indispensável, na maioria dos casos.

O movimento havido entre nós e perfilhado por Miguel Pereira, como o foi pelos nosso grandes mestres, representa tão sómente a reacção, que a seu tempo foi necessaria, contra os excessos da abstração sem o indispensável contrapeso do contacto directo com a realidade. Esses são de facto extremamente nocivos. O estudo que se fizesse de modo puramente theorico seria inutil; seria uma especie de litteratura, com a differença de ser menos agradavel do que a verdadeira litteratura. Mas, por outro lado, a limitação dos trabalhos ao que se vê na cabeceira dos doentes seria estreitar os horizontes da Medicina. A observação do que se vê, para ter todo o seu valor, precisa ser approximada do que já foi visto em outras condiçoes semelhantes, ou differentes, pois é dessa comparação que se póde partir para chegar a uma idéa, a uma fórmula, a um resultado immediatamente utilisavel. E o que já foi feito e visto anteriormente, quel pelo mesmo individuo, quer por outros, na mesma época ou nas épocas passadas, e que se acha registrado, ordenado, classificado, é o que, no caso particular da Medicina, chama-se Pathologia.116

115 ALMEIDA, M. O. Miguel Ozório de. “Miguel Pereira”. p.54-55. 116 Ibidem, pp.54-56.

Essa longa citação é muito significativa no que diz respeito à visão de ciência de Miguel Ozório de Almeida, como por exemplo, sua utilização da ideia de teoria científica ou de lei como economia de trabalho, provavelmente retirada de seus estudos de epistemologia, especialmente de E. Mach. Deixemos essas questões para depois, cabe ressaltar agora que é possível perceber por seus argumentos que, ao defender a disciplina Patologia, Ozório de Almeida preconizava a importância da pesquisa científica, ou seja, da fisiologia experimental, que realizava desde os primeiros anos de faculdade no laboratório particular de sua família, para o desenvolvimento da medicina. Fazia questão, portanto, de demarcar a relação estreita entre a fisiologia experimental e a patologia médica.

Essa relação fica clara na definição do tema de pesquisa que logo interessou ao jovem Ozório de Almeida: o sistema nervoso, mais especificamente os doentes que apresentavam o sinal de Babinski.117 A problemática veio exatamente de sua prática na sétima enfermaria de Miguel Couto, mas a pesquisa foi realizada no laboratório particular da família. A primeira pesquisa em fisiologia publicada por ele versava sobre esse assunto e foi publicada no Brazil

Medico, em 1910.118

Em 1911, ele decide desenvolver a tese de doutoramento sobre o mesmo tema119 e, em 1912, já formado, publica um artigo num periódico francês, em colaboração com F. Esposel, sobre o sinal de Babinski.120 O artigo tinha como objetivo analisar as modificações nos reflexos de doentes com sinal de Babinski quando a perna era submetida à compressão pela fita de Esmarch. Joseph Babinski tinha realizado a mesma experiência de Miguel Ozório de Almeida, chegando ao mesmo resultado, de maneira independente, em 1911. No entanto, o próprio reconheceu a prioridade do estudo do brasileiro, que tinha publicado suas experiências em português, em 1910, mas em francês apenas em 1912.121

117 Sinal de Babinski é a extensão do grande artelho (primeiro dedo do pé) e a abertura dos outros dedos do pé

em decorrência da excitação da planta do pé. Em geral, um estímulo na planta do pé provoca sua flexão. Esse sinal foi descrito por Joseph Babinski (1857-1932), neurologista francês de ascendência polonesa, e está relacionado a uma lesão do feixe piramidal, indicando a presença de uma lesão neurológica. Ver GARNIER, Marcel; DELAMARE, Valery. Dicionário de termos técnicos de medicina. São Paulo: Andrei, 1984. (Tradução de Dictionnaire des termes techniques de medecine, 20. ed.).

118 ALMEIDA, Miguel Ozório de. Contribuicao ao estudo da pathogenia do signal de Babinsky. Brazil Medico,

Rio de Janeiro, v. 24, 1910, pp.386-387.

119 ALMEIDA, Miguel Ozório de. São os reflexos tendinosos de origem cérebro-espinhal? Tese

(Doutoramento). Faculdade de Medicina, Rio de Janeiro, 1911. 82p.; ALMEIDA, Miguel Ozório de. Estudos sobre o shock. Tese (Livre-docência de fisiologia). Faculdade de Medicina, Rio de Janeiro, 1912. 46 p.

120 ALMEIDA, Miguel Ozório de; ESPOSEL, F. Sur le mécanisme du phénomène du retrait du membre inférieur

provoqué par la flexion plantaire des orteils. Revue Neurologique, Paris, v. 24, 30 oct. 1912, pp.432-434.

121 BABINSKI, J. “Modification des reflexes cutanés sous l’influence de la compression par la bande d’Esmarch

No mesmo ano em que Miguel se formou (1911), Álvaro tornou-se professor extraordinário (substituto) na cadeira de fisiologia, ocupada por Oscar de Souza, na Faculdade de Medicina, e diretor da Inspetoria Geral de Higiene e Saúde Pública, do Estado do Rio de Janeiro. Nesse cargo, ele estabeleceu o serviço de combate à ancilostomíase.

Miguel ocupou o cargo de subcomissário de higiene e assistência pública, de 1913 a 1917. Durante todo esse período, os dois irmãos, junto com Branca, realizaram pesquisas de fisiologia experimental no laboratório particular da família.

Em 1912, Miguel Ozório de Almeida publicou sua tese de livre-docência para concorrer à cadeira de fisiologia Estudos sobre o shock, o que demonstra seu envolvimento em outra temática de pesquisa: a respiração.122 O primeiro artigo feito em conjunto com seu irmão Álvaro no laboratório particular da família versava sobre essa temática.

No artigo, os irmãos analisaram o choque traumático (e o estabelecimento do estado de coma) de animais submetidos à respiração artificial excessiva.123 Realizando, durante o verão do Rio de Janeiro (com grau de temperatura e umidade elevados), a mesma experiência feita anteriormente pelo fisiologista Yandell Henderson, em New Haven, os irmãos Ozório demonstraram que as conclusões do fisiologista americano estavam equivocadas, pois o fator clima podia levar a um resultado bem diferente do que tinha sido apresentado pelo americano. Segundo Álvaro e Miguel:

Por outro lado, nós não duvidamos um só instante do coma que Henderson obteve depois da respiração artificial excessiva.

Era necessário, portanto, encontrar a causa para as divergências entre os resultados obtidos por nós e pelo autor americano. Essa divergência indicava, de fato, que a técnica descrita por Henderson não dava conta de todos os elementos, ou seja, que o determinismo do fenômeno não tinha sido ainda estabelecido. Deveria existir um fator que tivesse escapado a Henderson e que estivesse imperceptível para nós em nossas experiências. Esse fator deveria ser a verdadeira causa do coma produzido pela respiração artificial excessiva; nós fomos tentados a determinar esse fator.124

Em suas pesquisas Henderson concluiu que animais submetidos a uma intensa respiração artificial entravam em um estado de coma (chamado de shock pelo autor). Os irmãos Ozório fizeram a mesma experiência em seu laboratório particular, mas os animais não

122 ALMEIDA, Miguel Ozório de. Estudos sobre o shock – a parade da nutricao e o shock – a apnea – acapnéa e

shock. A respiracao artificial como processos de resfreamento interno. (trabalho feito para concorrer a livre docencia da cadeira de physiologia). Rio de Janeiro: Pimenta de Mello & Comp., 1912.

123 ALMEIDA, Miguel Ozório de; ALMEIDA, Álvaro Ozório de. Véritable cause du coma produit par la

respiration artificialle execessive et prolongée. Journal de Physiologie et de Pathologie Générale, Paris, v. 15, 1913, pp.493-498.

entraram no estado de coma descrito pelo americano. Acreditando que a causa para o estado de coma não deveria estar relacionada apenas à respiração excessiva, mas a um resfriamento da temperatura corporal do animal, os irmãos Ozório procuraram testar sua hipótese para o estado de coma encontrado por Henderson. Segundo eles, a experiência feita em New Haven não apenas provocava uma respiração intensa nos animais, mas seu resfriamento por conta do clima seco e frio dos Estados Unidos no momento em que Henderson tinha realizado a experiência.

Para testar essa hipótese, os irmãos montaram em seu laboratório uma técnica que permitisse resfriar a respiração artificial do animal, que é apresentada no desenho a seguir:

Fig. 1: Técnica de resfriamento de respiração artificial.125

Com o resfriamento do ar e, consequentemente, da temperatura corporal do animal, os pesquisadores obtiveram o mesmo estado de coma observado pelo fisiologista americano. Assim, a hipótese formulada por Henderson para explicar o choque traumático dos animais era questionada pelos fisiologistas brasileiros, que ofereciam uma nova hipótese, a partir de suas experiências realizadas em condições locais diferenciadas. Posteriormente, em 1916, numa publicação em que expunha seus trabalhos científicos, Miguel Ozório de Almeida afirmou:

Nós não podíamos deixar de salientar o curioso facto de uma simples differença de climas influir tão decisivamente sobre os resultados de algumas experiências de physiologia, que por sua natureza pareciam inteiramente independente dessas condições, e portanto sobre a sorte de uma theoria cujas bases a todos pareciam inabaláveis.126

Além disso, o fisiologista fazia questão de citar trabalhos que legitimavam a pesquisa que ele e o irmão tinham realizado. Segundo ele:

O corpo de doutrina tão laboriosamente construído por Henderson parecia, pois, solidamente estabelecido, quando apareceu o nosso trabalho, vindo mostrar que a theoria de Henderson não pode subsistir, pois as suas bases não são exactas. Depois de resumir as teorias de Henderson diz E. Guyénot (1): “[No entanto, toda essa estrutura baseava-se num erro de interpretação experimental, como recentemente foi demonstrado por A Ozório de Almeida e Miguel Ozorio]”

(1) Biologica, 15 septembre 1913, pag. 276.127

Ao invés de trazerem apenas novos fatos obtidos pelo bom uso dos métodos internacionalmente aceitos, os irmãos procuravam sublinhar que os fatos novos transformavam a forma de pensar sobre um determinado problema de fisiologia e podiam trazer modificações nas formulações de certas hipóteses.

Essa e outras pesquisas que se seguiram realizadas pelos irmãos, ou por Miguel Ozório de Almeida sozinho, estiveram relacionadas à tentativa de demonstrar que fatos novos advindos de pesquisas com materiais locais (como rãs sul-americanas, plantas tropicais etc.) e condições locais (como clima, umidade etc.) não apenas enriqueciam o conhecimento