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5 DESENVOLVIMENTO DO SERIOUS GAME

5.3 IMPLEMENTAÇÃO DO JOGO CAIXA DE PANDORA

5.3.3 Níveis

Organizar um jogo em níveis é uma estratégia para estruturá-lo em subdivisões eficazes, organizar a progressão e aprimorar o modo de jogar (NOVAK, 2010). A ideia de dividir o jogo em níveis partiu da concepção de melhor evidenciar no jogo todos os aspectos teóricos que foram traçados na fase de concepção e validação do conteúdo e que estão relacionados com a violência contra a mulher: Gênero, Direitos Humanos e Saúde. De acordo com essa proposta, cada nível trata de um ou mais conceitos relacionados entre si, com o objetivo de evidenciar o quão complexo é esse fenômeno e o quanto ele se relaciona com as diversas áreas do conhecimento: social, jurídica, saúde entre outras.

Além de facilitar a abordagem do tema, a divisão do jogo em três níveis atende também a proposta de que é preciso subdividir o jogo, para estimular as conquistas parciais e a final. Sobre isso Schuytema (2008) diz que um bom jogo precisa apresentar vários pequenos desafios, com oportunidades para satisfações parciais, para que o jogador experimente sentimentos de realização ao longo da partida.

A subdivisão do jogo atendeu também a uma ordem cronológica da vida de Marta: infância/adolescência e vida adulta, que teve duas motivações: a de tornar o jogo de fácil compreensão para o jogador, por se tratar da narrativa de uma história de violência, que visualiza uma evolução na vida do personagem, e a de apresentar as múltiplas formas de opressão à qual a mulher é submetida em diferentes faixas etárias, que vai da opressão de gênero na relação com o pai e os irmãos, à opressão na sua forma aguda através da violência instaurada praticada pelo companheiro, até a violência institucional que se manifesta nos serviços de apoio onde a mulher tem a sua queixa desvalorizada e pela situação que vivencia é

novamente humilhada e revitimizada. Nesse contexto, ressalta-se que o foco do jogo é a violência doméstica contra a mulher perpetrada pelo companheiro.

5.3.3.1 Nível 1

Na primeira etapa do jogo, o conceito predominante é o de Gênero. Ao jogador são apresentadas quatro situações. Cada situação corresponde a uma sequência de cenas que ilustram um episódio, seguida pela apresentação de uma pergunta com quatro ou duas alternativas para escolha.

As situações apresentadas nesse primeiro nível abordam questões relativas à naturalização da opressão de gênero, considerando às iniquidades entre os sexos como fatores determinantes para a construção de relações interpessoais violentas. As situações ilustradas apresentam questões culturais, educacionais e sociais que constroem e perpetuam as desigualdades entre meninas e meninos. Essa etapa enfatiza a educação diferenciada dada às crianças, a definição dos papéis de gênero como algo opressor e limitador, a diferença dos conceitos de gênero e sexo e a predominância de uma cultura machista que oprime meninas e meninos em uma educação sexista e desigual.

Nesse nível pretende-se mostrar ao jogador como se iniciam as iniquidades entre homens e mulheres na infância, remetendo-os para a reflexão de que a violência contra a mulher tem raízes nessas desigualdades construídas por uma cultura patriarcal, através de valores culturais que criam papéis sociais diferentes para homens e mulheres e tornam a violência um problema social, complexo e de múltiplas interfaces.

5.3.3.2 Nível 2

O segundo nível apresenta os conceitos que orientaram a elaboração dos passatempos as categorias Direitos Humanos, Gênero e Saúde. Apresenta tarefas que tratam de cada um dos conceitos ou de mais de um relacionados entre si. A apresentação das tarefas segue a mesma estrutura do nível 1: cenas seguidas das perguntas. O tema central das questões, nesse nível, é a Violência Doméstica contra a mulher. Nessa etapa, a personagem, já adulta, sofre agressões por parte do companheiro. A abordagem nesse nível do jogo trata da identificação dos casos de violência, contemplando a sua definição, consequências e tipos, com o enfoque no saber de gênero, impactos na saúde e no âmbito dos direitos humanos.

São apresentadas ao jogador seis tarefas que exploram as questões sobre o que é a violência contra a mulher, porque ela é referenciada como violência de gênero, quais os seus tipos, suas causas e como funciona a Lei Maria da Penha e a Notificação Compulsória em saúde. O objetivo principal desse nível é informar ao jogador sobre algumas definições e características da violência sob o ponto de vista do saber de gênero.

O pressuposto para a definição desse nível partiu da ideia de que é preciso “definir para identificar” os casos de violência que chegam ao serviço de saúde. De acordo com D’Oliveira (2009), para que o profissional detecte casos de violência ele precisa saber o que é violência. Entretanto, esse estudo defende que o profissional tem um saber sobre o problema, porém um saber tradicional, hegemônico, patriarcal, que autoriza a violência contra a mulher como uma forma de correção de algum comportamento “impróprio”. Orientados por esse saber, as práticas profissionais são muitas vezes inapropriadas, daí decorre a necessidade de definir a violência contra a mulher sob o enfoque do saber de gênero.

5.3.3.3 Nível 3

No último nível, são apresentados passatempos que, assim como o nível anterior, também inter-relacionam os três conceitos teóricos: Gênero, Direitos Humanos e Saúde. Esse nível consiste na fase dos processos decisórios do jogador frente a um problema já teoricamente compreendido e identificado por ele nos outros dois níveis anteriores. Fazendo menção as abordagens teóricas que embasam a abordagem do conteúdo, nessa fase o jogador deve usar os conhecimentos já elaborados para o desenvolvimento de competências. Por este motivo, nesta etapa o jogo foca diretamente no profissional de saúde, tendo quase que todas as cenas ocorrendo no ambiente do serviço de saúde da atenção básica.

Com o objetivo de avaliar o jogador quanto à atenção oferecida à mulher em situação de violência, são apresentadas oito tarefas que abordam questões referentes ao acolhimento, atendimento, escuta qualificada, encaminhamentos e conhecimento da rede de apoio.

Para D’Oliveira (2009), a identificação da violência doméstica contra a mulher e é importante para que não haja banalização das situações pelos profissionais. Porém, depois que o profissional os identifica, ele deve atuar de forma adequada. Esse nível parte, portanto, da perspectiva de que o jogador precisa saber agir adequadamente nessas situações, por isso são abordadas as formas de ouvir, aconselhar e acolher as necessidades em saúde decorrentes da violência e o reconhecimento da rede de atenção para evitar encaminhamentos automáticos e inefetivos.