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Nível de automação

No documento Operações single-pilot (páginas 31-39)

2.4 AUTOMAÇÃO

2.4.3 Nível de automação

Schutte; Paul et. al. (2007) afirmam que a automação moderna tem sido a causadora da substituição da carga de trabalho física para mental, ao invés de diminuí-la em todos os sentidos. E os motivos são descritos como sobrecarga da memória na programação da aeronave, de forma que o piloto deve se lembrar do que precisará num período longo de tempo, e também o processo de transformação de instruções recebidas para ações necessárias a serem executadas na aeronave, de modo que, a mesma execute os procedimentos corretamente. Por exemplo, o ATC emite uma instrução para a execução de um determinado procedimento de aproximação, e o piloto precisa processar aquela informação e inseri-la de forma correta no FMC.

A automação é uma grande aliada, mas ela pode tornar o ambiente da cabine de comando sobrecarregado, podendo até comprometer a consciência situacional. Por exemplo, uma aeronave já em descida com uma Standard Arrival Procedure (STAR) configurada no FMC, recebe instruções de mudança de trajetória do ATC e que deverá executar outro procedimento para pousar na cabeceira oposta, devido a mudança do vento. O piloto ao receber essa informação elevará o seu nível de tarefas para valores altos, pois deverá reprogramar a nova aproximação no FMC, onde simplesmente uma mudança inicial de proa e altitude no piloto automático poderia efetuar a mudança de trajetória da aeronave imposta pelo ATC, e após isso poderia reprogramar o FMC e efetuar o crosscheck com calma. Conforme afirmam Schutte; Paul et. al., (2007), um método da diminuição da carga de trabalho mental é a redução da distância cognitiva imposta pela automação entre a execução e avaliação.

Em 2011, um Air France Boeing 777, em aproximação final em Paris, perdeu o controle momentaneamente e quase se chocou com o solo, segundo o Relatório Final (RF) após a decisão da arremetida, o comandante (PF) não pressionou o botão Take Off – Go Around (TOGA) mas ao invés disso desconectou o Autothrust. O PF avançou as manetes de potência e puxou o manche, mas não o suficiente para desconectar o piloto automático (PA), que continuava conectado e acoplado ao glide slope. Consequentemente a aeronave acelerou, entretanto, continou aumentando o pitch negativo.

O PNF, inicialmente concentrado na reconfiguração dos flapes na arremetida, não percebeu que havia algo errado, e somente após um alerta do piloto que se encontrava no jumpseat sobre a atitude picada aeronave, o PF e PNF puxaram fortemente o manche e desconectaram o PA. Nesse momento a aeronave estava a 63 pés de altura, sendo que o trem de pouso só foi retraído 25 segundos após a decisão da arremetida, ao atingir 870 pés. Um dos fatores contribuintes desse grave incidente, segundo o RF do BEA, foi o gerenciamento inadequado da automação.

O nível de automação deverá ser adequada ao que a tarefa requer, pois da mesma maneira que a automação diminui a carga de trabalho físico do piloto, conforme ele sobe o seu nível, ela também aumentará a sua carga de trabalho mental. Se ela estiver em um nível muito alto em uma tarefa que não requer, como por exemplo em uma rápida mudança na trajetória da aeronave, pode comprometer a consciência situacional, que é frequentemente precedida por um alto número de tarefas. A automação não deve de forma alguma tornar pilotos dependentes dela, mas auxiliá-los e diminuir o nível de tarefa, pois conforme afirma Abreu (2013), a automação é uma tecnologia que funciona muito bem em situações claramente previsíveis, e que podem

ter respostas planejadas e preparadas. Mas nem sempre será possível obter as ações requeridas com rapidez e flexibilidade quando surgem novas situações.

2.5 PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS

O ser humano é quem gerencia e controla as máquinas, mas para que o seu controle seja feito de maneira segura e eficaz é necessário que procedimentos operacionais sejam cumpridos, pois conforme afirma Campos (2013), “os procedimentos operacionais foram criados para padronizar a atuação das pessoas e de sua rotina dentro dos processos, de modo a incrementar a sua eficiência e segurança”, e Degani; Wiener (1990) acrescenta que “os seres humanos, ao contrário das máquinas, são bastante flexíveis em adaptar-se em circunstâncias, entretanto, essa flexibilidade tem um custo, e esse custo é o seu desempenho, que é variável”. Portanto, para se obter um elevado nível de segurança nas operações aéreas, é necessário que haja uma padronização e utilização de procedimentos como: utilização de checklists, respeito às normas e regras, aos limites da aeronave e aos próprios limites do piloto. Estes são procedimentos essenciais para se atingir um nível de segurança satisfatório, pois independente do número de pilotos a bordo de uma aeronave, a falha no cumprimento de procedimentos operacionais comprometerá a segurança.

Segundo Degani; Wiener (1997) a função de procedimentos bem elaborados é ajudar a tripulação a ditar e especificar uma progressão de subtarefas e ações para garantir que a principal tarefa em mãos seja realizada de uma forma que é lógica, eficiente e também resistente ao erro. Outra função importante da utilização de procedimentos é que promove a normalização, sua aplicação estabelece a coordenação da tripulação e permite um controle de qualidade.

2.5.1 Checklists

Os checklists são utilizados para mostrar ao piloto as tarefas que devem ser executadas ou conferidas para a correta configuração da aeronave em diferentes etapas do voo, como por exemplo: acionamento do motor, taxi e decolagem. Segundo Wiener (1990), alguns dos objetivos dos checklists são:

a) Ajudar o piloto a se lembrar do processo de configuração do avião; b) Prover uma base padrão para verificar a configuração da aeronave;

c) Permitir uma supervisão mútua (cross-checking) entre a tripulação;

d) Delegar as tarefas de cada tripulante para facilitar a coordenação, como também a distribuição lógica das tarefas da cabine;

e) Servir como ferramenta de controle de qualidade no processo de configuração da aeronave para o voo, para o gerenciamento do voo e órgãos reguladores.

(Wiener, 1990, tradução própria)

A execução do checklist é um procedimento simples, que muitas vezes é negligenciado, e tem sido o fator contribuinte de muitos acidentes aéreos, pelo seu mau uso ou uso incorreto. Independentemente do número de pilotos na tripulação, o uso incorreto do checklist afeta a segurança.

Aviões possuem sistemas redundantes, e os checklists também são, de maneira que quando a execução é feita por dois pilotos, o piloto voando (PF) fará a execução e o piloto não voando (PNF) fará a leitura e supervisão da execução, criando assim uma redundância. Por outro lado, quando a operação é somente com um piloto, ele deverá fazer a leitura do checklist e a sua própria supervisão. Conforme Wiener (1990) afirma, a execução e supervisão pelo mesmo piloto aumenta as chances de alguma falha ocorrer durante esse processo. Segundo o autor, o efeito psicológico é um dos fatores que influenciam as falhas na execução dos checklists, de maneira que pilotos pensam que haviam executado e checado a execução da tarefa, mas na verdade não tinham.

Já o FAA (2009) defende que em operações SP o método de comunicar de forma verbal juntamente com uma ação física é mais beneficente nesse processo. O orgão estabelece que a comunicação verbal reforça uma atividade. Adicionalmente, tocar o objeto durante a comunicação aumenta ainda mais a probabilidade de assegurar que a atividade foi realizada. Desta forma, pilotos em operações SP, podem ler o checklist em voz alta e ao atingir itens críticos utilizam o toque nos switches ou comandos para realizar a supervisão. Por exemplo, para comandar o trem de pouso baixo, o piloto poderá ler o checklist e manter a mão na alavanca do trem de pouso, até o acendimento das três luzes verdes.

2.6 OPERAÇÃO SINGLE-PILOT

Ao estabelecer procedimentos para operações single-pilot, o comandante se tornará um piloto voando (PF) adicionado das responsabilidades do piloto monitorando (PM). Desta forma, tarefas que podem ser executadas pelo comandante ou copiloto em uma tripulação de dois pilotos, devem ser realocadas para a operação com um único piloto. De modo geral, em

operações dual-pilot, o piloto monitorando (PM) dá apoio às operações do piloto voando (PF), lida com a comunicação com os controladores de tráfego aéreo, e fornece uma segunda perspectiva dos parâmetros do voo; vital para prevenir e mitigar erros e, assim, garantir a segurança de voo. As tarefas tradicionais que são compartilhadas pelo PF e PM são voar, navegar e se comunicar. (SCHUTTE; PAUL et. al 2007).

Segundo Deutsch; et al. (2005), operações dual-pilot representam três vias de divisão das tarefas realizadas entre PF, PM e sistemas de apoio. E em operações single-pilot é necessário dividí-las em duas vias, sendo um único piloto com os sistemas de apoio e fazendo a redefinição de algumas tarefas, à medida que novas tecnologias são empregadas.

O que há de consenso entre vários autores é que ao estabelecer operações single- pilot a automatização deverá assumir grande parte das tarefas do PM. Entretando, Schette; Paul et al (2007) defendem que mudanças no espaço aéreo e procedimentos de descida e aproximação, também influenciarão a segurança e o desempenho desse tipo de operação.

O grande problema de operações SP segundo AOPA (2006), é a carga de tarefas do piloto, agravado pela necessidade de possuir uma habilidade multitarefas. Um single-pilot voando IFR também precisa ser navegador, operador de rádio, gerenciador dos sistemas, meteorologista, tomador de notas, e, por vezes, dar atenção aos passageiros. Um voo em rota em boas condições climáticas, geralmente não é muito estressante, mas ao adicionar os tráfegos de outras aeronaves e más condições climáticas ou um mau funcionamento algum sistema ou equipamento, poderá sobrecarregar o piloto facilmente.

Já Schutte; Paul et. al. (2007) relata que com a atual tecnologia disponível, os sistemas da aeronave têm acesso a grande parte das funcionalidades e informações críticas para a realização bem sucedida do voo. Sistemas de navegação integrados para manter a noção da posição de navegação, combinado com informações do terreno, meteorologia, tráfego e do espaço aéreo, representam um elevado grau de informação sobre a situação externa.

Controles de atitude, proa e sensores combinado com sistemas de autoridade plena de controle digital do motor (FADEC), pilotos automáticos digitais e sistemas secundários altamente automatizados têm uma quantidade significativa de informações sobre a situação e as ações da aeronave.

Todas essas informações são captadas ao longo da aeronave e mostradas ao piloto através de displays. O piloto depende dessas informações para compreender a situação de modo pleno e desenvolver ações e configurações dos sistemas para executar ou ajudar o cumprimento dessas ações. Este cenário é o resultado da evolução da tecnologia fragmentada de sistemas

individuais, que foram substituídos por sistemas digitais, ou aperfeiçoado por novos sistemas autônomos, como por exemplo o Traffic Collision Avoidance System (TCAS).

Sem questionar o papel fundamental do piloto, muitas aeronaves parecem autônomas, porque elas podem operar por longos períodos de tempo sem qualquer envolvimento humano direto (essencialmente após a descolagem e antes do pouso), mas estão na verdade apenas executando ações preestabelecidas por um ser humano (SCHUTTE; PAUL; et. al. 2007). Apesar disso, o FAA, (2009) destaca que é necessário que um piloto tenha uma compreensão completa de todos os equipamentos e sistemas na aeronave que ele opera. A falta de conhecimento, como o simples fato de não saber se o medidor de pressão de óleo é feito através de uma leitura direta ou de um sensor, pode ser a diferença entre a tomada de decisão sábia ou não, o que poderá contribuir para um erro trágico

2.6.1 Treinamento

Experiência e treinamento são fatores de grande influência na segurança de voo. Schriver (2008 p. 864-878) afirma que evidências mostram que pilotos mais experientes possuem a vantagem de correlacionar sintomas de problemas utilizando experiências armazenadas na memória longa (LTM), de forma a beneficiar diagnósticos e a resolução de problemas durante o voo. Já pilotos menos experientes, avaliam cada sintoma de forma individual, utilizando fontes de experiência mais limitadas em sua memória, sendo, portanto, mais suscetíveis a erros. O estudo de Schriver (2008) também revela que pilotos que possuem uma fonte de memória com mais experiências armazenadas, influenciam de forma positiva o processo de tomadas de decisões do voo, como por exemplo decisões relacionadas às condições climáticas, onde pilotos experientes são melhores tomadores de decisões do que pilotos com pouca experiência.

O estudo de Hardy; Parasuraman (1997) também revela que pilotos mais velhos demonstram um declínio nas habilidades cognitivas básicas, afetando também o seu processamento de informações e execução de tarefas. Este estudo nos lembra que operações aéreas no passado demandavam primordialmente habilidades físicas e perceptivo-motoras (popularmente chamado no meio aeronáutico como "pé-e-mão"), mas atualmente, com o advento tecnológico e a automação da cabine de comando, os pilotos são dependentes de habilidades cognitivas elevadas, um gerenciamento de tarefas e um processo de tomada de decisão adequados. O estudo também revela que pilotos mais velhos sofrem uma perda de memória curta, onde pode afetar desde execuções de instruções do ATC até programação de

sistemas da aeronave. Apesar disso, o estudo não encontrou informações suficientes para concluir se pilotos com idade avançada possuem um índice maior de acidentes, ou não.

O nível de proficiência também se torna importante no quesito segurança operacional, de acordo com a pesquisa elaborada por Wuerz; O'Neal (1997) sobre a relevância da proficiência IFR, onde em um simulador de voo foi feito um experimento de voo VFR-SP com pilotos de helicópteros que adentraram condições meteorológicas de voo por instrumentos (IMC) de forma não planejada. Foi constatado nesse estudo que mesmo os pilotos sendo habilitados para voos IFR, porém não proficientes, tiveram um índice de perda de controle da aeronave 52% maior que os proficientes, e ainda obtiveram um índice de padronização IFR somente de 40%, contra os 77% dos pilotos proficientes.

Flying (2009), também revela que o nível de proficiência para operações single- pilot em aeronaves tipo deve ser elevado, sendo que para voar um Cessna C510 (VLJ) single- pilot, o piloto deverá ser habilitado para voar aeronaves multi-motoras, IFR, e cumprir o programa de treinamento tipo (C510) com nível de proficiência SP, nível que na FlightSafety é o mesmo aplicado para check de Piloto de Linha Aérea (PLA).

2.7 DADOS ESTATÍSTICOS

Segundo Schutte; et. al. (2007), uma comparação direta entre a segurança de operações com um e dois pilotos é difícil de ser medida, pelo fato de existirem diferenças nos tipos de operações conduzidas. Entretanto, estatísticas de acidentes sugerem que operações com tripulação composta é em torno de quatro a cinco vezes mais segura do que com tripulação simples. Como esperado, as empresas de seguro levam isso em consideração quando fazem o orçamento, sendo mais barato contratar um segundo piloto do que pagar a diferença no seguro para operar single-pilot.

Enquanto nas operações dos VLJ's é comum a presença de tripulação múltipla pelos motivos mencionados neste estudo, tendências do mercado fazem com que as operações single- pilot se tornem cada vez mais habituais, uma vez que essas desvantagens vêm sendo mitigadas com avanços tecnológicos.

De acordo com a Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves (AOPA), em sua database de acidentes que contém em torno de 50.000 relatórios, as operações SP-IFR sofrem muito mais acidentes do que operações com dois pilotos. Deste modo, a AOPA afirma que operações que envolvem voos IFR necessitam de atenção especial. Mas a Associação

reconhece que a grande maioria dos voos da aviação geral, são de fato realizados single-pilot, tornando-se desta maneira difícil de avaliar de forma precisa.

A Aviation Internacional News (AIN, 2015) fez uma de análise comparando acidentes envolvendo operações single-pilot e dual-pilot, de jatos executivos de 1977 a 2014, revelando, surpreendentemente, que a partir de um ponto de vista estatístico, há apenas uma ligeira vantagem quando se opera com uma tripulação múltipla nesta classe de aviões. A análise examinou 107 acidentes, onde 40 (37%) foram em jatos pilotados SP, e 67 acidentes (63%) em jatos operados DP.

Apesar de ter ocorrido mais acidentes com dois pilotos, metade dos acidentes em operações SP foram fatais, em comparação com 45% dos acidentes com dois pilotos. Esta análise, no entando, só considera os acidentes, e não leva em conta o número de aviões que operam dual-pilot ou single-pilot, ficando difícil estipular a real porcentagem quando confrontado com o número de aeronaves voando.

Flying (2006), também fez um levantamento nos arquivos do National Transportation Safety Bureau (NTSB) e constatou que houve quatorze acidentes do Cessna Citation Jet (Categoria VLJ) em treze anos, um número notavelmente pequeno quando se considera que a frota doméstica estava na média de 400 a 500 aviões voando naquele período, segundo o autor. Todos, exceto um acidente, envolveram operações que não tinham um copiloto qualificado no assento direito. Três do total de acidentes foram fatais, nenhum com um copiloto qualificado. O autor relata que simplesmente não se sabe qual a porcentagem de voos do CJ é feito com apenas um piloto, mas deduz que é bem elevada devido às características da aeronave e seu apelo comercial. Outra comparação interessante que Flying (2006) faz é entre os Cessnas 550/551/560, jatos maiores com aproximadamente o dobro da frota do CJ, e que na grande maioria das vezes são operados dual-pilot, sofreram 31 acidentes segundo o histórico do NTSB, dos quais 5 foram fatais sendo que 1 era operado SP.

Fazendo essa mesma comparação nos arquivos NTSB entre o Cessna 510 (VLJ) certificado na Parte 23 do FAR single-pilot, com uma frota de 277 aeronaves nos EUA e o Cessna 750 (LJ) certificado na Parte 25 do FAR dual-pilot, com uma frota de 279 aeronaves também nos EUA, é possível constatar que há cinco acidentes e incidentes com o C510, dos quais dois não eram operações SP, e não houve nenhuma fatalidade em todos os relatórios. Já o C750 possui cinco acidentes ou incidentes onde um foi fatal com cinco vítimas. Portanto, fazendo essa comparação os dados estatísticos favorecem o C510, que pode ser operado SP.

3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

No documento Operações single-pilot (páginas 31-39)

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