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2. ANÁLISE SOCIOLÓGICA DOS ACIDENTES DE TRABALHO:

2.3 NÍVEL DO INDIVÍDUO MEMBRO;

Diz respeito à autonomia do trabalhador que não será recompensado, comandado ou organizado. Em relação aos fatores psicológicos, há incidência de doenças relacionadas à mente como agressão, neurose, uso de álcool e uso de drogas. Este nível precisa ser utilizado com mais atenção e cuidado, vez que o fator humano é mencionado majoritariamente como causa dos acidentes de trabalho pela indústria, e muitas vezes incorporado pelos próprios trabalhadores. A partir do momento em que o indivíduo membro se torna o maior responsável por seu acidente, os outros níveis serão negligenciados pelos empregadores, desonerando-se das causas acidentárias (DWYER, 2009).

A conclusão em relação a este nível, sob uma perspectiva macro, revela que ao ser analisada isoladamente das relações sociais, a quantidade de acidentes vindos do nível do indivíduo-membro é pequena. O que rebate a ideologia empregada pelas indústrias (DWYER, 2009). Alberto que já foi apresentado anteriormente evidencia como o fator humano é colocado como principal causa dos acidentes: “aqui sempre dizem que as principais causas dos acidentes são os próprios acidentados, o famoso ato inseguro. Só que ao meu ver eles não entendem porque algumas pessoas cometem o ato inseguro” (ALBERTO, 2018).

Onerar somente o trabalhador dos acidentes sofridos é a principal forma da indústria se esquivar das responsabilidades no nível de recompensa, de comando e organizacional e, como Dwyer (2009) defende, a influência do indivíduo-membro, isoladamente, sobre os acidentes de trabalho é pequena.

Por fim, Dwyer (2009) levanta quatro hipóteses. A primeira é que as relações sociais de trabalho produzem acidentes. A segunda é que, quanto maior o peso de um nível de relações na gestão das relações dos trabalhadores, maior será a proporção de acidentes produzidos por este nível. A terceira é que, quanto maior o

grau de autocontrole de um trabalhador sobre um nível, menor será o grau dos acidentes. E a última, quanto maior o grau de gestão de segurança pelo empregador em um nível, menor a quantidade de acidentes.

Noutro giro, para Foucault (2005), a partir do século XIX, principalmente com a ascensão do industrialismo, há uma tomada da vida pelo poder. Neste sentido, contextualizando-o com os acidentes de trabalho e com o nível do indivíduo-membro, a vida dos trabalhadores já não mais os pertence e sim ao poder, na figura do soberano, que na contemporaneidade, são os capitalistas, há uma ‘estatização do biológico” (FOUCAULT, 2005, p. 286). Assim,

Quando se vai um pouco mais além e, se vocês quiserem, até o paradoxo, isto quer dizer no fundo que, em relação ao poder, o súdito não é, de pleno direito, nem vivo nem morto. Ele é, do ponto de vista da vida e da morte, neutro, e é simplesmente por causa do soberano que o súdito tem o direito de estar vivo ou tem o direito, eventualmente, de estar morto. Em todo caso, a vida e morte dos súditos só se tornam direitos pelo efeito da vontade soberana (FOUCAULT, 2005, p. 286).

A soberania para Foucault (2005) reverbera o seu direito de fazer morrer e deixar viver, ou seja, o direito de vida e de morte perpassa pela esfera política e econômica. E esse poder soberano somente tem efeito quando ele pode matar. Ao fazer uma interseção com as mortes causadas pelos acidentes de trabalho e que vão muito além da responsabilidade do indivíduo-membro, essas mortes são o exercício do poder soberano, cujo pseudônimo é capitalismo, pelo qual, a partir do séc. XIX, há uma transformação e cria não mais o direito de fazer morrer (pelo poder de espada) e deixar viver e sim o fazer viver e deixar morrer.

Esse direito de fazer viver e deixar morrer dá-se através da disciplina sobre o corpo que são individualizados, vigiados, treinados, punidos. Neste sentido, podemos associar este direito soberano ao nível de comando das relações de trabalho a partir do qual controla-se os trabalhadores como se máquinas fossem, coisificando-os. Para Foucault (2005), esta disciplina passa a ser exercida pelo biopoder, controla-se quem nasce, quem morre. Com a industrialização, nasce um outro campo deste biopoder, a atuação do Estado em relação àqueles que estão fora da curva da produtividade (acidentados, idosos, etc.), apresenta-se a assistência social e junto a ela a pergunta: quem o Estado vai fazer viver e quem ele deixará morrer? No estágio do biopoder há uma preocupação não apenas com o indivíduo, mas com a população,

onde se assegura sobre o homem-espécie não somente uma disciplina, mas uma regulamentação.

Através da regulamentação a soberania não mais deixa viver e faz morrer, mas sim faz viver e deixa morrer. A partir do momento em que o Estado faz viver que a morte passa a ser um tabu, algo angustiante, vergonhoso e não mais tão brilhante e com tamanha ritualização do séc. XVIII e como o poder passa a fazer viver, preocupa-se paulatinamente com a manutenção e o aumento da vida, controlando as deficiências, as eventualidades e os acidentes. A morte passa, portanto, a ser a extremidade do poder, algo que está fora de seu domínio, na verdade, este domínio se apresenta de forma superficial, estatístico, não se tem mais o poder sobre a morte e sim sobre a mortalidade. O poder deixa a morte de lado, centrando-a na esfera privada: “o momento em que o indivíduo escapa a qualquer poder” (FOUCAULT, 2005, p. 296). O direito de deixar viver transpõe a tecnologia pela qual estava contemplada a disciplina e passa a ter uma tecnologia que controle não mais os corpos e, sim, os casos fortuitos que podem acontecer sobre as massas, sobre a população.

O biopoder é dividido em duas séries: a série corpo e a série população. A primeira é regida pelos poderes biológicos e a segunda por mecanismos regulamentadores, formando um “um conjunto orgânico institucional” (FOUCAULT, 2005, p. 288). A partir das instituições, o Estado controla o indivíduo-biológico, utilizando como instrumento as regulamentações. Os mecanismos disciplinares de poder e os mecanismos regulamentadores se integram, e um exemplo disso é o que ocorreu em Volta Redonda, com a construção da cidade operária, onde há um controle sobre o corpo e sobre a população: o recorte da cidade, os bairros divididos pelo tipo de função exercida, o trabalho, o lazer, a educação controlada pela indústria, havendo mecanismos disciplinares sobre os corpos ali habitantes, bem como mecanismos regulamentadores sobre a população. Assim, portanto, a soberania passa a deter um poder atômico que é o poder de tirar a vida, através da bomba atômica, por exemplo, daí o nome. O que se percebe é que a indústria é uma instituição na qual há fortemente a atuação deste biopoder. Na medida em que faz viver garantindo a dignidade que envolve o trabalho, os mecanismos de subsistência, também deixa morrer, com os acidentes de trabalho.

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