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2. CAPÍTULO 2 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.4 ASPECTOS LEGAIS, NORMATIVOS E INSTITUCIONAIS DO REÚSO DE ÁGUA

2.4.1 Nível mundial

A grande maioria dos países que praticam reúso não dispõe de uma legislação específica e adota as diretrizes da OMS. Recentemente, a Organização Mundial da Saúde revisou suas diretrizes, resultando na publicação: “Guidelines for the safe wastewater excreta and greywater”. Volume 2. “Wastewater use in agriculture” (WHO, 2006a). As principais diretrizes para reúso em irrigação encontram-se descritas na Tabela 2.19. Também, foi publicado o documento “Guidelines for the safe wastewater excreta and greywater”. Volume 3. “Wastewater use in aquaculture” (WHO, 2006b).

Nos Estados Unidos, não há padrões federais disciplinando o reúso de água; há apenas regulamentações estaduais. Em 2004, a EPA atualizou um documento publicado em 1992, e publicou o documento “Guidelines for Water Reuse”, que apresenta as diretrizes para o reúso de água e examina as oportunidades de uso de efluentes tratados (EPA, 2004). A Tabela 2.20 apresenta essas diretrizes.

Tabela 2.17 – Metas básicas de saúde para o uso de esgotos domésticos na agricultura.

Condições de Reúso

Meta para nível básico de saúde

(DALY a PR pessoa por ano)

Redução (Log10) de

patógenos

Número de ovos de helmintos por litro

Irrigação Irrestrita Alface (folha) Cebola (raiz) ≤ 10 -6b 6 7 ≤ 1c,d ≤ 1c,d Irrigação Restrita Altamente mecanizada Atividade humana intensa ≤ 10-6b 3 4 ≤ 1c,d ≤ 1c,d Irrigação localizada Culturas elevadas Culturas rentes ao solo

Culturas elevadas Culturas rentes ao solo

≤ 10-6b 2

4

Somente recomendação ≤ 1e

Fonte: WHO (2006a) apud MOTA et al., (2007).

a. DALY – Deability adjusted fife years (Anos de vida ajustados para a incapacidade). Tenta medir o tempo perdido por causa s incapacidade ou morte resultante de uma doença, comparado com uma longa vida livre de incapacidade na ausência da doença.

b. Redução de rotavirus. O nível de saúde básica pode ser alcançado, para a irrigação irrestrita e localizada, por uma redução de 6-7 unidades log de patógenos (obtida por uma combinação de tratamento de esgoto e outras medidas de proteção à saúde); para irrigação restrita, é alcançada por uma redução de 2-3 unidades log de patógenos.

c. Quando crianças com menos de 15 anos são expostas, medidas adicionais de proteção à saúde devem ser adotadas (ex. tratamento para alcançar < 0,1 ovo de helminto por litro no efluente, equipamentos de proteção como botas e luvas e tratamento com remédios).

d. Uma média aritmética deve ser determinada durante o período de irrigação. O valor de < 1 ovo de helminto por litro deve ser obtido em pelo menos 90% das amostras, no sentido de permitir ocasionais amostras com valores altos (isto é, com > 10 ovos por litro). Para alguns processos de tratamento de esgotos sanitários (ex. lagoas de estabilização), o tempo de detenção hidráulica pode ser usado como um meio para assegurar conformidades com < 1 ovo de helminto por litro.

Tabela 2.18 – Diretrizes sugeridas pela EPA para o reúso de água.

Tipos de reúso Qualidade da água de reúso Distância de segurança (1) Comentários

Urbano pH = 6 a 9; DBO5,20= 10 mg/L;Turbidez = 2 UNT(2); CF = Não detectável(3); Cloro residual = mínimo de 1 mg/L

15 m de poços para abastecimento de água potável.

(a) Para o reúso urbano, a água de reúso não deve possuir odor e cor. (b) Para a agricultura irrestrita, altos níveis de nutrientes podem causar efeitos adversos durante certas fases de crescimento das plantas. Agricultura irrestrita

Irrigação com acesso restrito

pH = 6 a 9; DBO5,20= 10

mg/L;Turbidez = 2 UNT(2); CF = não detectável; Cloro residual = mínimo de 1 mg/L(4)

90 m de poços para abastecimento de água potável.

Para reúso na agricultura, 30m de áreas acessíveis ao público (se spray é utilizado).

(c) Se a irrigação é feita com o uso de spray, SST < 30 mg/L pode ser necessário;

(d) Para reúso na agricultura, altos níveis de nutrientes podem causar efeitos adversos durante certas fases de crescimento das plantas; (e) Para reúso na agricultura (não produção de alimentos):

Animais produtores de leite devem ser proibidos de pastar por 15 dias após o término da irrigação. Um maior nível de desinfecção é requerido se este período de espera não é seguido (= 14 CF/100 mL).

Agricultura Alimentos processados comercialmente Não produção de alimentos

Represas utilizadas para lazer (pesca navegação e contato

direto com água de reúso)

DBO5,20 e SST= 30 mg/L;Turbidez = 2 UNT(2); CF/100 mL = 20(5,6); Cloro residual = mínimo de 1 mg/L(4

150 m de poços para abastecimento de água potável, se o fundo do poço não for selado.

(f) Decloração pode ser necessária para proteger a vida aquática; (g) Água de reúso não pode irritar a pele e deve ser clara e sem odor e não deve conter níveis mensuráveis de patógenos viáveis; (h) Remoção de nutrientes pode ser necessária para evitar crescimento de algas em represas; (i) O consumo de peixes é permitido.

Represa para compor paisagem (não é permitido o

contato com água de reúso)

DBO5,20 e SST= 30 mg/L;Turbidez = 2 UNT(2); CF/100 mL = 20(5,6); Cloro residual = mínimo de 1 mg/L(4(onde não é permitido o contato com a água de reúso).)

150 m de poços para abastecimento de água potável, se o fundo do poço não for selado.

- Idem f e h; (j) Para reúso ambiental: possibilidade de efeitos no aquifero deve ser avaliada e a temperatura da água de reúso não pode afetar adversamente o ecossistema.

Ambiental (charco, pântano, aumento de vazão de rios, etc)

Segundo MOTA et al., (2007), para alcançar a meta básica de saúde desejada, medidas de proteção à saúde devem ser efetuadas. Geralmente, o nível básico de saúde pode ser alcançado pela combinação de medidas de proteção a serem desenvolvidas em diferentes níveis do sistema. Uma redução de patógenos de 6-7 log pode ser alcançada pela aplicação de medidas de proteção à saúde, cada qual tendo sua unidade log de redução ou faixa de redução, como mostra a Tabela 2.21. Uma combinação dessas medidas é usada, de tal forma que para todas as combinações a soma das reduções individuais de unidade log de cada medida de proteção da saúde adota é igual ao total requerido de redução de 6-7 unidades log.

A Figura 2.3 ilustra diferentes combinações de medidas de proteção que podem ser usadas para alcançar a meta básica de saúde de 10-6 DALYS para doenças relacionadas à excretas. As opções A, B, C, D e E são relativas à irrigação irrestrita, e as opções F, G e H à irrigação restrita.

Analisando a figura para a Opção A, a redução de patógenos desejada é conseguida pela combinação de: (a) tratamento de esgoto (4 unidades log); (b) morte de patógenos entre a última irrigação e o consumo (2 unidades de log de redução); (c) lavagem de produtos de saladas e legumes antes do consumo (redução de 1 unidade log). Esta opção, que garante uma redução de 7 unidades log de remoção de patógenos, é adequada quando culturas tipo raízes que podem ser ingeridas cruas são irrigadas com esgoto sanitário tratado. Em termos de irrigação restrita, as opções F e G consideram, respectivamente, uma redução de 4 unidades log, no tratamento de esgoto visando ao uso em agricultura com alta participação humana, e de 3 log, quando for utilizada agricultura mecanizada. Para a opção H é exigido um mínimo de redução de patógenos de 0,5 unidades log (tratamento em tanque séptico seguido de irrigação subsuperficial através da absorção do efluente no solo). Como não há contato entre a cultura e os patógenos do efluente do tanque séptico, assim, a irrigação subsuperficial deve proporcionar a redução das remanescentes 6,5 unidades log requeridas para as culturas tipos raízes (MOTA et al., 2007).

Segundo Generino (2006), a Espanha propôs um conjunto de padrões físico-químicos e microbiológicos que se assemelham aos da Califórnia, quando se trata de reúso para fins irrestritos; e às diretrizes da OMS, quando a exposição humana à água de reúso é restrita. A França também adota as diretrizes da OMS para o reúso de água na agricultura. Na Itália, a regulamentação para reúso de água na irrigação provém do Water Protection Act, de 1976. Esses padrões estão apresentados na Tabela 2.22, juntamente com os da Sicília. A Tunísia utiliza as diretrizes da OMS para a irrigação de campos de golfe, e na agricultura, o reúso é regulado pela Lei de Água de 1975, que proíbe o uso de esgoto bruto na agricultura, e pelo Decreto de 1989, que admite a irrigação com esgoto proveniente de sistema de tratamento secundário para todos os tipos de cultivo, exceto vegetais a serem consumidos crus ou cozidos.

 

DI – Irrigação por gotejamento H - culturas elevadas;

‐ W 

Figura 2.3 - Exemplos de opções para redução de vírus, bactérias e protozoários patogênicos por diferentes combinações de medidas de proteção da saúde para alcançar o nível básico de

Tabela 2.19 – Redução de patógenos alcançada por várias medidas de proteção sanitária. Medidas de controle Redução de patógenos (unidades log) Observações

Tratamento de esgotos sanitários 1 – 6

A redução de patógenos requerida a ser alcançada pelo tratamento do esgoto depende da combinação de medidas de proteção selecionadas.

Irrigação localizada

(gotejamento) Culturas de baixo crescimento

2

Culturas na forma de raízes e culturas tais como alface, que crescem acima do solo, mas em contato com o mesmo.

Irrigação localizada (gotejamento)

Culturas de alto crescimento

4 Culturas, tais como de tomate, cujos produtos colhidos não têm contato com o solo.

Controle de dispersão dos aerossóis (na irrigação por aspersão)

1

Uso de micro-aspersores, de anemômetros com aspersores controladores de direção automáticos, de aspersores direcionados para o centro.

Barreira à dispersão dos aerossóis

(na irrigação por aspersão) 1

Proteção dos residentes próximos de áreas de irrigação por aspersão. Uma barreira de proteção deve existir com 50 a 100 m.

Morte de patógenos (“die-off”) 0,5-2 por dia

Morte na superfície das culturas que ocorre entre a última irrigação e o consumo. A unidade log de redução alcançada depende do clima (temperatura, intensidade, tempo, tipo de cultura, etc.)

Lavagem dos produtos com água 1 Lavagem de culturas usadas em saladas, legumes e frutas com água limpa.

Desinfecção dos produtos 2

Lavagem de culturas usadas em saladas, legumes e frutas com uma solução

desinfetante fraca, enxaguando-se com água limpa.

Retirada da casca dos produtos

para cozimento 2 Frutas, culturas tipo raízes.

Cozimento dos produtos 6 - 7

Imersão em água fervente (ou próxima da fervura) até o alimento ficar cozido garante a destruição de patógenos.

Israel, África do Sul, Japão e Austrália consideram as diretrizes da OMS muito brandas para proteger a saúde humana (ANGELAKIS e BONTOUX, 2001). A Tabela 2.23 apresenta as diretrizes para reúso de água no Japão (ASANO et al., 1996). Já na Arábia Saudita, para que se possa utilizar água de reúso na irrigação irrestrita, é necessário passar por tratamento terciário e atender a parâmetros muito restritivos, como está apresentado na Tabela 2.24.

Segundo Blumenthal et al., (2000), alguns países modificaram os critérios microbiológicos e passaram a considerar estudos epidemiológicos e condições econômicas locais. Este foi o caso do México, que introduziu o padrão ovos de nematóides ≤ 5 ovos/L. Para irrigação irrestrita, introduziu a média diária de coliformes fecais de ≤ 2.0000/100mL e a média mensal de ≤1.000 coliformes fecais/100 mL.

Tabela 2.20 – Diretrizes adotadas na Itália e Sicília para a água de reúso na agricultura.

Parâmetro Unidade Itália Sicília

pH - - 6,5 – 8,5 SST mg/L (a) 30 SDT mg/L - 1000 DBO5,20 mg/L - 40 COD mg/L - 160- Cloro residual mg/L - - Compostos orgânicos

persistentes μg/L Não detectável -

Coliformes fecais NMP/100 mL 2(b) - 20 3000

Fonte: Adaptado de Bonomo et al., (1999) apud Culolo (2002). (a) valor médio de 7 dias consecutivos; (b) irrigação irrestrita.

Tabela 2.21 – Diretrizes japonesas para a qualidade de água de reúso. Parâmetro Unidade Água para descarga de sanitário Irrigação paisagística Ambiental Critérios

Coliformes fecais NMP/100 mL = 10 Não detectável

Não detectável

Cloro residual mg/L Traços = 0,4 -

Diretrizes Aparência - Não desagradável Não desagradável Não desagradável Turbidez UNT - - = 10 DBO5,20 mg/L - - = 10 Odor - Não desagradável Não desagradável Não desagradável pH - 5,8 – 8,6 5,8 – 8,6 5,8 – 8,6

Fonte: Adaptado de Asano et al., (1996).

Tabela 2.22 – Diretrizes requeridas pela Arábia Saudita para irrigação irrestrita.

Parâmetro Unidade Concentrações máximas

DBO5,20, SST, nitrato mg/L 10,0

Coliformes fecais NMP/100 mL 2,2

Turbidez UNT 1,0 Alumínio mg/L 5,0

Arsênico, Berílio, Cromo e Chumbo mg/L 0,01

Boro mg/L 2,0 Cádmio, Molibidênio mg/L 0,4 Cloreto mg/L 0,02 Cobre mg/L Ausentes Níquel, Selênio mg/L 4,0 Óleos de graxas mg/L -

Os critérios para qualidade de água de reúso relacionam-se ao uso e aos aspectos estéticos, de proteção à saúde da população, considerações ambientais, percepção da população ou do usuário, realidades políticas, interesses econômicos, características socioculturais, práticas higiênicas e desenvolvimento tecnológico. Esses critérios variam significativamente quando se comparam países industrializados a países em desenvolvimento, tendo em vista fatores como viabilidade econômica, tecnologia disponível, nível geral da saúde das populações e características políticas e sociais. Fatores que afetam a qualidade da água de reúso incluem fonte geradora, tratamento do esgoto, confiabilidade do processo de tratamento, projeto e operação dos sistemas de distribuição (CROOK, 1993 apud CULOLO, 2002).

Segundo SANTOS et al., (2006) a piscicultura com águas residuárias, assim como a piscicultura em si, como contribuição à segurança alimentar, deve obedecer aos princípios de sustentabilidade econômica, sanitária e ambiental, ou seja, a atividade deve garantir retorno financeiro, não impor riscos à saúde humana e não produzir impactos ambientais; posteriormente, impõe-se o desafio de vencer barreiras de natureza cultural.

Um dos aspectos mais importantes a serem observados é a qualidade sanitária dos peixes produzidos com esgoto, pois estes concentram em suas vísceras bactérias, vírus e protozoários presentes na água. Dificilmente, os patógenos (com exceção dos trematóides) penetram na carne comestível (músculo) dos peixes. Entretanto, se os peixes estão estressados, por exemplo, devido à superpopulação, qualidade pobre da água ou outras condições, então as bactérias e vírus podem ter capacidade de penetrar na carne comestível. (WHO, 2006b apud MOTA et al., 2007).

Para tentar minimizar os riscos, a OMS adota o mesmo nível de proteção à saúde usada para a irrigação com esgotos sanitários – 10-6 DALY por pessoa por ano. Em 1989, a OMS estabeleceu como diretrizes para o cultivo de peixes em águas residuárias tratadas uma quantidade menor que 103 Coliformes fecais/100 mL, no tanque de piscicultura, ou menor que 104 no afluente ao tanque de piscicultura e ausência de ovos de helmintos (trematóides). Na tabela 2.25 encontram-se descritos os níveis de qualidade microbiológica recomendados para

Tabela 2.23 – Níveis de qualidade microbiológica para piscicultura utilizando esgotos.

Público alvo

Ovos viáveis de trematóides (incluindo ovos de shistosoma onde

for relevante) Nº por 100 mL ou por grama de sólidos totais a

E. Coli (média aritimética por 100 mL ou por gramas de sólidos totais a, b) Ovos de helmintos (média aritimética por litro ou por grama de sólidos totais a, d) Consumidores dos produtos:

Água dos tanques Esgoto sanitário Excretas tratadas Carne comestível de peixe ou partes de plantas Não detectável Não detectável Não detectável Cercaria infectável não

detectável (ou não infectável) ≤104 ≤105 ≤106 Especificações da CODEX (FAO/OMS) ≤1 ≤1 ≤1 Não detectável Trabalhadores na aquicultura e comunidade local: Água dos tanques Esgoto sanitário Excretas tratadas Não detectávelf Não detectávelf Não detectávelf ≤103 ≤104 ≤105 ≤1 ≤1 ≤1

Fonte: WHO (2006b) apud Mota et al., (2007).

Especificações da Codex Alimentarius Comision (FAO/OMS); (a) As excretas são medidas em gramas de sólidos totais (em peso seco); 100 mL de esgotos sanitário/excretas contêm aproximadamente 1- 4g de sólidos totais; (b) Deve ser determinada uma média aritimética para o período de aquicultura. Para a água dos tanques (público alvo consumidores dos produtos), por exemplo, o valor médio de < 104 deve ser determinado em, pelo menos 90% das amostras, de modo a tolerar amostras com valor eventual maior (105 ou 106 E. coli por 100mL); (c) Aplicável quando plantas aquáticas estão crescidas e quando há elevado contato com esgotos, excretas, água contaminada ou solos contaminados; (d) Deve ser determinada uma média aritmética para o período de aquicultura . O valor médio de < 1 ovo por litro deve ser determinado em, pelo menos, 90% de amostras, de modo a tolerar amostras com valor eventual maior (com > 10 ovos por litro); (e) A “Codex Alimentarrius Comission” não especifica qualidade microbiológica para carne de peixe ou plantas aquáticas; mais propriamente, recomenda a adoção de análise de riscos e controle de aspectos críticos, aplicados da produção ao consumo; (f) Ovos viáveis de schistosoma, onde relevante.

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