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NÚMEROS ANALISADOS D’A COISA

Que Coisa é essa? Uma história da imprensa ilustrada entre a Bahia e o Rio de Janeiro

NÚMEROS ANALISADOS D’A COISA

MÊS 1897 1898 1899 1900 1901 1904 DIAS NO MÊS Janeiro - 1, 9, 16, 23, 30 1, 8, 15, 22, 29 7 - - Fevereiro - 7, 13, 20, 27 5, 19, 26 1, 6, 11, 25 - - Março - 6, 13, 20, 27 5, 12, 19, 26 4, 11, 18, 25 - - Abril - 3, 10, 17 2, 9, 16, 23, 30 1, 15, 22, 29 - - Maio - 1, 8, 15, 22, 29 7, 21, 28 6, 13, 20, 27 12, 26 - Junho - 5, 12, 19, 26 4, 25 3, 10, 17, 24 1 - Julho - 2, 10, 17, 24, 31 2, 9, 16, 23, 30 1, 8, 15, 22, 29 - - Agosto 30 7, 14, 21, 28 6, 13, 20, 27 5, 12, 19, 26 - Setembro 5, 12, 18, 26 4, 11, 18, 25 3, 10, 17, 24 2, 9, 16, 23, 30 - 3, 10, 17, 24 Outubro 3, 10, 17, 24, 31 2, 9, 16, 23, 30 1, 8, 15, 22, 29 7, 14, 21, 28 - 8 Novembro 7, 14, 21, 28 6, 13, 20, 27 5, 12, 19, 26 4, 9, 11, 16, 18, 23, 30 - - Dezembro 5, 12, 19, 28 4, 11, 18, 25 3, 10, 17, 24, 31 2 - -

O periódico tem o seu lançamento no dia 30 de agosto de 1897. Essa data está grifada com negrito no corpo da tabela, em razão de ser um exemplar perdido, sem qualquer registro da sua existência material até o momento. Os exemplares são editados ao longo da semana e começaram a circular na quinta ou sexta feira. Regularmente se respeitava a edição de quatro ou cinco edições mensais, mas há casos em que houve a circulação de sete números dentro do

57 Embora o impresso A Coisa se tratasse de um hebdomadário, publicação semanal, observamos nas páginas do

jornal que não havia uma regularidade ou data fixa para que a edição fosse lançada, e em alguns meses constatamos que há mais de uma edição por semana. Desse modo qualquer hipótese sobre a quantidade de exemplares que teriam deixado de ser publicados no período de interrupção seria mera especulação.

mesmo mês, como no exemplo do mês de novembro de 1900, com o lançamento do novo layout, inserção de mais e maiores ilustrações, com menos evidência textual na capa. O formato do periódico também é ampliado. Na edição do dia 26 de março de 1899 há a inserção de uma figura tipificada de negro em grande destaque. A edição do dia 16 de abril de 1899 é impressa em papel de cor parda e reimpressa em papel de cor verde. No dia 26 de novembro de 1899, tem-se uma impressão em papel salmão ou roxo/lilás. Trata-se de uma edição especial de aniversário.

Dos valores d’A Coisa

Um padrão seguido pelos periódicos diários e pelos semanários ilustrados no Brasil estabeleceu o uso da descrição dos valores de comercialização dos exemplares no cabeçalho da página de capa ou no espaço reservado para a inserção do expediente de cada jornal a circular na praça. O universo dos anos finais do Império e do cotidiano na Primeira República era composto de uma diversidade de pessoas a circular pelos espaços públicos, o comércio das vendedoras de frutas, doces, tecidos, e dos prestadores de serviço. O espaço da rua era público, mas também passível de ser negociado. No Rio de Janeiro a Gazeta de Notícias deu nota do dia 6 de outubro de 1885,58 que vinha tratar do protesto envolvendo negros lavadores e quitandeiras contra o valor de $400 (quatrocentos réis) cobrados pelo uso de barracas arrendadas na Rua da Praça do Mercado pelo Consórcio Oliveira & C., responsável pelo arrendamento do terreno que pertencia a Câmara da Corte.

Em Salvador, no dia 19 de dezembro de 1897, A Coisa protestou em nota sobre o valor abusivo que se cobrava pelas carnes comercializadas no Mercado Público.59 Na primeira página os editores d’A Coisa fazem entender que essas carnes são de má qualidade, ao chamá- las de “carnes verdes” cujos preços levariam ao descrédito.60 Nesse ano, já diante de uma

58 Gazeta de Notícias, 6 out. 1885, ano XI, n. 281 59 A Coisa, 19 dez. 1897, ano 1, n. 17, capa

60 Observemos o texto na íntegra extraído da edição do jornal do dia 19 de dezembro de 1897 em caráter de

compreensão do contexto em que identificamos a expressão ‘carne verde’ como sendo uma carne de má qualidade: A CARNE VERDE. Já se foi o tempo em que ao meio dia (hora em que a carne vira), o açougueiro á porta do seu talho, entoando com voz possante esta cantilena que era a alegria de muita gente: «Olha a meia, meia pataca!» recrutava todos os freguezes que por alli passavam... Já se foi esse bom tempo em que a carne era mais ou menos comível e mais barata. Hoje tudo mudou de figura: Ella subiu, e subiu muito de preço e é mesmo

verde, até na côr!... 1$200 por um kilo de ossos e nervo, um kilo de carne podre é um horror, é para se morrer de fome, porque a secca de bafio, de afetim, ruim, está por 1$500! Peçamos a Deus que estanque ahi o preço que vai a galope e esperemos por melhores tempos em que seja proibida a venda do boi mongo. Sim, creiamos em Deus, esperemos pela benevolencia do tempo, que é a nossa hygiene, a nossa municipalidade e, parece, até quem nos

crise de estiagem e de parca produção no território baiano, o quilo da costela teria sido comercializado a 1$200 (mil e duzentos réis), o quilo da carne seca saia por 1$500 (mil e quinhentos réis). O jornal escreveu crítica no sentido de anunciar aquilo que poderia preceder uma crise e a deficiência alimentar para as famílias que dependessem daqueles produtos no dia a dia. E na edição do dia 21 de novembro de 1897 A Coisa anunciou um reclame de aluguel residencial.61 Alguém estava disposto a alugar apenas para famílias de tratamento, uma casa na Rua do Collegio, n. 37. O aluguel custava 500$000 (quinhentos mil réis) ao mês, e o contrato estabelecia fidelidade por 69 anos com carta de fiança. A descrição da casa dá conta do bom espaço composto por excelentes cômodos de sala, um quarto e cozinha. Contudo o inquilino deveria arcar com despesas para a reforma do telhado, pois, ironicamente, o jornal encerrou o anúncio com a frase “e água dentro quando chove”.

Não há critérios que nos leve a crer na veracidade do aluguel do imóvel anunciado de forma crítica pelo A Coisa, nem mesmo se o preço cobrado pela carne era o mesmo protestado, e, tampouco, se o aluguel cobrado pelo uso das barracas no Rio de Janeiro e o protesto dos trabalhadores que dependiam delas constituem uma verdade. Esses valores e suas memórias sejam eles construções ou verdades nos possibilita pensar o sistema comercial e de valores daquela gente a transitar pelas ruas. E pensar também a respeito dos valores que se pagava para a aquisição de um impresso.

Os números difundidos ao longo do primeiro ano d’A Coisa sofreram alterações em seus valores de mercado; ocorreram três principais ajustes de preços conforme demonstrativo da Tabela 2. De setembro a dezembro de 1897 a assinatura trimestral d’A Coisa era comercializada ao valor de 1$000 mil réis para os moradores da capital Salvador, a um tostão para a compra avulsa e para os moradores do interior da Bahia ou de outras localidades também a 1 tostão. Interessados na leitura do impresso deveriam seguir até a redação que, neste primeiro ano, se encontrava na Rua do Collegio, n. 22, para onde também deveriam ser encaminhadas todas as correspondências direcionadas aos redatores do periódico. Em alguns exemplares, ao longo do primeiro ano, embora os redatores d’A Coisa já estivessem dado a indicação para retirada dos exemplares avulsos, em muitas edições, o próprio jornal trouxe o

governas e não acreditamos na tal nova postura dos açougues que, a julgar por tantas outras, é para inglez ver... (grifos nossos) A Coisa, 19 dez. 1897, ano. 1, n. 17, capa. Segundo o jornalista português em texto publicado no jornal Público, no final do século XIX e princípio do XX, existiam cortadores de carne verde no norte do país, especialmente em Lisboa. Dava-se o nome carne verde às carnes de animais abatidos na véspera do consumo, sem qualquer conservação. Para mais, ler: Viagem ao passado por causa do presente. Disponível em: http://www.publico.pt/opiniao/jornal/viagem-no-passado-por-causa-do-presente-25793919. Acesso em: 21 nov. 2015.

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reclame sobre a incerta localidade de sua redação, podendo estar situada em qualquer lugar da cidade, dando a entender que não havia um lugar fixo para que os redatores pudessem trabalhar e prensar edições.

Em 26 de dezembro de 1897, ainda em seu primeiro ano, na edição de número 18, A Coisa passou a receber o nome do seu administrador financeiro K. Rola Junior. E os seus valores de mercado sofreram os primeiros reajustes, sendo a assinatura trimestral ao preço de 10 tostões, o exemplar avulso ao valor de um níquel, e para os interessados de outras regiões fora da capital o valor apresentado foi de 1$500 mil e quinhentos réis.

Entende-se, portanto, que a assinatura trimestral para quem pertencia as freguesias podia chegar ao valor superfaturado do quilo da carne comercializada no Mercado Público. Ainda dentro do próprio periódico foi possível encontrarmos outras evidências de valores para aquisição de produtos de uso cotidiano, o que nos auxiliou parcialmente na compreensão da prática monetária vigente no contexto territorial e do período de circulação d’A Coisa. Na edição do dia 30 de janeiro de 1898 notou-se que o valor de 500 réis era o preço cobrado pela companhia de transportes de pessoas Companhia Bahiana para o traslado de uma pessoa que quisesse apreciar as festas em Itapoã, o valor cobria a viagem do centro da cidade do Salvador até Itapoã, ida e volta. Já na edição do dia 10 de dezembro de 1899 soubemos que 10 réis era o custo cobrado pelos Correios para selar uma correspondência com um exemplar do jornal que saísse da área urbana do Salvador para o interior da Bahia, sem especificação da localidade. Uma banana cozida servida no prato saia ao valor de 1 vintém ou tostão, é o que nos fala a edição do dia 30 de abril de 1899, e com a mesma quantia era possível adquirir um exemplar avulso do imprenso A Coisa. Já um vestido feminino de luxo para ser usado em noite de gala encomendado a uma boa costureira saia ao custo de 3$000 (três mil réis), o que também nos revela a edição do dia 30 de abril do mesmo ano. Já um bilhete de loteria semanal, cujo prêmio pleiteado fosse a quantia de 2$000 (dois mil contos de réis) custava 20 réis ao interessado, conforme nos evidenciou a edição do dia 17 de setembro de 1904, valor também utilizado para se concorrer a outros dois grandes prêmios de 25$000$000 a serem sorteados em 5 e 19 de setembro de 1904.62

Ainda dentro do território da Bahia, o baiano Jackson Rubem Alves Santos desenvolveu levantamento etnográfico, que compreende o período de 1880 até 1899, para a escrita de um livro sobre a história do município de Lapão, que compõe a região do Irecê na Bahia. Em sua pesquisa é possível encontrar a descrição detalhada dos valores exercidos no

comércio daquela província. Segundo Rubem Alves Santos, com mil réis poderia se comprar oito litros de farinha, sal ou açúcar; com dez mil réis era possível fazer a feira da casa. Dez tostões era o equivalente a mil réis, e mil notas de mil réis equivalia a um conto de réis. Com esse valor era possível adquirir uma propriedade na freguesia do Irecê.63 As moedas mais populares eram cem réis e o tostão. O tostão era o equivalente a décima parte de mil réis, e com um tostão se poderia comprar um exemplar avulso do jornal A Coisa ou cinco balas avulsas, ou talvez um pão de sal de 50 gramas, popularmente apelidado por pão do tostão.

Noutros contextos e territorialidades, tais como a cidade de Campinas, já no período posterior de circulação d’A Coisa, na primeira metade do século XX, encontramos outras ideias e práticas de valores. Benedito Barbosa Pupo, ao narrar suas memórias do período da sua infância na região de Campinas, possibilitou-nos entender que o padrão monetário estabelecido no ano de 1922 estava apregoado a vida cotidiana de seus sujeitos. A popularidade dos cem réis e tostões pertencia a memória coletiva da sociedade de sua época. E muitos, segundo ele, se utilizavam da moeda para denominar espaços, pontos de recolhimento dos bondes no Rio de Janeiro e toda a sorte de brincadeiras e medidas culinárias (PUPO, 1995).

Barbosa Pupo descreveu o valor de locação de uma casa de esquina localizada na Rua Regente Feijó com a Ferreira Penteado, no centro nobre da cidade de Campinas, interior do Estado de São Paulo. Tratava-se de uma casa com duas salas de frente, uma alcova, dois quartos, ampla varanda, refeitório, banheiro, cozinha e mais um ou dois quartos extras, além de amplo quintal. O valor do aluguel cobrado era 100$000 (cem mil réis). Por 30$000 ou 40$000 (trinta ou quarenta mil réis) se podia locar uma casa na periferia da cidade, pouco distante do centro, cujos limites não eram tão extensos. “Um terno de casimira, importada naquele tempo, custava de oitenta a noventa mil reis” (PUPO, 1995, p. 55).

Tabela 2: Demonstrativo dos valores do periódico

CUSTO DE MERCADO D’A COISA

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