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O registro, A Coisa e seus autores, e as textualidades negras

Que Coisa é essa? Uma história da imprensa ilustrada entre a Bahia e o Rio de Janeiro

CAPÍTULO 2 O registro, A Coisa e seus autores, e as textualidades negras

A imprensa no Brasil que sofreu o controle do Governo Português, foi atravessada pela regulação fiscal das províncias desde sua fase compreendida como artesanal (1808-1850) e fase empresarial (1850-1900), regulações que atingiam principalmente as revistas ilustradas com seus conteúdos metafóricos em oposição aos governos vigentes, partidos políticos, comércio e agricultores (SIMÕES JUNIOR, 2006). Embora vendessem uma proposta editorial voltada para as artes e a literatura, suas imagens e textos são cunhados de conteúdos de opinião e, portanto, sofriam a fiscalização dos órgãos de intendência provinciais. Ao acompanhar os livros de registro no Arquivo Histórico da Prefeitura de Salvador, constatou-se que na Bahia do século XIX os jornais eram submetidos à formalidade obrigatória do registro junto a Intendência de Salvador, do período de 1833 até 1927. O órgão da Intendência era responsável por analisar os pedidos de registros e autorizar ou não sua legalização para livre circulação e comercialização na capital e nas províncias.

Na Bahia do final do século XIX, dentro do contexto do jornal A Coisa, observou-se que, embora o impresso tenha sido lançado em 30 de agosto de 1897 e mantido circulação regular desde essa data, sua autorização foi registrada no Livro de Estabelecimentos de Oficinas de Impressões de Salvador, apenas no dia 27 de setembro de 1904.66 No livro constam os nomes de três sócios proprietários d’A Coisa, Francisco Miguel Chaves, Thomaz Xavier Leal Filho e o major Cosme de Farias. Acredita-se, portanto, que um desses nomes assinava o expediente do imprenso com o uso de pseudônimo.

A data de sua autorização tardia revela um fato bastante curioso sobre a regularização d’A Coisa. Teriam seus editores e proprietários, entrado com o pedido de registro do periódico desde a data do seu lançamento e esbarrado com a burocracia morosa dos departamentos de intendência responsáveis pelo atraso do seu registro, ou teriam seus proprietários mantido o jornal com circulação ilegal na praça da capital Bahia até o despertar de um desejo lancinante por sua legalização?

Em sua tese de doutoramento, a historiadora Mônica Celestino Santos escreveu que, o major Cosme de Farias teria se tornado proprietário, administrador e editor responsável pelo

66ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL PREFEITURA DE SALVADOR/FUNDAÇÃO GREGÓRIO DE

MATTOS (Salvador/Bahia). Livro. Estabelecimento de oficinas de impressões 1833 a 1927, (Estante 7), folha, 26.

jornal A Coisa numa associação com os jornalistas Miguel Chaves e Thomaz Xavier Leal Filho, em setembro de 1904.67 Mônica Santos classificou o periódico como sendo a “derradeira” publicação de iniciativa do major Cosme de Farias, acrescentando que não foram localizados exemplares do periódico capazes de embasar sua pesquisa, e baseou sua relevância ao fato de, como ela mesma escreveu “sequer [haver] menção dela [A Coisa] na principal obra de referência da imprensa baiana” (SANTOS, 2011, p. 270). Mônica Santos finalizou seu parágrafo com a referência dos anais da imprensa baiana de autoria de Carvalho e Torres (2007).

Acontece, porém, que Mônica Santos apresenta desconhecer as coleções nas quais o jornal A Coisa está arquivado com amplos e continuado-sequenciados números de exemplares, muito embora em péssima condição de deterioração, no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, conforme já citado. E por desconhecer a existência desses arquivos nos parece equivocada a sua afirmação que sugere a ilegalidade na circulação do periódico, quando ela considera que “A Coisa teve assentamento autorizado pela Intendência de Salvador e passou a funcionar legalmente, por período ignorado” (SANTOS, 2011, p. 271). As evidências de sua circulação levantadas nessa pesquisa contrapõem a afirmação de Mônica Santos sobre o funcionamento por período ignorado. A ampla divulgação d’A Coisa entre leitores participativos, e evidências nos reclames de outros impressos contemporâneos a ele, e cuja redação e tipografia eram divulgadas com destaque logo abaixo do cabeçalho da capa do jornal, são sinais que sugerem que seus editores não temiam a fiscalização que podiam interromper a produção do jornal e, portanto, o processo de autorização poderia estar a caminho desde o princípio de sua circulação. Outro indício da preocupação dos editores do impresso na busca por sua regulação é o editorial Asseio da cidade publicado na capa da edição do dia 3 de outubro de 1897, quase dois meses depois da sua primeira edição. No texto os editores revelam terem tido a intenção de aguardar um tempo até informarem aos órgãos de Intendência sobre a existência do periódico, no entanto, diante de tantas denúncias a serem feitas pelo noticioso, essa apresentação formalizada se tornava uma obrigatoriedade:

67 SANTOS, Mônica Celestino. As trincheiras do Major Cosme de Farias (1875-1972) a interface entre

atuação na imprensa e ações de caridade em Salvador (BA) no alvorecer da República, Salvador, 2011.

Não desejávamos, por enquanto, introduzir A Coisa na Intendencia Municipal; mas, não nos coadunando com matérias nocivas á saúde pública, sentimos-nos forçados a fazel-o.68

No texto completo há denúncia à higiene precária da Rua 28 de Setembro, antiga Rua do Tijolo, na qual existia uma boca de lobo aberta a exalar o odor do esgoto. Também denunciam as más condições nas ruas que atravessavam as instalações da Escola de Bellas Artes até o Arco da Misericórdia, ambas repletas com excremento humano, lançados pelos moradores daquela região a partir de suas janelas. O editorial acrescenta a Rua da Assembleia, lugar onde se encontravam dejetos hospitalares possivelmente contaminados por algum paciente acometido por varíola; o prazo estendido para mais de quinze dias tomado pelas empresas de asseio responsáveis pelo recolhimento desses dejetos; reclamam da falta de iluminação pública, e dos preços elevados na cobrança do pãozinho diário. O editorial nos faz entender que, se ao longo dos dois primeiros meses da sua existência, o órgão de Intendência Municipal do Estado não havia tido conhecimento da existência d’A Coisa, esse desconhecimento não passaria do seu sexto número, que seria encaminhado ao órgão de controle para que seus representantes pudessem ler as denúncias que os editores faziam acerca do descaso com a administração e higienização das vias públicas. Consequentemente, a apresentação do jornal no órgão de Intendência implicaria na sua efetiva regulação a partir desse dia.

Mônica Santos apresentou outras contradições ao longo da sua pesquisa, conforme se vê na citação em que ela afirma que “ele [o major] não tinha vínculo com o semanário [A Coisa] de cunho crítico e humorístico homônimo [...] e fora de circulação desde 1900” (SANTOS, 2011, p. 271). Todavia, noutro momento de sua pesquisa ela escreveu que o desejo do major em “instituir seus próprios jornais decorria, possivelmente, dos anseios por autonomia, frente à elite política e econômica hegemônica no Estado” (SANTOS, 2011, p. 271). E, em outra passagem do seu texto, ela escreveu sobre as características dos impressos de propriedade do major, marcados pelos temas e conceitos da “‘literatura’, que estava associado ao uso da ironia e humor” (SANTOS, 2011, p. 271), tal como reconhecemos o conteúdo d’A Coisa.

Ao fazermos as leituras de todos os exemplares disponíveis do jornal A Coisa notamos que o nome do major Cosme de Farias não fora citado no expediente em nenhuma das edições publicadas, sequer o nome de seus associados conforme registro do Estabelecimento de

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Oficinas de impressões de Salvador. As evidências que nos faz perceber a participação do major ao jornal A Coisa se dão pelo uso do pseudônimo que ele usava em suas publicações na imprensa, Gasparino d’Alva. Encontramos a evidência da participação efetiva do major quando cruzamos o aparecimento deste pseudônimo em editorial publicado no jornal A Coisa, fazendo referência a pessoa do major Cosme de Farias, com a assinatura do mesmo pseudônimo, que também era utilizado no jornal A Bala de sua propriedade. Abaixo é possível observar a capa da edição do dia 11 de março de 1900 quando o editorial a citar o amigo da imprensa sob o pseudônimo Gasparino d’Alva foi citado, e em seguida a transcrição do editorial, e do poema do major, essas atestam a participação do major no semanário:

«A Bala»

Fig. 38. A Coisa 11 mar. (1900)

São do conhecimento de todos os acontecimentos que se deram esta semana relativamente a este nosso destemido collega de imprensa.

Policiadores disfarçados, ou quem quer que fosse, na segunda-feira, tomaram das mãos dos vendedores todos os números do referido jornal, rasgando-os, heroicamente, em plena Praça Castro Alves!

A redação d’A Bala, por carta, communicou aos orgãos diarios A Bala e Jornal de Noticias o lamentavel desacato á liberdade da imprensa motivando sua carta uma outra do Chefe da Segurança, dirigida áquella primeira folha, negando sciencia do ocorrido, e pedindo-lhe que aconselhasse o queixoso a comparecer á Secretaria de Policia, afim de prestar-lhe exactar informações acerca do abusivo facto.

O distinto moço que usa o pseudonymó Gasparino d’Alva, na quinta-feira, apresentou-se a S. Ex. o Sr. Dr. Asclepiades Jambeiro, que ouviu-o attenciosa e delicadamente, fazendo lavrar o competente auto de perguntas, e prometeu dar as providencias exigidas pelo caso.

Nós que somos da imprensa pequena, que nada [...] eterna desrespeitada do [...] estimaremos que [...] as perseguições aos [...] que, embora pareçam [...]69

E ainda a transcrição do poema da subcoluna Repertório d«A Coisa» o Genio (Ao distincto jornalista Americo Barreira) publicado na edição de número 158 da página 4 do dia 23 de setembro de 1900, assinado pelo próprio major Cosme de Farias sem o uso do seu pseudônimo Gasparino d’Alva:

Repertório d«A Coisa» O Genio

(Ao distincto jornalista Americo Barreira) Talhado pelo Divino

Para vencer e subir, Luctando pelo progresso, Luctando pelo porvir, Sou eu, que vivo no mundo, Com meu prestigio profundo, Banhando tudo de luz; Sou eu que desperto o povo Com meu poder sempre novo, Que domina, que seduz! Sou eu que tenho na fronte Constellações e lauréis, Que piso, garbosamente, De gloria nos capitéis;

Sou eu, que tenho o meu solio No topo do Capitolio

Todo cercado de flores, Que vivo só de harmonia, De perfumes e de amores!

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Na terra das melodias Fui Tasso, o vale querido; Na Inglaterra, o poeta Do Paraíso Perdido; Cantarolando, sublime, Na França fui Lamartine, Montesquieu e Hugo; Do mar vencendo o ribombo Sabeis quem fui? Fui Colombo Que Genova eternisou:

Em Portugal fui Bocage Que jamais teve rival, Camões o bardo famoso Morrendo no hospital. Luctando cheio de crença, Na primorosa Florença, Chame-mei Dante; - o eterno. Conquistei palmas e loiros, Brilhantes, immorredoiros. Quando escrevi – O Inferno! Na Grécia, o berço dos sábios, Fui o – divino Platão,

Fui Socrates, na cadeia; Fui Diogenes - o cão! Pregando a sagrada Idéa, Na miseranda Judéa, Fui Christo, - o doce Jesus Que depois de maltratado Foi cruelmente pregado, Pregado sobre uma Cruz! No Brazil fui Castro Alves, Mendonça, Gonçalves, Fagundes, Junqueira Freire, Tobias,

Synthetisando os valentes, Fui um heroe – Tiradentes. Fui Padre Roma – o Titão! Fui Gama, o Soldado, Da Liberdade – arrojado, Fui Cypriano – o leão! Não troco minha grandeza Pelos thezoiros rene [...]... Nem meu poema de gloria Pelas grandezas – [...] Fui sempre assim glorioso Robusto, forte, brioso Plantando o Amor e o Bem. Vivo pelo mundo inteiro Sem lar, sem pão, forasteiro, Mas não me vendo a ninguem!!...

Cosme de Farias70

Entendemos a partir dos fragmentos citados, que o registro junto a Intendência de Salvador é um indício que revela certo vínculo do major ao jornal juntamente com suas publicações assinadas por seu nome e por seu pseudônimo. Na capa do exemplar d’A Coisa do dia 11 de março de 1900, ao publicar editorial chamando atenção para a falta de liberdade de expressão e desacato das autoridades locais, sofrido pelo editor do periódico A Bala, os editores d’A Coisa revelam o pseudônimo Gasparino d’Alva, utilizado pelo editor responsável pelo jornal A Bala, o major Cosme de Farias. Na edição do dia primeiro de abril de 1900, na terceira página Gasparino d’Alva assina texto da coluna Repertório de A Coisa, e também nos exemplares dos dias 25 de maio, na quarta página, na qual assinou o texto da coluna Cartas Patrióticas, e de 11 de maio de 1900, também na quarta página, assinando o texto Misérias da Bahia A Grande Manifestação.71 Todos os textos publicados n’A Coisa que foram assinados por Gasparino d’Alva, o pseudônimo do major Cosme de Farias, estão relacionados a reivindicações e manifestações políticas acerca da pouca atenção do poder público administrativo para a questão do negro e daqueles atingidos pela falta de recursos financeiros, pela seca e pela fome na Bahia. Desse modo, se entende que todas essas evidências, ao contrário do que sugeriu Mônica Santos, revelam o vínculo da atuação do major com a associação de amigos responsáveis pela manutenção do conteúdo divulgado n’A Coisa.

É possível observar a partir do poema citado e de outras publicações do major Cosme de Farias no semanário A Coisa, sua imersão, comum para o contexto da época, no universo europeu, a exaltação e divinização da cultura e dos conhecimentos e as referências positivas a esse mundo grego e romano. Embora enviesado por um discurso popular em favor dos menos favorecidos, o major se coloca enquanto um herói legitimado para esta função, e em momento de extrema indignação com o novo conselho destinado a Casa de Correção do departamento de Intendência baiano, publicação de 11 de maio de 1900, o major critica a manifestação e o fato de “os loucos da Casa de Correção estarem no mais completo abandono”. Também critica a “desimportância dada aos flagelados da seca do Ceará” e louva a atitude de “Estados do Sul da República por auxiliar as vítimas da seca”. Ele também coloca em questão o comportamento civilizado dos baianos na figura do intendente, e encerra seu editorial

70 A Coisa, 23 set. 1900, ano. 4, n. 158, p. 4

71 A Coisa, 11 mar. 1900, ano. 3, n. 130, p. 1; A Coisa, 1 abr. 1900, ano. 3, n. 133, p. 3; A Coisa, 25 de mar.

reforçando os estereótipos que fariam da Bahia um lugar não civilizado, “o povo desta infeliz Bahia calado e bestificado, como se fosse um povo escravo, asseste a tanta miséria, sem murmurar sequer. Cerre tudo fecundamente bem... Estamos em pleno sertão da África – avante Sr. intendente!”.72 Entendemos que essa reificação acerca do discurso sobre o povo

que compõem o território da Bahia de sua época vai ao encontro de sua exaltação do mundo grego e de todas as positividades e ideias de civilidade difundidas por suas referências europeias. E assim, também concluímos que ao se colocar enquanto um herói cuja voz é elevada para a salvação desse povo bestializado, ele, o major, se coloca distante desse povo subordinado e incapaz de mover-se. Esse povo não é sua referência, mas ele pode ser a referência para o povo. É o discurso racialista e etnocêntrico a ecoar na escrita e no pensamento público da sociedade e na imprensa baiana da Primeira República. É o sentido que emerge de uma sociedade a luz de uma utópica democracia.

Os autores, seus pseudônimos e os colaboradores eventuais

Com o passar dos anos novos redatores e administradores foram e deixaram de ser citados no expediente do jornal, expediente esse localizado na parte superior logo abaixo do cabeçalho na primeira página. A inserção de novos redatores conotava a realização de novas parcerias, somando-se nomes e forças pela manutenção e duração do semanário. Nomes como Arthur, o Bohêmio (Arthur Arezio da Fonseca), e Zé Patife, pseudônimo sem registros fora do periódico, também foram responsáveis por trazerem melhorias ao semanário de pequeno porte, enriquecendo-o com ilustrações maiores, mais elaboradas e conteúdo mais chistoso.

Em seu terceiro número, a edição de 12 de setembro de 1897, a página de capa d’A Coisa é composta de textos, e é dado a estes textos o destaque principal. Na capa em questão, figuram no cabeçalho o título do periódico com o tipo gravado sem serifa, limpo e angular, desprovido de figuras. Destaca-se o nome atribuído ao redator-chefe Dois Bemòis, do gerente K. Brito; a legenda contendo a linha que melhor descrevia as características ideológicas do semanário: “critica, satyrica e noticiosa”.73 E constam também os valores para assinaturas,

tanto para uma assinatura trimestral direcionada aos moradores da capital ao valor de 1$000 réis, ou ao preço avulso de um tostão. Logo abaixo do cabeçalho constam os nomes dos redatores, Jayme Borreaux, Bombardino e Zéca Gaud, nomes reais e pseudônimos

72

A Coisa, 11 mai. 1900, ano. 4, n. 138, p. 4

simultaneamente, que lhes permitiam certo anonimato contra possíveis represálias de latifundiários, políticos, comerciantes e até do próprio governo vigente na época.

São várias as considerações acerca do uso dos pseudônimos. Dentre elas têm-se as explanações de Olavo Bilac, Nelson Werneck Sodré, Machado Neto, B. Broca e Álvaro Santos Simões Junior. Após a leitura das obras desses autores citados, entendeu-se que em um primeiro momento, o uso do pseudônimo servia para ocultar de represálias e perseguições a persona por trás de uma crítica social e política publicada na imprensa. Manuel Raymundo Querino, em seu ensaio A Bahia de Outrora narrou várias passagens nas quais muitos escritores de jornais eram assassinados por escreverem opiniões acerca de fatos políticos. A opressão contra escritores, editores e donos de tipografias na Bahia, segundo Manuel Querino, é registrada desde o ano de 1833, quando “por motivo de divergência de opiniões manifestadas na imprensa, o dr. Sabino Vieira viu-se na contingência de assassinar, em pleno dia, à entrada da Câmara Municipal, o alferes do exército Ribeiro Moreira” (QUERINO, 1946, p. 92).

A perseguição aos colaboradores dos jornais na Bahia teria levado Prospero Diniz e João Nepomuceno, poetas satíricos de larga aceitação a deixarem a capital baiana. Manuel Querino também dá exemplos daqueles que ele denomina jornalistas, tais como, Manoel Pessoa da Silva, que apesar de pertencer a uma família “dominante” teria sido odiado e esquecido quando de sua morte, especialmente em consequência da sua narrativa crítica explicitada nos jornais em que colaborava. Domingos Guedes Cabral, outro jornalista baiano teria cumprido sentença na fortaleza do Barbalho, em razão do que escrevia “arrojadamente, desdenhosos dos mandões do tempo” (QUERINO, 1946, p. 93). O jornalista Domingos de Faria Machado teria sido morto “subitamente” em uma farmácia, depois de tomar um copo com água, “atribuiu-se êsse fato a envenenamento” (QUERINO, 1946, p. 92). Muitas eram as agressões, demissões e perseguições aos colaboradores de jornais, e quanto mais críticos e politicamente opositores, mais eram alvos de represálias,

ou o jornalista mudava de rumo, coagido pelas ofensas físicas dos capoeiras, ou então, era levado aos tribunais, por demasiais da palavra escrita; e não raro, os juízes, antes de sentenciarem, confabulavam com os mandões, sôbre as perseguições a desenvolver contra os comentadores dos desmandos políticos” (QUERINO, 1946, p. 92).

Noutra perspectiva menos agressiva, há, segundo Olavo Bilac e B. Broca, relatos de que, como a informalidade e o rendimento da colaboração em jornais era baixa, esses

escritores contribuíam em muitos jornais ao mesmo tempo, e para isso se escondiam por trás de pseudônimos para ocultar alguma incoerência e variações de qualidade de sua escrita. No entanto, muitas das vezes, o pseudônimo servia como marca de identificação de um estilo. Apenas em 1897, o governo incomodado, teria enviado ao Congresso projeto de lei proibindo a prática de uso do pseudônimo.

A imprensa baiana do século XIX, e do Brasil como um todo, foi marcada pelo uso do anonimato de muitos dos seus colaboradores. Esses quando não publicavam utilizando-se de pseudônimos preferiam deixar suas gravuras e seus editoriais, poemas, folhetins e artigos de opinião sem assinaturas. No seu artigo A Bahia intelectual (1900-1930), Machado Neto traduziu esse comportamento na Bahia como sendo o espírito de um tempo na vida intelectual baiana, na qual, era possível constatar que eram poucos aqueles escritores que não dispunham de um pseudônimo. Tempo marcado pela forte tendência da boêmia literária, da circulação das revistas, jornais de arte e humor, o uso dos pseudônimos demarcavam o lugar de seus autores junto às diversas colunas fixas assinadas por eles. Sendo assim era possível atribuir identidade tanto às colunas jornalísticas “sob um rótulo constante” quanto a um nome atribuído a quem as assinava (MACHADO NETO, 1972, p. 299-300).

Simões Junior ao discorrer sobre os usos de pseudônimos nos periódicos literários ilustrados no Rio de Janeiro do século XIX vai de encontro às afirmações de Machado Neto

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