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C APÍTULO III: R ESULTADOS

3.2.2. N OÇÃO DE B EM ESTAR E ALTERAÇÕES NOTADAS

Alguns pontos foram sendo referidos ao longo das sessões como importantes para a vida de cada participante, e foram estes os resultados passados à equipa técnica da ADSFAN, bem como à sua direção.

Desde o início, houve uma questão que foi sempre sendo mencionada como algo que os participantes consideram importante para si, relativamente às instabilidades criadas por algumas pessoas que residem na instituição e que possuem demência. Frequentemente, algumas destas deambulam, trocam coisas, gritam, e principalmente este último aspeto incomoda muitos dos restantes utentes. Para alguns dos participantes, a solução passaria pela separação destas pessoas para outra sala de estar (o que não existe na residência); para outros, mais incomoda que alguns colegas do grupo de utentes interajam negativamente com estas pessoas, causando um mau estar ainda maior.

Outra queixa que se percebeu ser comum a todos tem a ver com o serviço de rouparia e lavandaria do lar. Apesar de a roupa ser, supostamente, marcada, frequentemente acontecem trocas, perdem-se peças, ou os cuidados são menos minuciosos. Isto parece gerar bastante desagrado junto dos utentes, de uma forma geral, e tal preocupação foi vulgarmente partilhada ao longo das sessões. Aqui torna-se claro como uma ferramenta como o Photovoice pode proporcionar que as pessoas se tornem «gravadores» das suas comunidades (Wang & Burris, 1997; PhotoVoice.org, s.d.), apesar destas preocupações não terem sido expostas através de imagens, mas das narrativas decorrentes. Mais ainda, aqui os participantes foram também capazes de propor soluções (que passariam por ter uma auxiliar unicamente responsável pela roupa), de acordo com aquilo que esta metodologia pretende ser, acreditando na pessoa como catalisadora de mudança, numa lógica de empowerment, corroborando as ideias de Paulo Freire (2005).

Outro tema que surgiu, tanto em momentos individuais como de grupo, é o da importância da saúde. As dores e as limitações físicas foram apontadas como principal problema para «não estarem bem», pelo menos não como gostariam. Frequentemente evidenciou-se necessário abrir espaços para a ventilação destas queixas que, tendo o cuidado de não as reforçar, foram ouvidas e valorizadas. Curiosamente, nas fotografias mostrava-se também que não só preocupam aos participantes os seus próprios problemas (que sentem, não raras vezes, como invalidantes), como também os afeta ver colegas a piorar de saúde.

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Alguns retratos eram tirados a outras pessoas, seus pares, como espelhando a tristeza, coisas que não gostam ou o que mudariam.

Figura 26 - Fotografia tirada pela participante C2 a um utente da ADSFAN que estava sem conseguir andar; “Tenho medo de muita coisa. Como, por exemplo, deixar de andar por completo e a minha cabecinha deixar de funcionar... Tenho medo.” (cit. Participante A1)

Não houve muito mais ideias trabalhadas de forma direta sobre o que os participantes consideraram como importante para o seu bem-estar. Alguns pontos eram abertos de forma mais individual, como sendo uma das participantes precisar de ajuda para ir à casa de banho e não gostar de estar à espera das auxiliares, e só depois de estimulada é que tentou traduzir este seu problema em fotografia. Os assuntos iam decorrendo muito mais das narrativas que eram suscitadas pela visualização das imagens. Um tema surgiu como transversal, e insere-se no domínio das relações. Para todos, ser «bem tratado» é o mais importante, tanto pelas equipas, como pelos seus pares, como pelos seus familiares. Mais uma vez, aparentemente foi para os participantes um obstáculo concretizar estas ideias em imagem - a não ser que sob a forma de retrato. Ilustrando este género de expressão daquilo que lhes é, ainda assim, importante, numa das últimas sessões, ao visualizarem uma das últimas fotografias, acabaram por se gerar narrativas especialmente emotivas sobre a importância das auxiliares nas suas vidas.

“Tratam-me só a brincar. Fazem o serviço mas sempre a brincar. Ainda ontem à noite estas duas deitaram-se na minha cama, mais eu, e tivemos ali… A senhora Y já dormia… Ou não dormia, porque nós fazíamos barulho! Eu costumo-me deitar e ficar logo descansada, mas ontem… É que elas, há noites, em que elas estrafegam-me toda! Fico toda migada!” (cit. Participante A1)

“São as mais importantes, as que lá estão dentro para cuidar da gente. Fazem tudo com o devido modo. Eu não tenho razão nenhuma, nenhuma delas, nunca me trataram mal, nunca me deram uma má palavra… (cit. Participante A2)

“Elas coitadas têm que correr a um lado, têm que correr ao outro… (…) A minha família não me podem fazer o que elas me fazem… Estão lá em casa, andam lá na vida deles, elas coitadas é que são… Acho que elas estão boas, pronto! São meigas!” (cit. Participante C1)

“Gosto de todas! Nem é aquela, nem é aquela, gosto de todas! Porque não me tratam mal… Vestem-me… Agora um dia destes, estava lá uma… eu não sei o nome delas, sei mas não sei o nome delas… estava lá uma, estávamos a cantar uma cantiga!

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Chegou lá as outras, mas que festa era aquela? Olhe, estamos a espantar o mal! Sou amiga de todas!” (cit. Participante C2)

Apesar destas «novas famílias» que se vão criando em contexto institucional, as reais famílias não deixam de ser consideradas como o mais essencial para o bem-estar de cada um dos participantes. As fotografias com eles eram sempre as mais importantes e emotivas: “Estavam-se a rir de mim! (…) Alegre! Muito contente quando eles chegaram,

não dava por eles… chegaram-me mexerem-me assim nas costas… Fiquei muito contente! (…) Lembram-se sempre do dia da mãe, fizeram muito bem e andam-me a fazer muito bem…” (e.g.: cit. Participante C2). Ao mesmo tempo, a ausência destes acaba por

ser motor de sofrimento, não tão partilhado nas narrativas, mas implícito na forma como os participantes entravam em contacto com sentimentos quando tais assuntos se abordavam. Por outro lado, pedidos espontâneos surgiam, como foi com o caso de A2, que desejou enviar por correio eletrónico, a um dos seus filhos, fotografias que tirou. Sobre este assunto, também se destaca a importância do envolvimento destas no projeto. Apesar de se ter reforçado essa participação ao longo do mesmo, e se terem feito especiais convites aos familiares para a inauguração da exposição, apenas dois familiares de uma das participantes compareceram. Esta ausência foi silenciosamente sentida, ainda que mais por uns do que por outros, e em futuras edições será crucial dar ainda mais atenção a este aspeto.

Ainda no domínio das relações, destaca-se a posição fundamental que a Animadora Sociocultural assume na vida dos utentes, frequentemente espelhada em fotografias tiradas à mesma: “Eu acho que ela é boa por ser ela que manda na gente, que dá… dá

vida para a gente fazer isto ou fazer aquilo. Quando a gente precisa de alguma coisa vai ter com ela… É importante também ela ir à rua ver os outros doentes… Mas também nos faz falta…” (e.g.: cit. Participante C1). As relações com os restantes utentes também foi

sendo mencionada pelos participantes, não só quanto a «darem-se bem», mas muito ao nível da não existência de conflitos. As atividades quotidianas iam também sendo referidas como importantes, mas eventualmente dependerá das características idiossincráticas e do nível de participação de cada um. Para A1 passam por ir ao centro de convívio; já A2 considera-as como de extrema importância; C1 prefere os seus hobbies individuais; C2 não as refere com clareza. Como suscitado por alguns autores (e.g.: Lima,

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2012) as atividades são fundamentais, mas dependerão do grau de envolvimento nas mesmas.

Figura 27 – Imagem a um dos desenhos que pinta: “Eu num sentido estou contente. Estou contente desde que vim para aqui. Porque nunca pensei fazer coisas que tenho feito. E que se estivesse na minha casa não fazia. E aqui tenho feito, coisas bonitas, as pessoas acham bonitas e eu também acho, e pronto, tenho feito aí muita coisa que nunca tinha feito na minha vida!” (cit. Participante A2)

É por isso possível afirmar que o domínio dos relacionamentos foi o tema mais comum, mais transversal a todos os participantes e ao longo do tempo. Pelo menos, terá sido o mais frequentemente mencionado, fosse espontaneamente, pelo estímulo suscitado pela reflexão decorrente da visualização das fotografias, fosse de forma mais intencional, utilizando a imagem como meio dessa comunicação. Confirma-se, assim, a pertinência da estimulação das relações interpessoais e do combate ao isolamento social no trabalho com pessoas mais velhas.

Numa perspetiva de envelhecimento ao longo da vida (OMS, 2002), reconhece-se que as pessoas não são homogéneas e que as diferenças individuais tendem a aumentar com a idade, proclamando-se que as intervenções assentes na criação de ambientes de suporte e acolhimento saudáveis são da maior importância em todas as fases da vida. O envelhecimento ativo representará, então, a continuação de uma vida ativa e inclusiva, vivida de forma participativa tendo em conta o reconhecimento das possibilidades, expectativas e desejos de cada um (Gama, Teodoro & Simões, 2014; Pereira, 2012).