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ℵ
= ∈N˜ao h´a, em matem´atica, o conceito de n´umero. Mas h´a n´umeros naturais, n´umeros inteiros e n´umeros racionais, os quais s˜ao qualificados nesta quarta parte.
§27. Aritm´etica. Sejar:x→yuma rela¸c˜ao. Observar que, neste caso, s˜ao explicitados dom´ınioxe co-dom´ınio y der. Dizemos que r´e uma fun¸c˜ao dex emy sss para todoapertencente a xexiste um e apenas umbpertencente a y tal que (a, b)∈r.
Ou seja, fun¸c˜oes s˜ao casos especiais de rela¸c˜oes e, portanto, conjuntos.
Exemplos: Se
r={(1,2),(2,3),(3,4),(4,5),(5,6),(6,7)},
r´e uma rela¸c˜ao? ´E uma fun¸c˜ao? Se existem xey tais que r⊆x×y, ent˜ao r´e uma rela¸c˜aor:x→y. Logo,r´e uma rela¸c˜ao com dom´ınio e co-dom´ınio{1,3}? N˜ao! Com efeito,r̸⊆ {1,3} × {1,3}.
A mesma r ´e uma rela¸c˜ao com dom´ınio e co-dom´ınio dados por
{1,2,3,4,5,6,7}? Sim! Com efeito,
r⊆ {1,2,3,4,5,6,7} × {1,2,3,4,5,6,7}. ´
E uma fun¸c˜ao com dom´ınio e co-dom´ınio dados por {1,2,3,4,5,6,7}? N˜ao! Com efeito, apesar derser subconjunto de
{1,2,3,4,5,6,7} × {1,2,3,4,5,6,7},
o termo 7 pertence ao dom´ınio dermas n˜ao existe termob pertencente ao co-dom´ınio dertal que (7, b) perten¸ca ar.
O mesmo conjunto r ´e uma fun¸c˜ao com dom´ınio {1,2,3,4,5,6} e co-dom´ınio{1,2,3,4,5,6,7,8,9}? Sim! Com efeito,
r⊆ {1,2,3,4,5,6} × {1,2,3,4,5,6,7,8,9}
e, al´em disso, cada elementoado dom´ınio{1,2,3,4,5,6}corresponde a um e apenas umbpertencente a{1,2,3,4,5,6,7,8,9}tal que (a, b)∈r. Ser:x→y ´e uma fun¸c˜ao e (a, b)∈r, dizemos que ‘b´e a imagem deapela fun¸c˜aor’. Neste caso ´e usual a nota¸c˜aor(a) =b.
A opera¸c˜ao adi¸c˜ao + entre n´umeros naturais, introduzida na Se¸c˜ao 21, pode ser definida como uma fun¸c˜ao
+ :ω×ω→ω
tal que +(m, n) = m+n (observar que +(m, n) ´e uma nota¸c˜ao abreviada para +((m, n)), ou seja, a imagem de (m, n) pela fun¸c˜ao +). Analogamente, a opera¸c˜ao multiplica¸c˜ao·entre n´umeros naturais introduzida na mesma Se¸c˜ao pode ser definida como uma fun¸c˜ao
·:ω×ω→ω tal que·(m, n) =mn.
Lembrando que, por defini¸c˜ao,m+ 0 =m, em+S(n) =S(m+n), provamos a seguir alguns teoremas importantes.
Teorema 13. 0 + 0 = 0.
Demonstrac¸˜ao: De acordo com a defini¸c˜ao de adi¸c˜ao,m+0 =m. Sem= 0, ent˜ao 0 + 0 = 0.
Teorema 14. Se m´e um n´umero natural, ent˜ao 0 +m=m.
Demonstrac¸˜ao: Usamos aqui uma t´ecnica de demonstra¸c˜ao conhecida como indu¸c˜ao infinita, a qual permite empregar Modus Ponens para obter uma infinidade de teoremas. Para isso ´e necess´ario dividir a demonstra¸c˜ao em duas etapas. Na primeira devemos provar que
0 +S(0) =S(0),
lembrando queS(0) = 1 (observar que j´a foi provado acima que 0 + 0 = 0). Na segunda etapa devemos demonstrar que a f´ormula
0 +S(n) =S(n) implica na f´ormula
0 +S(S(n)) =S(S(n)).
Dessa maneira cria-se um ‘efeito domin´o’ no seguinte sentido: Se 0+1 = 1 ´e teorema e a f´ormula 0 + 1 = 1 implica na f´ormula 0 + 2 = 2, ent˜ao 0 + 2 = 2 ´
e teorema. Mas se a f´ormula 0 + 2 = 2 implica na f´ormula 0 + 3 = 3, ent˜ao 0 + 3 = 3 ´e teorema, e assim por diante. Ou seja, Modus Ponens ´e aplicada ao longo de todos os n´umeros naturais, produzindo uma infinidade de teoremas (um para cada naturalm).
Agora podemos finalmente iniciar a prova.
Etapa 1: 0 +S(0) =S(0 + 0), de acordo com a defini¸c˜ao de adi¸c˜ao. Mas 0 + 0 = 0, de acordo com o Teorema 13. Logo,S(0 + 0) =S(0), de acordo com a substitutividade da igualdade. Logo, a transitividade da igualdade garante que 0 +S(0) =S(0).
Etapa 2. Supor que 0 +S(n) = S(n). De acordo com a defini¸c˜ao de adi¸c˜ao, 0 +S(S(n)) =S(0 +S(n)). Mas, como assumimos que 0 +S(n) = S(n), ent˜ao 0 +S(S(n)) =S(S(n)). Logo, para qualquer naturalmtemos 0 +m=m.
Em particular, 0 + 5 = 5, como foi anunciado na Se¸c˜ao 3.
Levando em conta que na c´elebre obra Principia Mathematica (de Bertrand Russell e Alfred North Whitehead) foram consumidas mais de 360 p´aginas para provar que 1 + 1 = 2, parece que estamos com uma certa vantagem aqui. A demonstra¸c˜ao de Russell e Whitehead n˜ao ´e feita no contexto de ZF. A teoria formal explorada neste grande cl´assico da literatura ´e a teoria de tipos, a qual emprega uma linguagem e uma l´ogica diferentes daquelas de ZF.
Teorema 15. Se men s˜ao n´umeros naturais, ent˜aom+n=n+m.
A prova fica como exerc´ıcio para o leitor, a qual tamb´em pode ser feita por indu¸c˜ao infinita. Este ´ultimo teorema garante a comutatividade da adi¸c˜ao entre n´umeros naturais.
Teorema 16. Se m,neps˜ao n´umeros naturais, ent˜ao
(m+n) +p=m+ (n+p).
A prova fica como exerc´ıcio para o leitor, a qual tamb´em pode ser feita por indu¸c˜ao infinita. Este ´ultimo teorema garante a associatividade da adi¸c˜ao entre n´umeros naturais.
Observar que a associatividade da adi¸c˜ao entre naturais ´e uma propriedade facilitadora para fazer contas envolvendo adi¸c˜ao. Com efeito, levando em conta que + ´e uma opera¸c˜ao bin´aria (´e aplic´avel sobre duas ocorrˆencias de termos), como calcularm+n+poum+n+p+q, entre outras possibilidades? De acordo com o Teorema 16, n˜ao importa se calculamos
m+ (n+ (p+q)) ou
(m+n) + (p+q),
sempre ´e obtido exatamente a mesma soma. Ou seja, a associatividade da adi¸c˜ao entre naturais dispensa o emprego de parˆenteses para operar com trˆes ou mais n´umeros naturais, ainda que + seja uma opera¸c˜ao bin´aria.
Teorema 17. Se m,neps˜ao n´umeros naturais, ent˜ao
1m=m, mn=nm, (mn)p=m(np) e
m(n+p) =mn+mp. A demonstra¸c˜ao fica como exerc´ıcio para o leitor.
Por conta do ´ultimo teorema, uma conven¸c˜ao comum ´e a seguinte: mn+p= (mn) +p.
Ou seja, diante de uma nota¸c˜ao abusiva caracterizada por falta de ocorrˆencias de pares de parˆenteses, deve-se priorizar a multiplica¸c˜ao sobre a adi¸c˜ao.
i: m0= 1;
ii: mn+1=m·mn, onden´e um natural.
Exemplo: 54 = 5·53, de acordo com itemii; logo, 54 = 5·5·52, de acordo com o mesmo item; logo, 54 = 5·5·5·51, novamente de acordo com itemii; finalmente, 54= 5·5·5·5·50, que ´e igual a 625, uma vez que itemigarante que 50= 1. Nesta demonstra¸c˜ao tiramos proveito do fato da multiplica¸c˜ao entre naturais ser associativa.
Moral da Hist´oria: A adi¸c˜ao + entre n´umeros naturais ´e comutativa,
associativa e admite elemento neutro (0). A multiplica¸c˜ao·entre n´umeros natu-rais ´e comutativa, associativa e admite elemento neutro (1). Al´em disso temos como teorema adistributividade da multiplica¸c˜ao em rela¸c˜ao `a adi¸c˜ao, ou seja, m(n+p) = mn+mp. Tais propriedades alg´ebricas de adi¸c˜ao e multiplica¸c˜ao entre n´umeros naturais permitem qualificar o que ´e aritm´etica.
Aritm´etica ´e o estudo da tripla ordenada (ω,+,·).
A tripla ordenada (ω,+,·) permite definir n´umeros primos e compostos, bem como todos os resultados conhecidos na literatura sobre o tema. Por exemplo, diversos sistemas de criptografia s˜ao definidos a partir de (ω,+,·), eventualmente exigindo outras ferramentas. Um conjunto como (ω,+,·) ´e capaz de garantir as bases para a seguran¸ca em transa¸c˜oes banc´arias realizadas no mundo todo [21].
Definic¸˜ao16. Um n´umero naturaln´eprimosss
n̸= 0∧n̸= 1∧ ∀p∀q((p∈ω∧q∈ω∧p̸=n∧q̸=n)⇒n̸=pq).
Se n̸= 0∧n̸= 1, dizemos que n´ecompostosss nn˜ao ´e primo.
Exemplos: (i) 5 ´e primo, uma vez que n˜ao existe fatora¸c˜ao pq = 5, onde ambospeq s˜ao naturais diferentes de 5;
(ii) 6 ´e composto, uma vez que 6 = 2(3).
A t´ıtulo de curiosidade, a soma dos quadrados dos sete primeiros primos ´e 666. Com efeito,
22+ 32+ 52+ 72+ 112+ 132+ 172= 666.
Um dos resultados mais conhecidos e ´uteis da aritm´etica ´e oTeorema Binomial para Naturais.
Teorema 18. Sejama,b ennaturais, onde n̸= 0. Logo, (a+b)n= n X k=0 n k akbn−k ondePn k=0 n k
akbn−k ´e a adi¸c˜ao dos termos nk
akbn−k com k variando de 0 a n, n k = n! k!(n−k)!
en−k´e um naturalptal quen=p+k (observar quek´e menor ou igual an).
Demonstrac¸˜ao: Demonstramos esse importante resultado por indu¸c˜ao
in-finita, de maneira an´aloga `a prova do Teorema 14. Primeira Etapa: Provar que (a+b)n =Pn
k=0
n k
akbn−k ´e teorema para n= 1. Ou seja, devemos provar que
(a+b)1= 1 X k=0 1 k akb1−k. Por um lado, (a+b)1=a+b. Por outro,
1 X k=0 1 k akb1−k = 1 0 a0b1−0+ 1 1 a1b1−1. Mas o ´ultimo termo ´e igual a 1!
0!(1−0)!a0b1−0 + 1!
1!(1−1)!a1b1−1, o qual ´e idˆentico a b+a. Como adi¸c˜ao entre naturais ´e comutativa, isso encerra a Etapa 1.
Para a Etapa 2 devemos provar que (a+b)n= n X k=0 n k akbn−k⇒(a+b)n+1= n+1 X k=0 n+ 1 k akbn+1−k. Observar que cada parcela do somat´orio que antecede a condicional acima, envolvendo o fatorajbl, ´e tal quej+l=n. Mas (a+b)n+1= (a+b)(a+b)n. Logo, (a+b)n+1 =a(a+b)n+b(a+b)n. Portanto, (a+b)n+1=a n X k=0 n k akbn−k+b n X k=0 n k akbn−k.
Ou seja, agora cada parcela da adi¸c˜ao dos somat´orios do lado direito da igualdade acima, envolvendo fatoresajbl, ´e tal quej+l=n+ 1. Logo,
(a+b)n+1= nX+1 k=0 n+ 1 k akbn+1−k.
Se o leitor n˜ao se convenceu da ´ultima parte da demonstra¸c˜ao acima, observar
que n k + n k−1 = n+ 1 k , cuja demonstra¸c˜ao pode ser um interessante exerc´ıcio.
Se o leitor n˜ao se convenceu com a defini¸c˜ao desomat´orioPn
k=0zk, introduzida no ´ultimo teorema, essa pode ser escrita como se segue:
i: P1
k=0zk=z0+z1;
ii: Pn+1
k=0zk =Pn
k=0zk+zn+1;
Apesar do Teorema Binomial para Naturais ser um resultado da aritm´etica, ele pode ser estendido de modo a repercutir em ´areas como c´alculo diferencial e
integral, conforme vemos na Se¸c˜ao 47. Esse ´e um dos aspectos mais marcantes da matem´atica: o surpreendente alcance de certos resultados.
§28. Inteiros. Nesta Se¸c˜ao iniciamos as primeiras aplica¸c˜oes de rela¸c˜oes de equivalˆencia.
Eventualmente rela¸c˜oes podem ser definidas sobre rela¸c˜oes, como se faz a seguir. Afinal, toda rela¸c˜ao ´e um conjunto.
Definic¸˜ao17. Sejam(m, n)e(p, q)elementos da rela¸c˜aoω×ω emω. Logo, (m, n)∼(p, q)...m+q=n+p.
(m, n)̸∼(p, q)...¬((m, n)∼(p, q)).
Exemplos: (i) (5,2)∼(7,4); isso porque 5 + 4 = 2 + 7; (ii) (7,4)∼(32,29); com efeito, 7 + 29 = 4 + 32;
(iii) (5,2)∼(32,29);
(iv) (5,2)̸∼(2,5); com efeito, 5 + 5̸= 2 + 2.
Notar que ω×ω ´e uma rela¸c˜ao em ω, e ∼ ´e uma rela¸c˜ao em ω×ω. Neste momento ´e importante n˜ao confundir uma rela¸c˜ao emω×ω com qualquer sub-conjunto deω4. Com efeito, ω4=ω×(ω×(ω×ω)) (Defini¸c˜ao 9), enquanto∼
´
e subconjunto pr´oprio de (ω×ω)×(ω×ω). Logo,∼n˜ao ´e subconjunto deω4.
Teorema 19. A rela¸c˜ao ∼emω×ω da Defini¸c˜ao 17 ´e de equivalˆencia. A demonstra¸c˜ao deste ´ultimo resultado fica a cargo do leitor. Resumidamente, tanto reflexividade quanto simetria de ∼s˜ao consequˆencias da comutatividade da adi¸c˜ao + entre naturais. Com rela¸c˜ao `a transitividade de ∼, essa pode ser facilmente provada se o leitor enunciar e provar um teorema decancelamentode termos para a adi¸c˜ao de naturais. Tal teorema de cancelamento diz o seguinte: dadosm,nepnaturais, ent˜ao
m+n=m+p⇔n=p.
Uma vez que toda rela¸c˜ao de equivalˆencia define uma parti¸c˜ao (Teorema 11), h´a aqui a oportunidade para introduzir n´umeros inteiros. As classes de equivalˆencia deω×ω relativamente a∼s˜ao denotadas como se segue.
Definic¸˜ao18.
+n= [(n,0)] ={(a, b)∈ω×ω|(a, b)∼(n,0)} −n= [(0, n)] ={(a, b)∈ω×ω|(a, b)∼(0, n)∧n̸= 0}
A classe de equivalˆencia +nse lˆe ‘inteiro positivon’. A classe de equivalˆencia
Exemplos: (i) O inteiro positivo zero ´e 0 = [(0,0)] =
{(0,0),(1,1),(2,2),(3,3),· · · };
(ii) o inteiro positivo um ´e +1 = [(1,0)] =
{(1,0),(2,1),(3,2),(4,3),· · · };
(iii) o inteiro negativo um ´e−1 = [(0,1)] =
{(0,1),(1,2),(2,3),(3,4),· · · };
(iv) o inteiro positivo dois ´e +2 = [(2,0)] =
{(2,0),(3,1),(4,2),(5,3),· · · };
(v) o inteiro negativo dois ´e−2 = [(0,2)] =
{(0,2),(1,3),(2,4),(3,5),· · · }.
Um n´umero inteiro ´e uma classe de equivalˆencia de pares ordenados de n´umeros naturais relativamente a∼. Um inteiro positivo (ver sinal +) tem como represen-tante um par ordenado (m, n) ondem≥n(isso equivale a afirmar quen≤m). Um inteiro negativo (ver sinal −) tem como representante um par ordenado (m, n) onde m < n. Um inteiro estritamente positivo ´e um inteiro positivo diferente de 0. Eventualmente podemos omitir o sinal + entre inteiros positivos. O emprego das nota¸c˜oes +ne−nserve ao prop´osito de enfatizar que nenhum inteiro ´e natural. Por exemplo, o natural 0 ´e o conjunto vazio, enquanto o inteiro positivo zero ´e o conjunto 0 = [(0,0)] ={(0,0),(1,1),(2,2),(3,3),· · · }. Logo, de acordo com o Axioma da Extensionalidade, 0̸= 0.
Para definirmos opera¸c˜oes de adi¸c˜ao e multiplica¸c˜ao entre inteiros, basta, por-tanto, definirmos opera¸c˜oes sobre representantes quaisquer de inteiros. Essa ´e a enorme vantagem do emprego de classes de equivalˆencia! Para operar en-tre inteiros n˜ao h´a necessidade alguma de definir opera¸c˜oes entre classes de equivalˆencia. Definir opera¸c˜oes entre representantes de classes de equivalˆencia induz opera¸c˜oes entre as pr´oprias classes de equivalˆencia.
Definic¸˜ao19. Se (m, n) e (p, q) s˜ao representantes quaisquer de inteiros, ent˜ao
(m, n) + (p, q) = (m+p, n+q) e
(m, n)·(p, q) = (mp+nq, mq+np).
Se (m, n) + (p, q) = (r, s), dizemos que (r, s) ´e a soma das parcelas (m, n) e (p, q). Se (m, n)·(p, q) = (r, s), dizemos que (r, s) ´e oproduto dosfatores (m, n) e (p, q). O mesmo se diz sobre os respectivos inteiros com representantes (m, n), (p, q) e (r, s).
Em outras palavras, em virtude do que foi dito acima, sex ey s˜ao inteiros, positivos ou negativos, ent˜aox+y=zsss (m, n) e (p, q) forem representantes de xey, respectivamente, e (m, n) + (p, q) for representante dez. Situa¸c˜ao an´aloga ocorre com a multiplica¸c˜ao entre inteiros.
Exemplo: Como calcular 4 +−2? Basta escolhermos representantes quaisquer dos inteiros 4 e−2 e aplicarmos a Defini¸c˜ao 19. Por exemplo, um dos representantes de +4 ´e (5,1), e um dos representantes de −2 ´e (16,18). Logo,
(5,1) + (16,18) = (5 + 16,1 + 18) = (21,19).
Mas (21,19) ´e representante de +2. Com efeito, (21,19)∼(2,0), uma vez que 21 + 0 = 19 + 2. Logo, 4 +−2 = 2.
Exemplo: Como calcular 4· −2? Basta usar a mesma estrat´egia do exemplo anterior. Ou seja,
(4,0)·(1,3) = (4.1 + 0.3,4.3 + 0.1) = (4 + 0,12 + 0) = (4,12). Mas (4,12) ´e representante de−8.
Importante observar que a opera¸c˜ao de adi¸c˜ao entre naturais ´e uma fun¸c˜ao + :ω×ω→ω,
enquanto a adi¸c˜ao entre inteiros ´e uma fun¸c˜ao
+ : ((ω×ω)/∼)×(ω×ω)/∼)→((ω×ω)/∼) induzida pela Defini¸c˜ao 19. Logo, s˜ao fun¸c˜oes diferentes.
Do ponto de vista formal isso significa que tais fun¸c˜oes deveriam ser denotadas por s´ımbolos diferentes. Mas, como j´a foi dito anteriormente, matem´aticos est˜ao mais interessados em rigor do que formalismo. Do ponto de vista do rigor, naturalmente se sabe que adi¸c˜ao entre naturais ´e uma fun¸c˜ao e adi¸c˜ao entre inteiros ´e outra. Coment´ario an´alogo vale para a multiplica¸c˜ao entre naturais e a multiplica¸c˜ao entre inteiros.
Teorema 20. 0´e neutro aditivo.
Demonstrac¸˜ao: Seja (m, n) um representante de um inteiro qualquer. Uma
vez que todo representante de zero inteiro ´e um par ordenado (p, p), onde p´e natural, ent˜ao basta aplicar a Defini¸c˜ao 19. Logo,
(m, n) + (p, p) = (m+p, n+p). Mas (m, n)∼(m+p, n+p), uma vez que
m+n+p=n+m+p,
gra¸cas `a comutatividade e `a associatividade da adi¸c˜ao entre naturais. Logo, (m+p, n+p) e (m, n) s˜ao representantes do mesmo inteiro. Demonstra¸c˜ao an´aloga para o caso da adi¸c˜ao entre zero inteiro e um inteiro qualquer. Logo, 0 ´e neutro aditivo.
Em outras palavras, no teorema acima foi provado que, se +n ou −n s˜ao inteiros, ent˜ao
+n+ 0 = +n,
−n+ 0 =−n, 0 + +n= +n
e
0 +−n=−n.
Para evitar nota¸c˜ao sobrecarregada, eventualmente posso me referir a inteiros simplesmente por letras latinas min´usculas em it´alico. Ou seja, foi provado acima que, para qualquer inteirop,
p+ 0 = 0 +p=p
(observar que esta ´ultima nota¸c˜ao ´e uma abrevia¸c˜ao metalingu´ıstica equivalente a afirmar quep+ 0 =p∧0 +p=p).
Teorema 21. Todo inteiro admite sim´etrico aditivo. Ou seja, se p ´e um
inteiro, ent˜ao existe inteiroqtal que, tantop+qquantoq+presulta no neutro aditivo0.
Demonstrac¸˜ao: Seja (m, n) um representante qualquer de um inteirop. Se (n, m) ´e representante de um inteiroq, ent˜ao
(m, n) + (n, m) = (m+n, n+m). Uma vez que adi¸c˜ao entre naturais ´e comutativa,
(m+n, n+m) = (m+n, m+n).
Logo, este ´ultimo par ordenado ´e representante de 0, o qual ´e neutro aditivo. Portanto, todo inteiropadmite sim´etrico aditivoq.
Observar que 0 ´e o ´unico inteiro cujo sim´etrico aditivo ´e ele mesmo. Consegue provar isso?
´
E uma pr´atica comum denotar o sim´etrico aditivo de um inteiro ppor −p. Neste texto a mesma nota¸c˜ao ´e empregada. Mas ´e preciso cuidado: n˜ao confundir o sinal −, usado na defini¸c˜ao de inteiros, com sim´etrico aditivo −p de p. Isso porque, eventualmente,−ppode ser um inteiro estritamente positivo.
O ´ultimo teorema ´e de importˆancia vital para compreender a diferen¸ca entre naturais e inteiros. Todo inteiro admite sim´etrico aditivo. No entanto, 0 ´e o ´unico natural que admite sim´etrico aditivo relativamente `a adi¸c˜ao entre naturais. Por exemplo, n˜ao existe natural n tal que n+ 2 ou 2 +n seja igual a 0 (o neutro aditivo entre os naturais).
Para uma defini¸c˜ao precisa do conceito de sim´etrico relativamente a uma opera¸c˜ao bin´aria qualquer (n˜ao apenas adi¸c˜ao ou multiplica¸c˜ao), ver Se¸c˜ao 67.
Gra¸cas `a existˆencia de sim´etrico aditivo entre inteiros, ´e poss´ıvel definir uma nova opera¸c˜ao a partir da adi¸c˜ao entre inteiros. Asubtra¸c˜ao
p−q entre inteiros ´e a adi¸c˜ao
p+ (−q),
ou seja, a adi¸c˜ao do inteiro pcom o sim´etrico aditivo deq. Obviamente n˜ao ´e poss´ıvel definir conceito equivalente entre naturais.
Demonstrac¸˜ao: Seja (m, n) um representante de um inteiro qualquer. Logo,
(m, n)·(1,0) = (m.1 +n.0, m.0 +n.1) = (m+ 0,0 +n) = (m, n). Demonstra¸c˜ao an´aloga para o caso de (1,0)·(m, n). Logo, 1 ´e neutro multiplicativo, uma vez que (1,0) ´e representante de 1.
Recomendo ao leitor provar este ´ultimo teorema usando outro representante para o inteiro 1.
Teorema 23. O neutro aditivo entre os inteiros ´eabsorvente multiplicativo.
Ou seja, sep´e um inteiro, ent˜aop·0 = 0·p= 0.
Demonstrac¸˜ao: Seja (m, n) um representante de um inteiro qualquer. Um
representante do neutro aditivo entre os inteiros ´e (0,0). Logo, (m, n)·(0,0) = (m(0) +n(0), m(0) +n(0)).
Mas este ´ultimo ´e o par ordenado (0,0), uma vez que a multiplica¸c˜ao entre naturais garante trivialmente que o natural 0 ´e absorvente multiplicativo. Demonstra¸c˜ao an´aloga para 0·p= 0. Logo, 0 ´e absorvente multiplicativo. Obviamente, a demonstra¸c˜ao acima poderia ser feita a partir de qualquer outro representante de 0. Optei pelo par ordenado (0,0) para destacar que o pr´oprio natural 0 ´e absorvente multiplicativo entre os naturais.
Outros teoremas podem ser demonstrados:
i: a adi¸c˜ao entre inteiros ´e comutativa e associativa;
ii: a multiplica¸c˜ao entre inteiros ´e comutativa e associativa;
iii: sep,qers˜ao inteiros, ent˜aop(q+r) =pq+pr.
Moral da Hist´oria: Todas as propriedades alg´ebricas da adi¸c˜ao e da mul-tiplica¸c˜ao entre naturais ocorrem tamb´em para a adi¸c˜ao e multiplica¸c˜ao entre inteiros. No entanto, os inteiros contam com uma propriedade alg´ebrica n˜ao replicada entre os naturais, a saber, a existˆencia de sim´etricos aditivos. Esta ´e a relevante diferen¸ca entre naturais e inteiros!
Teorema 24. A multiplica¸c˜ao entre um inteiro estritamente positivo e um inteiro negativo ´e um inteiro negativo.
Demonstrac¸˜ao: Um representante de um inteiro estritamente positivo +m qualquer ´e o par ordenado (m,0), onde m ̸= 0. Um representante de um inteiro negativo qualquer−q´e o par ordenado (0, q), ondeq̸= 0. Logo, a multiplica¸c˜ao entre eles ´e simplesmente
(m,0)·(0, q) = (m(0) + 0(q), mq+ 0(0)) = (0, mq). Mas este ´ultimo ´e representante de um inteiro negativo.
As demaisregras de sinais (t˜ao propagadas no ensino m´edio, mas sem justi-ficativa alguma!) podem ser demonstradas de maneira an´aloga:
i negativo multiplicado por estritamente positivo ´e negativo,
iii positivo multiplicado por positivo ´e positivo.
Recomendo ao leitor que prove esses ´ultimo trˆes teoremas.
Apesar de nenhum natural ser inteiro, como j´a foi discutido acima, ainda ´
e poss´ıvel copiar os naturais entre os inteiros. Para tanto, basta observar os seguintes teoremas:
• A adi¸c˜ao entre inteiros positivos ´efechada nos inteiros positivos, ou seja, sepeqs˜ao inteiros positivos, ent˜aop+q´e um inteiro positivo.
• A multiplica¸c˜ao entre inteiros positivos ´e fechada nos inteiros positivos, ou seja, sepeq s˜ao inteiros positivos, ent˜aop·q´e um inteiro positivo.
• A adi¸c˜ao entre inteiros positivos ´e comutativa, associativa e admite neutro aditivo.
• A multiplica¸c˜ao entre inteiros positivos ´e comutativa, associativa e admite neutro multiplicativo.
• Entre os inteiros positivos temos como teorema a distributividade da mul-tiplica¸c˜ao.
• N˜ao ´e teorema a seguinte afirma¸c˜ao: ‘para todo inteiro positivo existe sim´etrico aditivo que seja inteiro positivo’. Com efeito, basta provar que o sim´etrico aditivo de qualquer inteiro estritamente positivo ´e um inteiro negativo.
Ou seja, os inteiros positivos contam com as mesmas propriedades alg´ebricas dos naturais, no que se refere `as respectivas opera¸c˜oes de adi¸c˜ao e multiplica¸c˜ao. Vale a pena notar que, em momento algum, foram definidas opera¸c˜oes de adi¸c˜ao ou multiplica¸c˜ao entre um natural e um inteiro, ou entre um inteiro e um natural. N˜ao h´a necessidade disso justamente porque os inteiros positivos podem replicar os naturais.
Apesar de alguns autores afirmarem irresponsavelmente que todo n´umero na-tural ´e inteiro, o que se mostra aqui ´e que os inteiros positivos copiam os naturais. Nada al´em disso. Mais detalhes na Se¸c˜ao 39.
Observar tamb´em que, entre os inteiros, n˜ao ´e teorema a seguinte afirma¸c˜ao: ‘todo inteiro admite sim´etrico multiplicativo’. Se existisse, o sim´etrico multi-plicativo de um inteiro p deveria ser um inteiro q tal que pq = 1, sendo 1 o neutro multiplicativo entre os inteiros. Obviamente o neutro multiplicativo dos inteiros admite ele mesmo como sim´etrico multiplicativo. Al´em disso, o sim´etrico aditivo do neutro multiplicativo (ou seja, −1) tamb´em admite como sim´etrico multiplicativo ele mesmo, uma vez que −1· −1 = 1. Mas nenhum outro inteiro conta com essa propriedade alg´ebrica. Considere, para fins de ilustra¸c˜ao, o in-teiro 2. Supor que ele admite sim´etrico multiplicativo com representante (p, q). Logo,
Para que o resultado (2p,2q) seja representante do neutro multiplicativo ´e necess´ario que
(2p,2q) = (n+ 1, n)
para pelo menos algum n natural. No entanto, ambos 2p e 2q, independente-mente dos valores depeq, s˜ao naturais pares. Logo, ´e necess´ario que ambosn en+ 1 sejam pares. Mas, sen´e par, ent˜aon+ 1 ´e ´ımpar. Sen´e ´ımpar, ent˜ao n+ 1 ´e par. Isso ´e uma contradi¸c˜ao!
O fato de n˜ao haver sim´etrico multiplicativo para todo e qualquer inteiro serve como motiva¸c˜ao para a defini¸c˜ao dos n´umeros racionais. A proposta ´e a seguinte: como definir um conjunto x e duas opera¸c˜oes (+ e ·) de modo que este novo conjunto xconsiga copiar os inteiros e os naturais e ainda admitir a existˆencia de sim´etrico multiplicativo para todos os termos pertencentes a x? Esse problema ´e resolvido na pr´oxima Se¸c˜ao.
Entre os inteiros ´e poss´ıvel definir rela¸c˜oes de ordem total≥(maior ou igual) e≤(menor ou igual) como se segue:
Definic¸˜ao20. Sejamr esinteiros. Logo, • r≥0 ...r´e inteiro positivo; • r≥s...r+ (−s)≥0; • r≤s...s≥r. Al´em disso, r < ssssr≤s∧r̸=s; e r > ssssr≥s∧r̸=s.
Exemplo: 5>2. Com efeito, 5 +−2 = 3; Uma vez que 3 ´e um inteiro positivo, ent˜ao 5 +−2≥0. Uma vez que 5̸= 2, ent˜ao 5>2.
Para encerrar essa discuss˜ao, o conjunto dos n´umeros inteiros ´e denotado por Z. Em outras palavras,
Z= (ω×ω)/∼.
Estudar os n´umeros inteiros significa estudar o conjunto (Z,+,·).
§29. Racionais. Assim como os inteiros foram definidos a partir dos natu-rais, os racionais s˜ao definidos a partir dos inteiros, novamente usando classes de equivalˆencia.
Definic¸˜ao21. Sejam(a, b)e(c, d)elementos deZ×(Z− {0}). Logo, (a, b)≈(c, d)...ad=bc.
(a, b)̸≈(c, d)...¬((a, b)≈(c, d)).
Por abuso de nota¸c˜ao, de agora em diante omito a barra sob cada inteiro. Dessa maneira, para evitar confus˜ao, sempre qualificamos sendenota um inteiro ou um natural. Nesta Se¸c˜ao, quaisquer pares ordenados (m, n) s˜ao tais que ambos mens˜ao inteiros.
Exemplos: (i) (1,2)≈(2,4); com efeito, 1(4) = 2(2); (ii) (2,4)≈(3,6); com efeito, 2(6) = 4(3);
(iii) (1,2)≈(3,6);
(iv) (1,2)̸≈(2,1); com efeito, 1(1)̸= 2(2). ´
E claro que poder´ıamos ter escrito, por exemplo, 1·4 ou 2·2 no lugar de 1(4)