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5 METODOLOGIA

5.2 O ALTO DO MOURA

5.2.1 Na comunidade artesã do Alto do Moura

Nesse procedimento, como vimos, o caráter plural da temática básica da pesquisa trata de disciplinas como o turismo e o design, mas que além delas necessitaram de uma estrutura metodológica que absorveu bem influências antropológicas. O estudo de caso, desenvolvido por uma pesquisadora com formação em design, fez voltar a reflexão das vantagens do pluralismo da ação, não só na conceituação do fenômeno, mas também, ou até principalmente, na pesquisa de campo. Já que o caso do Alto do Moura envolve interações entre pessoas, pessoas e coisas, coisas e tradição, tradição e espaço.

E, por isso, esta etapa metodológica exigiu um diálogo mais aberto do design, e encontrou tal suporte na antropologia que permitiu considerar diferentes perspectivas sociais. Anastassakis81 observa que no Brasil, a prática do design já se

aproxima da antropológica desde que Aloísio Magalhães passou a ser um designer gestor de política cultural. Ele sustentava que a noção de patrimônio deveria exigir vida do monumento, ou seja, manter uma edificação em pé ou conservada não basta se a vida cultural não for promovida. Dessa forma, Magalhães nos mostra que o design, orientado para a cultura, pode desvendar significados e tradições dentro do passado que são de interesse para um futuro desejado, sedutor.

Para Damatta (1978) a antropologia é aquela onde necessariamente se estabelece uma ponte entre dois universos de significação, e tal ponte ou mediação é realizada com um mínimo de aparato institucional ou de instrumentos de mediação. Nesse aspecto, o autor chama de anthropological blues as situações extraordinárias das relações pesquisador/nativo. É o que ele chama de uma boa etnografia, com descrição tipicamente antropológica. Uma intrusão de subjetividade e de carga afetiva que vem com a pesquisa de campo e sua rotina intelectualizada.

Como ferramenta por excelência da pesquisa de campo antropológica, discutiremos as finuras que circundam o termo etnografia. Para Geertz (1978, p. 15), “praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever

81 Entrevista concedida por Revista IHU On-line. Design e antropologia: novas interações

para pensar as questões sociais. Entrevista especial com Zoy Anastassakis. Entrevistadores: Leslie Chaves e Patricia Fachin. Publicado em 28 de julho de 2016. Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/558218-design-e-antropologia-novas-interacoes-para-pensar- as-questoes-sociais-entrevista-especial-com-zoy-anastassakis.

textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por diante”, mas o que define o empreendimento é menos esse conjunto de técnicas e mais efetivamente uma descrição densa do tipo de esforço intelectual prestado. Ainda para o autor, apoiado em Weber, trata-se de uma ciência interpretativa à procura de analisar as teias de significados que o homem tece.

Clifford (1997) propõe uma reflexão sobre o fazer etnográfico, que reposiciona a ideia de um habitar prolongado no lugar da pesquisa para a possibilidade de que a etnografia contemporânea pode se constituir de uma série de encontros. Associado à carga subjetiva do anthropological blues, os encontros são narrados como um diário de campo, fruto da observação participativa realizada na imersão do pesquisador no campo de investigação.

Ingold (2016) defende que o significado de etnografia é bem mais sensível e profundo que sua descrição literal: escrever sobre os povos. Vai muito além de um simples catálogo de hábitos e costumes. Para ele:

A descrição etnográfica, pode-se dizer, é mais uma arte que uma ciência, mas não menos precisa ou verdadeira. Como os pintores holandeses do século XVII, pode-se afirmar que os etnógrafos europeus e americanos do século XX praticavam uma “arte da descrição” (ALPERS, 1983), mais através de palavras do que de linhas e cores. Este ainda é o padrão segundo o qual se avalia esse trabalho contemporaneamente (INGOLD, 2016, p. 406).

No entanto, Ingold (2016) chama atenção para a atribuição irrefletida da “etnograficidade” aos encontros com aqueles entre os quais se realiza a pesquisa. Para ele a sobreutilização do termo coloca em risco o compromisso ontológico e o propósito educacional da antropologia enquanto disciplina. O autor acredita que esse procedimento, “no qual “etnográfico” parece ser um substituto atual para “qualitativo”, ofende todos os princípios da investigação antropológica”82 e tende a

desvalorizá-la.

Para tanto, Ingold (2016) sugere que:

Para que se seja consistente, talvez se deva remover tanto o “etnográfico” quanto o “campo” do trabalho de campo etnográfico, e referir-se simplesmente ao modo já consolidado de trabalhar: a observação participante. Como apontaram Jenny Hockey e Martin Forsey (2012), etnografia e observação participante não são a mesma coisa (INGOLD, 2016, p. 407).

Diante da reflexão exposta, a pesquisa de campo desenvolvida nesta tese se apoia nas noções de etnografia propostas por Geertz e na lógica de encontros de Clifford, mas especialmente com a preocupação ontológica de Ingold. Por isso, tratamos nosso estudo de caso como uma “observação participante” que teve como ponto de partida experienciar o Alto do Moura, tanto como turista quanto como pesquisadora.

Ainda para o Ingold:

Observar significa ver que o acontece no entorno e, é claro, também ouvir e sentir. Participar significa fazê-lo a partir de dentro da corrente de atividades através da qual a vida transcorre, concomitante e conjuntamente com as pessoas e coisas que capturam a atenção que se dispensa a elas (INGOLD, 2016, p. 407).

De maneira mais direcionada, a observação participante delineada para esta pesquisa combina, simultaneamente: o contato de respondentes e informantes; a participação e observação direta; a análise documental, e, a introspecção. Conseqüentemente, é um tipo de estratégia que pressupõe um grande envolvimento do pesquisador desde a participação total, passando por participante como observador, observador como participante, até a condição de observador total.

Angrosino (2009, p. 21) resume rapidamente a vasta abordagem sobre a natureza das interações típicas da observação participante, estabelecendo quatro papéis principais entre o pesquisador e a comunidade:

1. o participante completo, quando o pesquisador está totalmente imerso na comunidade;

2. o participante como observador, ou seja, o pesquisador imerso na comunidade, mas com os objetivos de sua pesquisa divulgados e permitidos de serem estudados;

3. o observador como participante, quando o pesquisador interage com a comunidade sem necessariamente habitar nela;

4. o completo observador, aquele que coleta dados de sua pesquisa objetiva de longe sem se envolver e nem anuncia sua presença para a comunidade.

Sendo assim, através da situação três como prevalecente - o observador como participante - o estudo se desenvolveu a partir das estratégias metodológicas descritas abaixo.