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Na Química falta algo que salte aos olhos

7.2 Dimensões construídas a partir do confronto entre teoria-empiria-teoria

7.2.3 Na interação professor-aluno-conhecimento

7.2.3.3 Na Química falta algo que salte aos olhos

Ensinar é preencher uma função antropológica. Charlot (2005, p. 85)

A carreira docente não é fácil e aos professores é exigido que deem o máximo de si. Como foi observado nesta pesquisa, eles se esforçam, não faltam às aulas, são

assíduos e possuem certo grau de compromisso com a escola. Cumprem as obrigações burocráticas, como preencher mês a mês o diário eletrônico; comparecem nas horas atividades e demais atividades escolares. Mas, como ressalta a frase de uma aluna durante a entrevista:

“Na Química falta algo que salte aos olhos!”.

O que ela quis dizer com isso? O que há por trás desta frase repetida três vezes durante a entrevista?

Foi surpreendente a visão esclarecida, não somente desta aluna, mas de quase todos os alunos que participaram da entrevista de forma voluntária e coletiva. Eles falaram de forma aberta e espontânea. Quando elogiavam o professor ou algum aspecto da aula ou da escola, o faziam sem reservas e com a mesma intensidade de quando tinham alguma reclamação.

De certa forma, os alunos estão presentes no sistema educacional de forma consciente. Eles querem, sim, ser aprovados e seguir para a próxima série, sabem das dificuldades que possuem e conseguem “ler” a escola com alguma clareza. Eles estão construindo uma história escolar.

O que, provavelmente falte a estes alunos são atitudes mais conscientes e coordenadas, e às vezes até mais radicais, de reivindicação relativa a direitos estabelecidos. O que, talvez não possa ser exigido dos mesmos em decorrência da pouca idade – o que também lhes confere pouca autonomia – e da visão de sociedade em que estão inseridos.

Diante dessa percepção propus-me a compreender as seguintes questões: conhecimento atualizado x informação disseminada; aluno mobilizado x aluno desinteressado e professor engajado x professor acomodado.

Em primeiro lugar, para discorrer sobre conhecimento atualizado versus informação disseminada, pode-se considerar que o grande desafio que os professores enfrentam é o de preparar seus alunos para viver em uma sociedade do conhecimento, onde é necessário dominar as novas tecnologias da informação e da comunicação. E a Química, enquanto Ciência empírica, tem grande chance de figurar – junto com a Física e a Matemática – como um dos mais importantes campos de conhecimento que podem favorecer a formação de um novo espírito científico (Barcherlard, 2000).

Os interlocutores da pesquisa ressaltam, no entanto, que a Química ensinada não reflete as transformações de uma sociedade que anseia por saberes. Em suas palavras:

“A Química que eu ensino seria diferente se não fosse o livro didático”.Dorothy

“A Química é a mesma, mesma sequência[...] mudançasocorreram apenas no segundo ano”.Mayer

“Era uma Química totalmente diferente. Era decorativa. O oxigênio 6, por exemplo.Tinha que decorar a posição dos elementos dentro da tabela, não tinha tantos exercícios como hoje tem para fazer o aluno pensar”.Lavoiser

“A Química que está lá fora é mais ou menos a que a gente estuda na sala de aula porque a gente está estudando a Química de muitos anos passados, não a Química de agora. Misturamos a Química do passado com um pouco de agora”. Aluno de Mayer

A ligação com o LD é explícita. É ele quem comanda a distribuição e a ordem dos conteúdos das aulas de Química. O conteúdo do segundo ano é considerado o mais difícil. A Química é compreendida como uma Ciência antiga, e mesmo ultrapassada, talvez porque não há histórias contextualizadas. Não há um retorno epistemológico na forma de se pensar o conhecimento Químico durante as aulas. Diante disso, os alunos relacionam a Química com o vestibular:

“Eu sou mais aula de Química do que de Português. Acho que Sociologia e

Filosofia deveriam ter só no primeiro ano, não cai no ENEM.Ah! Sei lá, deveria mudar, todo ano é o mesmo assunto”.Aluna de Mayer

“... mas a Química, para mim que gosto, para alguém que quer fazer algo na área, tem mais utilidade”. Aluna de Lavoisier

A Química, segundo os alunos, está em todo lugar:

“No banheiro tem química no desinfetante, no sabonete, na carteira...” “Se a Química não existisse não existiria quase nada.”

“Não existiriam alimentos, o papel, os remédios. Não teríamos nada hoje em dia!”

Com esta percepção, a Química é compreendida como uma Ciência teórica e não empírica. A linguagem utilizada não consegue explicar as transformações no mundo, como diriaChassot. A Química, para os alunos entrevistados, é um conhecimento não histórico, difícil, e algo que lhes servirá apenas como informação para prosseguir de alguma forma nos estudos.

Em segundo lugar, a questão da mobilização45 dos alunos em torno do aprender é algo que está relacionado a diversas variáveis que interferem de forma significativa, como o descrédito recíproco. Enquanto os professores dizem:

“O aluno de hoje não quer pensar... Pedi que eles fizessem um poema relacionado à tabela periódica. Mas eles não vão até o fim. Se a gente não ficar ali empurrando o aluno não vai.”

“Os alunos não cooperam...” “Não estão interessados.”

“Vão para a escola, obrigados pelos pais.”

“Os alunos não relacionam o que a gente fala em sala de aula com a vida deles.”

Os alunos retribuem de forma muito semelhante.

“A Química da escola é difícil”

“Eu acho complicado, é interessante, mas é difícil”

“O professor não precisa fazer algo diferente toda vez, mas mudar um pouquinho nas aulas já ajudaria a gente a entender.”.

No descrédito também se pode incluir um terceiro elemento, a gestão escolar, para a qual todos tecem alguma crítica, inclusive os alunos.

“A coordenação não sabe nada do que eu faço dentro da sala de aula. Lá dentro eu mando.”Dorothy

“Porque ao final do ano a coordenação chega e diz assim: Professor, este aluno aqui não conseguiu fazer sua prova, será que não dá para fazer uma

45Utilizo o termo segundo Charlot (2005, p. 54) quando diz que “Para que o aluno se aproprie do saber,

para que construa competências cognitivas, é preciso que estude que se engaje em uma atividade intelectual, e que se mobilize intelectualmente. Mas, para que se mobilize, é preciso que a situação de aprendizagem tenha sentido para ele, que possa produzir prazer, responder a um desejo. É uma primeira condição para que o aluno se aproprie do saber. A segunda condição é que esta mobilização intelectual induza uma atividade intelectual eficaz”.

mais fácil para ele. Daí o aluno não consegue de novo. A coordenação diz novamente: Professor, eu acho que o senhor tem que fazer outra prova. Daí você faz outra e outra prova até o aluno conseguir passar com uma mediazinha bem fraquinha para ser aprovado. Isso já começou faz tempo, há décadas está assim.” Lavoisier

“Em algumas coisas, a escola é aberta, dentro da sala de aula quem manda é o professor. Lá, eles dizem: A gente não vai se intrometer. Para entrar na minha sala elas até batem. Nós fazemos o que queremos. Mas como posso fazer isso se sou barrada no uso do próprio livro didático? A escola tem que usar o livro didático. Por um lado a escola é aberta em algumas coisas, mas em outras não.”Dorothy

“A escola pública não prioriza o aluno que quer aprender. Aqui quem tem prioridade é o aluno que não quer nada com nada”.Aluna de Lavoisier

Nesta última fala, vemos retratada a percepção da ideia de que a escola não está cumprindo seu papel de socializadora do conhecimento. Esta aluna, que no contexto de sua fala faz uma crítica ao ensino público comparando-o com o ensino particular, diz ainda que os materiais que eles (os alunos) utilizam lá são os mesmos, a questão que ela aponta relaciona-se à prioridade.

Para esta aluna, que não retrata uma ideia em particular, mas uma imagem que está freneticamente em suspense – percebida nos três ambientes escolares – qual seja, a de que a escola está apenas contabilizando os números de aprovados em detrimento dos resultados que demonstram aprendizagem,ou seja, a escola pública não está se importando com o aprendizado dos alunos.

Diante dessa imagem tão forte, podemos então perguntar: Que tipo de mobilização poderá apresentar alunos que não são desafiados? Alunos que, ao apresentarem o caderno a seus professores, com as anotações da matéria dada, já somam quase 30% da nota bimestral? Alunos que realizam avaliações, teste e prova bimestral, em grupo e que, se a média não for alcançada, outra prova lhe será providenciada, às vezes a mesma prova, até que a média seja alcançada.

Observar as concepções dos alunos fez-me pensar nos objetivos da tese e de resignificar a questão do engajamento do professor que pode ser questionado sob diversos aspectos.

Pode-se tentar entendê-lo na perspectiva da inquietude profissional – o que já o colocaria de certa forma engajado na busca por melhorias em sua prática pedagógica cotidiana. Pode-se também relacionar seu engajamento em termos de conhecimento, seja de conteúdo, seja de conhecimento pedagógico do conteúdo, para usar um termo bastante atual. “O problema é que ensinar não é somente transmitir, nem fazer se aprender saberes. É por meio dos saberes, humanizar, socializar, ajudar um sujeito singular a acontecer” Charlot (2005, p. 85).

É um assunto que não se esgota e que está interligado a outros, como a questão do profissional que segue sua jornada com uma formação que continua, de forma intencional ou não, mas continua.

7.2.4 A formação inicial e a sua continuidade: as possibilidades